22 de novembro de 2009

MANIFESTO PARA DETER A CORRIDA DOS GRANDES GRUPOS PELAS TERRAS DO TERCEIRO MUNDO

Durante a recente e fracassada Conferência sobre a Fome em Roma, a revista Grain, de uma organização internacional não lucrativa pró-pequena agricultura e segurança alimentar, lançou em inglês, durante entrevista coletiva em conjunto com a Via Campesina, em http://www.grain.org/o/?id=87, a 16 de novembro, o seguinte manifesto:
Há mais de ano e meio, temos observado cuidadosamente como investidores estão tentando assumir o controle de terras agrícolas na Ásia, África e América Latina, como resposta às crises alimentar e financeira. No começo, nos primeiros meses de 2008, falavam em obter essas terras para "segurança alimentar", a segurança alimentar deles. Funcionários dos Estados do Golfo voaram por todo o globo procurando grandes áreas de terra cultivável que poderiam comprar para plantar arroz para alimentar suas crescentes populações sem depender do comércio internacional. Também o faziam coreanos, líbios, egípcios e outros. Na maioria dos casos, altos representantes do governo estavam diretamente envolvidos, barganhando novos pacotes de cooperação política, econômica e financeira, com o centro nas transações de terras agrícolas.
Mas então, por volta de julho de 2008, a crise financeira se aprofundou e notamos que ao lado dos "tomadores de terra para segurança alimentar" havia todo um outro grupo de investidores tentando tomar terras de cultivo no Sul: fundos de hedge, fundos privados de investimentos, bancos de investimentos e semelhantes. Não estavam preocupados com segurança alimentar. Avaliaram que se pode fazer dinheiro com a agricultura, porque a população mundial está crescendo, os preços dos alimentos tendem a ficar altos ao longo do tempo e a terra agrícola pode ser obtida barato. Com um pouquinho de capacidades de tecnologia e manejo aplicadas nessas compras de terra, obtêm diversidade de investimentos, garantia contra a inflação e lucros garantidos - tanto das colheitas como da própria terra.
Até agora, mais de 40 milhões de hectares trocaram de mãos ou estão em negociação - 20 milhões dos quais só na África. E calculamos que mais de 100 bilhões de dólares foram aplicados para isso acontecer. Apesar da ação governamental aqui e ali, esses negócios são principalmente assinados e executados por corporações privadas, em conluio com funcionários do governo local. A Grain compilou vários conjuntos de amostras de dados sobre quem são os tomadores de terras e sobre o que os negócios encombrem, mas a maior parte das informações é mantida secreta em relação ao público, por medo de represália política.
Nada nessa corrida por terras agrícolas no Sul é do interesse das comunidades locais, seja que se fale do Paquistão, Camboja, Filipinas, Madagascar, Quênia, Sudão, Etiópia ou Mali. Muitos desses países são eles próprio tremendamente inseguros alimentarmente. E essas tomadas de terra visam eliminar a agricultura em pequena escala, não aperfeiçoá-la. Mesmo que fosse só por essa razão, essa nova tomada glogal de terras foi logo vista por movimentos sociais como uma receita para profundos conflitos, não só pela terra, mas também pela água.
Hoje em Roma, temos um microcosmo deste conflito. Lá em cima na FAO, governos, agências internacionais (como o Banco Mundial) e empresas privadas (como a Yara, Bunge e Dreyfus), estão tentando elaborar o que chamam de códigos de conduta ou linhas de ação voluntárias para tornar esses negócios um negócio em que "todos ganham sempre". Sua principal preocupação é o dinheiro. Não querem que os dólares e os dirhams aplicados em compras de terras agrícolas simpesmente circulem. Então construíram uma resposta oportunista: fazer esses negócios de terras "trabalharem" por meio do controle dos riscos envolvidos. E sabemos por quê. Após 50 anos de esquemas de modernização agricola como a Revolução Verde e a biotecnologia, e os últimos 30 anos de programas mais amplos de ajuste estrutural, temos mais gente faminta no planeta do que nunca. Todos sabem que todos esses programas para supostamente alimentar o mundo deram para trás. Infelizmente, o Banco Mundial e outros agora decidiram que a melhor opção é ir em frente, seguir o dinheiro e instalar o operações em larga escala de agronegócio em toda parte, especialmente onde ainda não se enraizaram, para resolver o problema. Esta é a essência do paradigma da tomada de terras: expandir e entrincheirar o modelo ocidental de cadeias de valor de commodities em large escla. Em outras palavras: mais produção de comida controlada por corporações para a exportação.
Os movimentos sociais veem as coisas de modo muito diferente. Para nós toda essa falação de "todos ganham" simplesmente não é realista. Promete transparência e boa governança, como se os investimentos externos fossem respeitar os direitos das comunidades à terra lá onde os governos locais não os respeitos. Falam de empregos e transferência de tecnologia quando estes não são o problema (para não mencionar que pouco dos dois pode se materializar). Est´´a em volta em palavras como "voluntário", "medo" e "poderia", ao invés de "garantido", "confiança" e "vai". E o campo dos "todos ganham" está ele próprio dividido a respeito do que iria acontecer no caso de pressões alimentares nos países hospedeiros, um cenário mais do que provável. Devem os países ser autorizados a restringir exportações, mesmo a partir de fazendas de investimentos estrangeiros? Ou deveriam prevalecer os chamados livre comércio e direitos dos investidores. Ninguém entre aqueles com os quais conversamos nos grupos envolvidos na África ou Ásia leva a sério essa idéia de "todos ganham".
A tomada global de terras hoje, em que investidores estrangeiros assumem o controle da terra e da água nos países em desenvolvimento, não tem nada a ver com o reforço da agricultura familiar e dos mercados locais, que na nossa visão é o único caminha para chegar a sistemas alimentares que realmente alimentam as pessoas. A corrida deve ser detida. Não há possibilidade de "todos ganham" porque os que fomentam esses investimentos estão fazendo a pergunta errada. A pergunta que deveríamos estar fazendo não é "Como fazemos esses investimentos funcionarem?" é "Quais sistemas de cultivo e alimentarem vão alimentar as pessoas sem fazê-las adoecer, manter os lavradores no campo e não em favelas na cidade, permitir que as comunidades prosperem e floresçam. Uma vez que concordemos que a questão real é qual agricultura queremos, então podemos falar sobre que tipo de investimento vai nos levar até lá.
Na Grain estamos extremamente preocupados em que a tomada global das terras de hoje só vai tornar pior a crise alimentar. Pois impulsiona uma agricultura engrenada rumo às monoculturas em larga escala, OGMs, expulsando os lavradores da terra em favor de máquinas e muitas substâncias químicas e combustíveis fósseis. Essa não é uma agricultura que vai alimentar todo mundo. É uma agricultura que proporciona lucros especulativos para uns poucos e mais pobreza para o resto. Claro que precisamos de investimentos. Mas de investimento em soberania alimentar, em um milhão de mercados locais e nos quatro bilhões de pessoas no campo que atualmente produzem a maior parte da comida de que nossas sociedades dependem - não numas poucas megafazendas controladas por uns poucos megassenhores de terras.
Ler mais (em inglês) em
http://farmlandgrab.org/
http://www.grain.org/landgrab/
People's Food Sovereignty Forum, Rome 13-17 novembre 2009 - video

Nenhum comentário: