O jornal Diário do Comércio, de São Paulo, me encomendou há algum tempo a seguinte resenha:
A preciosa reconstrução da
viagem de Martim Afonso
Renato Pompeu
Um belíssimo álbum, com lindas e informativas ilustrações (mais de cem) do arquiteto e muralista Vallandro Keating, e empolgantes textos do navegante português do século 16, Pero Lopes de Sousa, e do bem conhecido sociólogo e historiador Ricardo Maranhão, é o que nos oferece o livro “Diário de navegação – Pero Lopes e a expedição de Martim Afonso de Sousa (1530-1532)”, publicado pela Editora Terceiro Nome e o Banco Pine.
Trata-se da reconstituição da expedição naval ordenada pelo rei Dom João 3.o de Portugal para reconhecer as costas brasileiras, combater a presença de europeus não-portugueses nas terras recém-descobertas, e instaurar pelo menos uma povoação permanente nas novas terras. No comando da expedição o rei pôs o jovem capitão Martim Afonso de Sousa, que escolheu seu irmão Pero Lopes como encarregado de registrar o diário de bordo. A expedição acabou reconhecendo as costas da América do Sul, desde a Paraíba até o rio da Prata, pela qual subiu até o rio Paraná, e culminou na fundação de São Vicente, no que é hoje o litoral do Estado de São Paulo.
O livro parte do diário de navegação de Pero Lopes, mas Maranhão enriqueceu a narrativa pesquisando em muitas outras fontes, não só portuguesas, a ponto de que, das cerca de 250 páginas da obra, cerca de 20 são ocupadas pela íntegra do diário de bordo. Foi “uma expedição repleta de descobertas, batalhas, encontros e espantos”, diz a apresentação.
Explica a contracapa: “Uma das mais antigas fontes para o conhecimento do Brasil foi produto de uma verdadeira epopeia: a expedição de Martim Afonso e de seu irmão Pero Lopes de Sousa ao Brasil e ao Rio da Prata, de 1530 a 1532. Com suas caravelas, naus e bergantins, eles exploraram nossa costa, guerrearam franceses e deram o primeiro passo para a colonização do país. O leitor que embarcar nessa fascinante jornada ao lado da tripulação comandada pelos irmãos portugueses encontrará combates navais, tribos indígenas, muitas aventuras e maravilhas de nosso litoral, tal como era há quinhentos anos”.
Sobre o diário de Pero Lopes, diz a introdução: “O documento apresenta uma narrativa aparentemente fria, técnica, marcada por observações astronômicas, com muitos números e cálculos de marinharia, típica de um homem que precisa da razão geométrica e matemática para encontrar algum sentido na infinitude do oceano que ele tem a coragem de enfrentar com seus insignificantes barcos de madeira. No entanto, o narrador é também um homem jovem, aventureiro e de imaginário renascentista, e por isso os fatos da vida invadem seu texto, contaminam o seu racionalismo com exclamações de prazer estético, com temores ancestrais diante do mar desconhecido, com manifestações de espanto. Assim, apesar de sua extrema economia de palavras, uma leitura cautelosa de seu diário é altamente reveladora e dá pistas decisivas para a procura de outras fontes que esclareçam em pormenores o que ele conta em frases telegráficas”.
A 31 de janeiro de 1531, uma terça-feira, assim registrou Pero Lopes a apreensão de um navio francês carregado de pau-brasil, nas costas de Pernambuco, transcrevendo-se para a grafia de hoje: “No quarto d’alva vimos terra, que nos demorava a oeste, chegando-nos mais a ela houvemos vista de uma nau, e demos as velas todas, e a fomos demandar: e mandou o capitão I. dois navios na volta do norte, na volta em que a nau ia, e outros dois na volta do sul: a nau como se viu cercada arribou a terra, e meio légua dela surgiu e lançou o batel fora. Como fomos dela um tiro de bombarda se meteu a gente toda ao batel e fugiu para a terra. Mandou o capitão I. a Diogo Leite, capitão da corveta Princesa, que fosse com seu batel após o batel da nau: quando já chegou a terra, era já a gente metida pela terra dentro, e o batel quebrado. Fomos à nau, e nela não achamos mais que um só homem; tinha muita artilharia e pólvora, e estava toda carregada de brasil.”
Numa das poucas vezes que desceu à terra, Pero Lopes, embora sem descrever, se entusiasma com a paisagem brasileira: “A terra é a mais formosa e aprazível que eu jamais cuidei de ver: não havia homem que se fartasse de olhar os campos e a formosura deles. Aqui achei um rio grande; ao longo dele tudo arvoredo o mais formoso que nunca vi”.
Se o diário de Pero Lopes é assim empolgante, mais encantador ainda é o texto geral do livro, que descreve com a linguagem de hoje como era naquela época o território que viria a ser o Brasil.
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