8 de fevereiro de 2014
O legado de Ruth Cardoso
Da Carta Capital
-
Ruth Cardoso, pela
Sabesp e Natura
-
Num lançamento da Mameluco, editora dirigida pelo historiador e jornalista Jorge Caldeira, está sendo publicada, com patrocínio da Sabesp e da Natura, a “Obra reunida” da antropóloga e cientista política paulista Ruth Cardoso (1930-2008), mulher do ex-presidente da República, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso. Não se trata da obra completa dessa cientista social dotada de luz própria, bastante respeitada nos meios acadêmicos, enquanto o grande público a conhece mais como tendo criado o Comunidade Solidária, como primeira dama da Nação. Mas estão incluídos textos seus como antropóloga, notadamente sobre a progressiva integração e aculturação dos brasileiros de origem japonesa, e como cientista política, função em que foi uma das primeiras pessoas a perceber a importância dos movimentos sociais em São Paulo e no Brasil. Ela foi a primeira, fora desses movimentos que se desenvolveram como causas e efeitos da decadência do regime militar, a partir dos anos 1970, a perceber sua relevância política, tendo sido também a primeira a perceber, já quando os movimentos nasciam, a possibilidade, concretizada a partir do governo Lula, de sua absorção pela cooptação e pelo clientelismo de políticos e dos governantes. Também preciosos são os textos da organizadora, Teresa Pires do Rio Caldeira, que conta como o tema do doutorado de Ruth Cardoso, os japoneses, não foi escolhido por ela, mas por seu orientador, o antropólogo Egon Schaden – naquele tempo os homens mandavam nas mulheres mais do que hoje –, e do depoimento da também antropóloga e cientista política Eunice Ribeiro Durham. – RENATO POMPEU
7 de fevereiro de 2014
Romance inspirado em Bakunin
Romance tem herói
inspirado no líder
anarquista Bakúnin
-
Renato Pompeu
-
Em magnífica tradução de Fátima Bianchi diretamente do original em russo (infelizmente não é mencionada a edição de que foi feita a traduição do livro, cujo lançamento data de 1855), a Editora 34 acaba de publicar o monumental romance russo “Rúdin”, do primeiro grande romancista russo a fazer sucesso no Ocidente, Ivan Turguêniev (1818-1883, por sinal os mesmos anos de nascimento e de morte do pensador comunista Karl Marx, para dar uma ideia da intensidade da fervilhante fermentação da época em que o romancista viveu).
Justamente o retrato brilhante que Turguêniev faz da repercussão de todo esse fervilhar de ideias na retardada Rússia de então é um de seus grandes apelos para os leitores e leitoras do Brasil. Ainda mais atraente é o fato de que o herói do título foi inspirado ao autor russo pela personalidade do famoso líder anarquista também russo Mikhail Bakúnin, o grande rival de Marx na luta pela liderança dos trabalhadores europeus da época, que, vivendo em condições bem próximas da miséria, muito diferentes das circunstâncias bem mais amenas em que vivem hoje, eram conforme o lugar e a época adeptos de diferentes correntes radicais e revolucionárias.
Mas atenção: o herói Rúdin é apenas inspirado em Bakúnin, não representa sua figura histórica tal como realmente existiu. Enquanto Bakúnin era um homem de brilhantes ideias e de ações audaciosas por todo o Ocidente, Rúdin, também homem de brilhantes ideias, aparece no romance como recluso e impotente no atrasado, provinciano e mesquinho ambiente social e cultural da Rússia de então. É como se Turguêniev tivesse feito uma experiência de laboratório: vamos pegar esse brilhante pensador e homem de ação no dinâmico Ocidente e colocá-lo na estática e nada empreendedora sociedade russa de 1855. O resultado é que ele continuará sendo um pensador estimulante, mas não para ações concretas – Rúdin só consegue estimular sonhos com uma vida mais colorida e mais livre, não dar passos efetivos para concretizá-la.
Ou seja, se trata de um retrato perfeito do “homem supérfluo”, termo aliás cunhado pelo próprio Turguêniev, e que indica os jovens intelectuais russos influenciados pela febril vitalidade de ideias no Ocidente e que, em seu próprio país, ficam condenados a viver a vida indolente e preguiçosa, medíocre e provinciana dos russos que tinham a sorte de não serem servos camponeses ainda presos à gleba, ou trabalhadores manuais urbanos ou ainda serviçais domésticos. Em suma, jovens que, ou eram integrantes da grande aristocracia rural, como o próprio Turguêniev, ou eram integrantes da clientela dessa aristocracia, como Rúdin. Todo o cenário lembra vagamente as “ideias fora de lugar”, termo que o crítico brasileiro nascido na Áustria Roberto Schwarz cunhou para designar as concepções liberais inspiradas na democracia inglesa e na Revolução Francesa que povoavam as mentes de senhores de escravos no Brasil imperial.
O cenário principal do romance são os salões de uma mansão rural bem no coração da Rússia europeia em que uma viúva aristocrática vai passar cada verão. Em seu círculo há desde puxa-sacos até homens de mentalidade tacanha, conhecedores apenas das realidades de seu cotidiano mesquinho, sem leituras, sem maiores informações sobre o mundão lá fora, passando por garotas românticas que sonham com uma vida mais autêntica, mais o visitante Rúdin com suas ideias fulgurantes.
É como o jovem da grande cidade que chega aos cafundós dos grotões. Ele faz sucesso entre as abonadas anfitriãs locais e entre as moçoilas, gerando ciúmes, inveja e hostilidade por parte dos figurões e das figurinhas locais. Ao mesmo tempo, quanto mais íntima a pessoa fica do herói visitante, tanto mais se decepciona com ele, incapaz de transformar o ambiente mesquinho à sua volta.
Turguêniev conhecia bem a realidade que descreve no romance. Nasceu numa família da nobreza rural russa imensamente rica, que tinha uma propriedade no interior da Rússia europeia com 500 servos. Sua mãe, misto do que hoje seria uma perua com o que sempre é uma megera, espancava impiedosamente os servos e, pasmem, até os seus próprios filhos. Ela desprezava qualquer coisa que fosse russa e obrigava a família a falar exclusivamente francês. Isso levou o jovem Ivan a crescer odiando a servidão da gleba e o pseudo-requinte, na verdade brutalizado, dos modos da aristocracia rural russa. Acabou radicando-se na Alemanha e na França e escreveu os primeiros grandes romances russos, esse “Rúdin” e o mais famoso “Pais e filhos”.
Um dos grandes méritos da tradução de Fátima Bianchi é que ela procura transcrever as grafias do alfabeto cirílico para uma grafia em português que represente, o mais fielmente possível, a pronúncia russa. Assim, ela escreve “Aleksêievna”, “Turguêniev”, “Nikoláievitch”. Boa leitura!
6 de fevereiro de 2014
Modernell, notícia e fábula
Do Diário do Comércio de São Paulo
-
Renato Modernell, a fábula como
notícia e a notícia como fábula
-
Renato Pompeu
-
O consagrado escritor, jornalista e professor universitário gaúcho Renato Modernell, 59 anos, radicado em São Paulo há quatro décadas, virou notícia e fábula ao mesmo tempo, ao ter acabado de lançar uma ficção, “Gird, o quarto mago”, edição do autor, e a não-ficção “A notícia como fábula – Realidade e ficção se confundem na mídia”, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Summus Editorial.
Virou notícia por causa da encantadora e mágica fábula que escreveu sobre o persa Gird, o quarto mago após os Três Reis Magos que acompanharam o nascimento de Jesus e que vai acompanhar a Paixão de Cristo. A partir da ideia de que, na Pérsia de mais de dois mil anos atrás, começou a acontecer a calamidade de o fogo esquentar cada vez menos até se tornar fogo frio, alarmando a população, Modernell cria com muita segurança e precisão um mundo mais do que surrealista, em que acontecem as coisas mais insólitas e absurdas, mas com uma lógica implacável e uma tranquilidade olímpica mesmo nas descrições mais inusitadas e fantásticas.
É a narrativa em estado puro, pois paira suspensa e em rigoroso suspense com total independência em relação ao chamado mundo real. Ele cria um mundo imaginário e imaginoso, maravilhoso no sentido filosófico do tema, em que se vão sucedendo cenas regidas por leis naturais e relações sociais totalmente desenvolvidas pela fecunda fabulação do autor. Tal é a capacidade criativa de Modernell que a sua narração de situações irreais parece irrepreensivelmente verossímil. O sentimento que desperta no leitor, quando pincela cada cena e cada fala, é o de que não há dúvida de que, se isso pudesse realmente acontecer, aconteceria do modo como está sendo descrito.
Não se trata, como se poderia cogitar, de que Modernell tenha sucumbido à presente voga mística da ficção mundial. Nem de que ele tenha pagado um tributo aos novos tempos. Trata-se, isso sim, de uma espetacular façanha de fabulosidade. Com muito engenho, ele na verdade cria, para além do antigo realismo mágico da literatura latino-americana e para além do sectarismo religioso dos grandes best-sellers internacionais da atualidade, uma espécie de racionalismo mágico, ou lógica mística. A tal ponto Modernell nos envolve com sua fala mansa que em momento algum nos surpreendemos ou nos chocamos com a sucessão de milagres que ele descreve. Com simplicidade que chega à candidez, desfilam acontecimentos mágicos como um sonho ou como um conto de fadas, que abordam questões tão complexas como o desenvolvimento e o exercício da sexualidade e a salvação da alma de cada um.
Resumindo, confrontados com “Gird”, estamos diante de um virtuoso exercício de virtualidade, em que, rigorosamente, Modernell vai além do surrealismo e da chamada escrita automática. Aqui o escritor não escreve o que lhe vem à cabeça, o que vem de seu subconsciente e de seu inconsciente. Ao invés de ser resultado de uma imediaticidade instantânea, o livro é resultado de uma laboriosa, cuidadosamente arquitetada, criação de uma nova realidade, sólida como um bloco de tijolos, apesar de totalmente imaginária.
Já em “A notícia como fábula”, originalmente uma tese de mestrado na Universidade de São Paulo, Modernell inverte totalmente a situação e discute, por meio de um cotejamento entre textos jornalísticos, a difícil relação dos seres humanos com a realidade que se presume existir fora do pensamento de cada um. Por trás do debate sobre as relações entre a notícia de um jornal ou revista e o “fato” que teria ocorrido e dado origem à notícia, por trás do problema de que a notícia publicada no jornal ou revista é apenas uma versão, inevitavelmente falha, daquele acontecimento, sendo o jornalista apenas alguém que, como todo mundo, viu apenas parcialmente o que ocorreu, está uma discussão tão antiga quanto a humanidade: até que ponto um ser humano pode realmente “observar” o mundo externo?
Com apresentação do bem conhecido jornalista José Carlos Marão, experimentado repórter da famosa revista que tinha o significativo nome de “Realidade”, o ensaio de Modernell lembra uma antiga constatação do jornalista Paulo Pompeu, já falecido, que, com mais de meio século de jornalismo diário, chegou à conclusão de que só se pode acreditar numa notícia de jornal se não temos mais nenhuma fonte sobre o mesmo tema. Se tivermos outra fonte, saberemos que as coisas não foram bem assim. Mas isso é uma situação inelutável da condição humana: toda comunicação de um “fato” é parcial – apenas o jornalista, como comunicador profissional, procura reduzir ao máximo essa carga de subjetividade.
Enfim, Modernell encarna tanto a notícia como a fábula, em suas duas novas obras.
4 de fevereiro de 2014
Reflexões sobre minha teoria do futebol
Reflexões sobre a teoria do futebol constante de “A Saída do Primeiro Tempo”
-
Renato Pompeu
-
Em meados de 1977 eu estava escrevendo um romance sobre o espectro da Associação Atlética Ponte Preta, que anda pelas noites de Campinas tocando a testa das pessoas e mudando seus pensamentos.
Então fui encarregado, pela revista Veja, onde então eu trabalhava como editor-assistente, e que tinha uma orientação editorial muito diferente da atual, de escrever um artigo sobre o Corinthians, que na semana seguinte iria disputar, justamente contra a Ponte Preta, o título paulista que o Corinthians buscava havia 23 anos. O resultado, que ganhou naquele ano o Prêmio Abril de Jornalismo Esportivo, pode ser visto na coleção da Veja na Internet. Uma reflexão sobre o significado do futebol, o artigo tinha o título de “Uma arte feita pelo povo”.
A partir desse artigo, em pouco tempo elaborei uma Teoria do Futebol. Eu queria publicar essa teoria na revista do Cebrap, o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, uma das mais importantes publicações na área de ciências humanas e que era crítica do regime militar, mas uma amiga minha, Anna Maria Franco Brisola, me disse o seguinte: “Renato, veja bem, a sua é uma teoria polêmica; você não tem diploma universitário, e além disso esteve um ano e meio no hospício, vão dizer que é loucura ou coisa pior. Faça o seguinte: bota no meio desse romance que você está escrevendo, como teoria de um personagem, e vê o que acontece”.
O que aconteceu é que a tese foi levada a sério por gente que entende ao mesmo tempo de teoria social e de futebol, o que na época era uma combinação rara, mas hoje já se está tornando mais comum.
A teoria, em resumo, diz o seguinte: o futebol não é um esporte, é um espetáculo dramático. Distingue-se de outros espetáculos dramáticos, como o teatro, cinema e televisão, por duas razões: em primeiro lugar, por retratar, não um conflito entre personalidades, mas um conflito entre duas instituições que, no plano imediato, são os dois times de futebol. Em segundo lugar, por não ter um roteiro prévio conhecido de seus atores: os “atores”, os jogadores, vão criando o enredo, a trama e o desenlace conforme suas decisões de momento.
Por retratar um conflito entre duas instituições, o futebol pode simbolizar qualquer tipo de conflito social. Assim, em Glasgow se enfrentam católicos e protestantes (Celtic vs. Rangers), em Roma esquerdistas e direitistas (Roma vs. Lazio), em São Paulo o povão e a oligarquia, ou um deles é a classe média imigrante ascendente (Corinthians vs. São Paulo, ou um deles vs. Palmeiras), ou o time representa os habitantes de uma cidade ou região (Napoli, Barcelona).
Tudo isso, porém, não é específico do futebol. Outros esportes coletivos com bola têm essas mesmas características. O que distingue especificamente o futebol é o uso primordialmente do pé e a proibição do uso da mão. Ora, o futebol tal como o conhecemos surge exatamente durante a Revolução Industrial, em que pela primeira vez seres humanos trabalham horas a fio sem mover os pés, seja de pé diante de uma máquina, seja sentados a uma mesa. O futebol, assim, representa as classes trabalhadoras fora do local de trabalho. Por isso deu certo nos países em que as classes trabalhadoras existem fora do local de trabalho, mas não onde isso não ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos.
A teoria, tal como foi publicada em 1978, precisa ser atualizada em pelo menos dois pontos. Um deles é quando se refere ao Japão. Na época, o futebol não tinha importância no Japão e isso era explicado pelo fato de que os trabalhadores se identificavam pelo fato de pertencerem a uma empresa que era como que uma família extensa. O emprego era vitalício e a relação do empregado com a empresa era pessoal, como se ele fosse um samurai. Ora, hoje podemos dizer que, com o fim do emprego vitalício, as classes trabalhadoras japonesas passaram a se identificar com o futebol.
O outro ponto se refere às torcidas organizadas em geral e aos hooligans em particular. Na época que podemos considerar clássica do futebol, o torcedor se identificava, por meio da identificação com o time, com algo maior, seja uma camada social, seja uma região geográfica, etc. O futebol, em que se sucediam vitórias e derrotas, era como um processo educativo, em que se aprende que, na vida, se sucedem derrotas e vitórias, mas a instituição a que pertencemos continua existindo. Nas últimas décadas, no entanto, esse sentimento de pertencimento foi ficando cada vez mais fraco para milhões de pessoas. O time passou a não representar mais uma instituição extracampo a que a pessoa pertencia. Ela sente um pertencimento só ao time. Quando o time perde, não há uma instituição extracampo que continua existindo apesar da derrota. Quando o time perde, é como se deixasse de existir qualquer vínculo. Daí a pessoa parte para a agressão.
É claro que muitos outros fatores intervêm. Estudando o futebol, fica mais claro o que é tão intricado na observação das sociedades humanas: os modelos explicativos nunca esgotam o assunto e em cada caso concreto interferem muito mais fatores do que se enquadram nos modelos explicativos.
2 de fevereiro de 2014
Trabalho de História do Brasil sobre partidos políticos
Recortes de jornais sobre
os partidos políticos brasileiros
-
Reúna informações e/ou polêmicas recentes sobre os atuais partidos (ao menos os principais: PMDB, PT, DEM, PSDB), a partir de artigos e matérias colecionadas nos jornais (especialmente os de circulação nacional, tais como Folha de S.Paulo, O Globo, O Estado de S.Paulo, etc.).
Apesar de a publicação não ser de circulação nacional, me parece importante o artigo abaixo, que indica que nenhum partido, mesmo entre os principais, como PMDB, PT, DEM, PSDB, tem realmente expressão nacional, pois nenhum deles conseguiu pelo menos 5 por cento dos votos em cada um dos 26 Estados da Federação:
-
http://www.odocumento.com.br/materia.php?id=410829
-
Nacional
-
Nenhum partido chega a 5% dos votos em todos os Estados
-
31/10/2012 - 10h11
-
UOL
Nenhum partido político do Brasil obteve pelo menos 5% dos votos nos 26 Estados nos quais houve eleição para prefeito neste ano.
Do ponto de vista nacional, só 7 partidos conseguiram passar de 5% na soma geral do país quando se consideram todos os votos recebidos para prefeito. O Brasil tem 30 partidos políticos.
Essa fragmentação partidária tem sido estável ao longo dos últimos anos. Ainda assim, pode parecer que a situação está menos horizontalizada por causa de uma comparação com as disputas municipais de 2004 e de 2008.
Em 2004, foram 9 os partidos que passaram de 5% dos votos nacionais para prefeito.
Em 2008, foram 8 os partidos com mais de 5% dos votos em todo o país.
E agora, em 2012, o número caiu para 7 partidos.
Ou seja, se menos partidos estão conseguindo ter 5% dos votos do país isso significa que a fragmentação diminuiu, certo? Errado.
Por duas razões.
Primeiro, porque os partidos campeões que ultrapassavam os 5% dos votos nacionais registravam de 17% até quase 19% em eleições passadas. Agora, o máximo é o patamar dos 16% (ou seja, as legendas ficaram menos nacionais).
Segundo, porque os nanicos cresceram muito. Individualmente não valem quase nada. Somados, são uma potência.
Todos os nanicos juntos costumavam ter de 4% até quase 6% dos votos no país em eleições municipais passadas. Neste ano de 2012, registraram expressivos 9,8%. Um crescimento estupendo. .
-
Também me parece importante, para efeito de debate em classe, o recorte seguinte:
http://educaterra.terra.com.br/voltaire/brasil/2003/08/18/003.htm
-
História – Brasil
-
BRASIL
-
Partidos Políticos no Brasil
-
Leia mais
-
Partidos Políticos no Brasil
» Introdução
» Partidos na República Velha
» Bipartidarismo no regime militar
» Representação e governabilidade
-
Oficialmente, os partidos políticos já existem no Brasil há mais de cento e sessenta anos. Nenhum deles, porém, dos bem mais de duzentos que surgiram nesse tempo todo, durou muito. Não existem partidos centenários no país, como é comum, por exemplo, nos Estados Unidos, onde democratas (desde 1790) e republicanos (desde 1837) alternam-se no poder. E o motivo disso, dessa precariedade partidária, da falta de enraizamento histórico dos programas nas camadas sociais é a inconstância da vida política brasileira.
-
Mudanças bruscas
-
A mão (ação) e o livro (a idéia)
-
Marcada por acontecimentos bruscos - mudanças de regime ou revoluções - que golpearam a existência dos partidos, eles se viram forçados a sempre terem que começar praticamente do zero uma nova trajetória a cada uma das interrupções sofridas. Tais rompimentos foram assinalados pela implantação da república, em 1889, que sepultou os partidos monarquistas; pela Revolução de 1930, que desativou os partidos republicanos “carcomidos”; pelo Estado Novo (1937-1945) o qual vedou a existência de partidos; e pelo Regime Militar de 1964 que confinou os partidos num quadro de ferro.
Outra tese interessante é a que sustenta que de fato o Brasil foi sempre dominado por um só partido – o das classes proprietárias. Aferradas ao poder desde os tempos coloniais, quando monopolizaram o acesso às terras, à mão-de-obra e aos principais cargos públicos, elas simplesmente adaptam-se aos tempos, seguindo o exemplo do mitológico Proteu, o deus marinho que metamorfoseava-se, assumindo a forma e a feição necessária exigida pelo momento. Ora conservadoras, ora modernizadoras, ora reacionárias, ora progressistas, é sempre a mesma casta e seus descendentes, capaz de trocar de pele quando preciso, preferindo a conciliação do que o conflito, que conduz as coisas maiores no Brasil. (*)
Por conseguinte, é o Partido do Patriciado, hábil em cooptar sangue novo ou absorver e domesticar talentos vindos de baixo, o único partido realmente governante da história nacional. Para esta tese inclinou-se José Honório Rodrigues, para quem nem na Independência deu-se o rompimento com a oligarquia que governava o país, havendo sempre uma continuidade histórica entre as diversas sucessões de regimes políticos. Ainda que reconhecendo a existência de duas correntes de opinião, “a tradicionalista e conservadora”, defensora do status quo, e a outra , a “mameluca” , mais popular e radical, ele reconhece a vitória histórica da primeira. (ver Conciliação e reforma no Brasil, RJ. Civilização Brasileira)
(*) Depoimento que corrobora essa tese é o caso de Afonso Arinos de Mello Franco, cujo avô, o Conselheiro Cesário Alvim, um homem do império, pertenceu ao comitê da redação da Constituição republicana de 1891, seu pai, Afrânio de Melo Franco atuou na Constituição de 1934 e ele, que casara-se com uma parenta do ex-presidente Rodrigues Alves, na de 1967. Gustavo Franco, seu sobrinho, foi presidente do Banco Central entre 1997-99.
-
Partidos no império
-
Passada a fase da independência, quando a facção dos exaltados, expressão dos sentimentos nacionalistas, digladiou-se com a dos caramurus, que representavam os interesses lusitanos ainda fortemente presentes, é somente após a queda do imperador D.Pedro I, afastado pelo Golpe de 7 de Abril de 1831, que os partidos políticos assumem uma função institucional. José Murilo de Carvalho foi enfático em dizer que “até 1837 não se pode falar em partidos políticos no Brasil” (A Construção da Ordem: a elite política imperial, RJ. Campus). Formaram-se as duas agremiações que caracterizaram o Segundo Reinado, a dos Conservadores (saquaremas) e a dos Liberais (luzias).
A oposição entre elas devia-se basicamente a visão que cada um deles tinha do poder monárquico. Os conservadores propunham sempre um regime forte, com autoridade concentrada no trono e pouca liberdade cedida às províncias. Os liberais, por sua vez, inclinavam-se pelo fortalecimento do parlamento e pela maior autonomia provincial. No que toca ao regime escravista, ambos eram pela sua manutenção, distinguindo-se os liberais por entenderem a sua supressão conduzida por um processo gradual que lavaria a abolição.
O voto era rarefeito, hierárquico, baseado em critério censitário (Lei Saraiva, 1881), em eleições realizadas em dois turnos, com as assembléias paroquiais escolhendo os eleitores das províncias e estes escolhendo os representantes da nação e das províncias. O escasso conflito ideológico devia-se a que tanto conservadores como liberais pertenciam a mesma classe social, a dos proprietários, de bens e de escravos. Havia, porém, maior simpatia pelos liberais entre os comerciantes, os jornalistas, e as populações urbanas em geral. Esta desatenção pelas idéias, e pelas paixões ideológicas em geral, é que de certo modo, explica que o primeiro programa partidário só tenha sido redigido em 1864 (pelo efêmero Partido Progressista)
Atribui-se, igualmente, à Politica da Conciliação implantada pelo Marques do Paraná (de 1853-1868), como sendo a grande responsável pelo desinteresse dos súditos habilitados no processo eleitoral. Visando evitar perigosas rachaduras entre as classes proprietárias (como se deu com a revolta Praieira, de 1848), adotou-se a estratégia do gabinete misto (conservador-liberal) para estabilizar o Segundo Reinado.
-
Assinado por Quintino Bocaiúva, o Manifesto Republicano em Itú, São Paulo, em 3 de dezembro de 1870, logo engendrou a fundação de um partido republicano. Novamente a cidade de Itú serviu de palco para a realização da primeira convenção republicana, a que criou o PRP (Partido Republicano Paulista). O local do encontro foi o sobrado dos Almeida Prado, família ligada à cafeicultura, ocasião em que João Tibiriça obteve a aprovação do programa republicano.
Entretanto, o novo regime implantado a partir da Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, devido a sua imposição militar, contou com escassa presença de republicanos autênticos. A república foi obra de generais não de políticos civis. Mesmo assim, obedecendo ao espírito federativo tão reclamado, surgiram partidos regionais (Partido Republicano Paulista, Partido Republicano Mineiro, e assim por diante) que gradativamente desativaram as tentativas de formação de agremiações nacionais (os Partidos Republicanos Federais/ Liberais e Conservadores, que tinham ambição de agregar forças políticas no país inteiro, não foram adiante).
Com a ascensão do coronelismo e suas práticas, as eleições passaram a refletir o poder do caciquismo, sendo que a maioria delas resultava de manipulações ou de arranjos prévios feitos entre os chefes políticos de cada estado. Como eram os funcionários do governo que controlavam os procedimentos eleitorais e faziam a contagem dos votos, em cada estado brasileiro uma máquina política-eleitoral - composta pelo coronel, pelo cabo-eleitoral e pelo curral eleitoral - foi montada com a função básica de garantir resultados satisfatórios ao grupo governante.
Esta prática feria o principio básico do sistema republicano que se assenta no princípio da rotatividade dos cargos e das funções, visto que as oposições estavam impedidas, pelo processo eleitoral legal, de substituírem o grupo dominante. Daí explodir a violência política (caso do Movimento Tenentista, de 1922-27, da Revolução de 1923 no RGS, ou o da Revolta da Princesa na Paraíba, em 1928).
-
Partidos ideológicos
-
Aberto às paixões do século, o Brasil também acolheu as ideologias extremistas antípodas que afloraram depois da Primeira Guerra Mundial, o comunismo e o fascismo. Em 1922, foi fundado o Partido Comunista Brasileiro (PCB), vinculado à IIIª Internacional Comunista, com sede em Moscou e , em larga parte, liderado por Luís Carlos Prestes. Dez anos depois, em 1932, foi a vez da fundação da Ação Integralista Brasileira (ABI), inspirada no Movimento Fascista italiano e no Movimento da Falange espanhola, comandada pelo chefe Plínio Salgado.
Ambos os partidos, em momentos diferentes, tentaram depor o regime de Getúlio Vargas por meio de um golpe. O PCB foi o principal articulador da frente que se escudou na ANL (Aliança Nacional Libertadora) e responsável pela fracassada Intentona Comunista, de 27 de novembro de 1935, enquanto a Ação Integralista tratou de assaltar o Palácio da Guanabara, em 12 de maio de 1938, para derrubar o govenro do Estado Novo que os excluíra do poder.
Colocados na ilegalidade pelo decreto de 2 de dezembro de 1937, somente retornaram à vida política ao final da Segunda Guerra Mundial. O PCB ainda teve uma pálida atuação no Govenro Goulart (1961-64), e os ex-integralistas, acobertados pela sigla do PRP (Partido da Representação Popular), fizeram sua última aparição na ditadura do Presidente Médici (1969-1973).
-
Os partidos da república redemocratizada: 1945- 1965
-
Getúlio Vargas, suprimiu e depois criou partidos
-
Totalmente proibidos durante o Estado Novo (1937-1945), os partido políticos somente foram novamente legalizados em 1945. É certo dizer que a vida politica brasileira entre 1945 e 1964 foi polarizada entre os partidos getulistas (PSD e PTB) e o principal partido anti-getulista (a UDN). Por conseguinte, mesmo depois da morte de Vargas, em 24 de agosto de 1954, a sua personalidade continuou pairando sobre a sociedade brasileira por mais dez anos.
O PSD (Partido Social-Democrático) abrigou a face conservadora do getulismo, formada por lideranças rurais e por altos funcionários estatais, enquanto que o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), inspirado no Labor Party da Grã-Bretanha, agregava as lideranças sindicais e os operários fabris em geral. O partido rival, a UDN (União Democrática Nacional), liberal e antipopulista, congregava a burguesia e a classe média urbana, favorável ao capital estrangeiro e à iniciativa privada. Coube à UDN o papel de ser a principal promotora das impugnações das vitórias eleitorais da coligação PSD-PTB (1950, 1955), bem como a maior instigadora das tentativas de golpes militares que se sucederam até a vitória em 1964.
-
O bipartidarismo no regime militar
-
Destruído o sistema partidário democrático existente desde 1945, o regime militar, a partir de 1965, com o Ato I-2, somente permitiu a existência de duas associações políticas nacionais, nenhuma delas podendo usar a palavra “partido”. Criou-se então a ARENA (Aliança Renovadora Nacional), base de sustentação civil do regime militar, formada majoritariamente pela UDN e egressos do PSD, e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), com a função de fazer uma oposição bem-comportada que fosse tolerável ao regime.
Da mesma forma que na República Velha recorria-se à Comissão de Verificação dos Poderes do Congresso para afastar opositores inconvenientes, o regime militar adotou o sistema de cassações de mandatos para livrar-se dos seus adversários (foram 4.682 os que perderam seus direitos políticos). Juntaram-se na ARENA lideranças conservadoras e fascistas, enquanto os liberais e os escassos trabalhistas sobreviventes dos expurgos, entraram para o MDB: situação de congelamento que se prolongou por quase vinte anos
-
O multipartidarismo da Nova República
-
A camisa-de-força em que a vida política brasileira foi contida na época do regime militar, rompeu-se gradativamente a partir da vitória eleitoral da oposição em 1974, forçando a política da “abertura lenta e gradual”, adotada pelo general-presidente Ernesto Geisel, que passou obrigatoriamente pela retomada da liberdade de organização partidária. A Campanha das Diretas-Já, de 1984, foi o último momento em que houve um congraçamento geral das forças de oposição, fazendo com que a partir dali cada agremiação buscasse seu rumo próprio.
No lugar da extinta ARENA surgiram o PFL (Partido da Frente Liberal) e PPB (Partido Popular Brasileiro), e de dentro do MDB emergiram o PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) o PSDB (Partido Social-Democrático Brasileiro), o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), o PDT (Partido Democrático Trabalhista), e o PT (Partido dos Trabalhadores), que ora elegeu o presidente da república. Numa típica reação ao sufocamento da vida partidária anterior, a nova lei partidária entendeu dar direito de expressão partidária (o que não se revela em ganho eleitoral), a todo o qualquer tipo de proposta que cumprisse com os quesitos mínimos necessários à formação de um partido político. O resultado é que com a proliferação dos partidos, ditos “nanicos”, ocorreu uma “poluição” do processo político, afirmando os críticos desse multipartidarismo excessivo que a própria governabilidade fica fragilizada pela existência de tantos partidos, havendo hoje no Congresso mais de 30 representações políticas legais.
De outro lado, os defensores da mais ampla e livre organização partidária indicam que a complexidade e as desigualdades do Brasil ficam mais bem expostas na multiplicidade e não na uniformidade partidária. Mesmo reconhecendo a existência de apenas quatro ou cinco grandes correntes ideológicas (de esquerda, do centro-esquerda, do centro-direita e da direita), que forma a totalidade do espectro político nacional, entende-se que é melhor para o país manter o atual sistema de representação do que tentar limitá-lo. Assim sacrifica-se a governabilidade em nome da diversidade da representação.
-
1 de fevereiro de 2014
A educação do cérebro
Da revista Retrato do Brasil
-
A educadora americana Maryanne Wolf explica, de forma fascinante, como o desenvolvimento da leitura e da escrita através da história ajudou a moldar nossa forma de pensar
-
por Renato Pompeu
-
Ver é natural. Falar é natural. Mas ler não é natural, nem é natural escrever. Cada bebê nasce com genes que lhe possibilitam especificamente ver, e outros genes que lhe possibilitam depois especificamente aprender a falar e a entender o que lhe dizem. Mas ninguém nasce com genes que lhe possibilitem especificamente aprender a ler e escrever. Durante as dezenas e dezenas de milhares de anos da existência da espécie humana, só nos últimos poucos milênios é que se desenvolveram a escrita e a leitura. O ato de ler tem sido mais estudado pelos neurocientistas do que o ato de escrever, e, mesmo assim, só nas últimas poucas décadas. Descobriu -se que, ao contrário do que acontece com a função da visão e a função da fala, no cérebro não há, na origem, áreas ou circuitos neurais especializados na função da leitura.
Para o ser humano conseguir ler, o cérebro de cada um passa, durante pouco tempo, por uma verdadeira continuação individual da evolução biológica que redundou, após milhões e milhões de anos, na espécie humana. A partir do início do aprendizado da leitura, o cérebro reaproveita áreas e circuitos neurais antes especializados em outras funções, particularmente as áreas e circuitos que relacionam visão e fala, e mesmo cria novos circuitos e especializa novas áreas. Em outras palavras, a experiência de vida pode alterar as próprias estruturas biológicas do cérebro, que fica diferente do cérebro herdado geneticamente.
Tudo isso gerou novas formas de pensar, especialmente formas lógicas e conotações evocativas, a partir do processo de leitura contínua e demorada. Os alfabetizados desenvolveram formas de pensar muito mais ricas do que os analfabetos, muito mais abstratas e abrangentes. Não se sabe se todo esse patrimônio pode ser afetado pelas novas formas de leitura proporcionadas pelas mídias digitais, que são bem mais breves e, principalmente, totalmente descontínuas. Será que o pensamento lógico, tal como o conhecemos, está ameaçado? Na verdade, tudo que se sabe é que as mudanças a partir das novas formas de ler podem até ser vantajosas. Afinal, já se descobriu que muitas pessoas disléxicas, a partir do que aparece como desvantagem, conseguem desenvolver mais habilidades do que as pessoas comuns. Uma pessoa comum precisa de centenas de circuitos neurais para poder aprender a ler. Uma pessoa disléxica pode precisar de milhares desses circuitos neurais para conseguir o mesmo resultado de aprender a ler, e depois de já estar lendo pode usar parte desses circuitos para outras coisas, ficando assim em posição de vantagem em relação às pessoas comuns. Um exemplo? Em criança, Albert Einstein era disléxico.
Os três parágrafos acima podem servir como resumo do interessantíssimo e importantíssimo livro Proust and the squid – the story and science of the reading brain, da educadora americana Maryanne Wolf. O título se traduz por “Proust e a lula – a estória e ciência do cérebro leitor”. E se justifica pelos fatos de que o escritor francês Marcel Proust foi um dos que mais se preocupou com a importância e o significado da leitura e de que os primeiros estudos realmente empíricos da neurociência, sobre transmissão de informações pelos axônios, começaram, poucas décadas atrás, pela observação do cérebro da lula.
Maryanne é perfeitamente qualificada para falar de leitura. Professora do Departamento Eliot Pearson de Desenvolvimento Infantil na Universidade de Tufts, no estado americano do Massachusetts, na Cadeira John DiBiaggio de Cidadania e Serviço Público, é diretora do Centro de Pesquisa sobre Leitura e Linguagem. É doutora em Desenvolvimento Humano pela Escola de Educação da prestigiosa Universidade de Harvard, onde pesquisou os relacionamentos entre a neurociência, o aprendizado da leitura e da fala e a dislexia. Também trabalhou, sempre nesses campos, na Escola Médica de Harvard e no Departamento de Psiquiatria do Hospital McLean, de Boston. Casada, é mãe de dois filhos um deles disléxico.
Originalmente, ela era licenciada e mestra em Língua Inglesa. Contou numa entrevista como, com essa formação inicial, se tornou uma pioneira da neurociência aplicada à educação e a líder de novas técnicas de alfabetização específicas para disléxicos. Quando se formou em Inglês, esperava dar aulas numa reserva indígena do estado da Dakota do Norte, mas em vez disso foi enviada a uma escola para filhos de filipinos pobres numa aldeia do Havaí, onde os alunos falavam dez línguas diferentes, havia crianças com síndrome alcoólica fetal e outras com deficiência mental.
Disse Maryanne que tudo isso a levou a perceber que aprender a ler é crucial na vida de toda pessoa. No ano seguinte, ela estava já no Laboratório de Leitura de Harvard. “Acabei ficando totalmente envolvida com a neurociência porque realmente me pareceu que iríamos obter respostas de modos que nunca tivéramos antes na educação para entender o que está acontecendo no cérebro leitor. Então, essa se tornou a minha missão: entender o que é que o cérebro faz quando lemos e como podemos traduzir esse conhecimento, esse conhecimento teórico fundamental para aplicações muito práticas em termos de diagnóstico, avaliação e, o que é mais importante para mim, de intervenção” para ensinar a ler qualquer criança, por mais dificuldades que tenha, como o seu filho.
Seu livro é mais um exemplo de obra multidisciplinar, pois envolve arqueologia, história, psicologia cognitiva e neurociência, entre outros campos. Ao que consta, é a primeira vez que, do ponto-de-vista científico, se faz um paralelo entre a história milenar das várias fases do desenvolvimento da escrita nas diferentes civilizações e as várias fases do aprendizado da leitura por parte de uma criança. Ao contar a história da escrita desde os antigos sumérios e egípcios até o alfabeto com vogais elaborado pelos gregos, ela a compara com a vivência da criança que aprende a ler.
Afinal, sumérios e egípcios (e os chineses) desenvolveram inicialmente pictogramas, figuras claramente representativas de um objeto, como o desenho de uma cabeça de boi. Depois, vieram os ideogramas, em que uma representação estilizada, como uma bola com dois prolongamentos, indica uma palavra, como a cabeça do boi (a bola, a cabeça; os prolongamentos, os chifres). Até hoje o chinês usa ideogramas em sua escrita, milhares deles, cada um indicando uma palavra. [isso é do livro? Há como usar como ilustração?]
No Oriente Médio, os ideogramas evoluíram para símbolos fonéticos, inicialmente silábicos ou plurissilábicos, com a bola com dois prolongamentos, por exemplo, indicando as sílabas “a-lef” (“alef” é o nome do boi na maioria das línguas semíticas). Em seguida surgiram os alfabetos semíticos, só com consoantes, em que cada imagem, agora chamada “letra”, representava um som específico da fala humana. Entre os gregos, se passou a grafar também as vogais, como a nossa letra “a”, a que eles chamaram de “alfa”, a partir do “alef” semítico, e que é uma evolução... da bola com dois prolongamentos!
Do mesmo modo, a criança ocidental, ao aprender a ler, primeiro associa uma imagem (“letra”) a um som, depois duas ou mais imagens a uma sílaba, depois associa sílabas que constituem palavras, finalmente lê uma frase, depois um parágrafo, até ficar em condições de ler um texto mais longo e até um livro inteiro. Maryanne faz a comparação: enquanto nossos ancestrais levaram 2 mil anos para passar da figura (“pictograma”) ao alfabeto com vogais, uma criança ocidental tem de fazer esse percurso... em 2 mil dias. O que, para a espécie, foi uma lenta evolução, para a criança passou a ser uma vertiginosa transformação de seus circuitos neuronais e de seu cérebro como um todo.
Aqui cabe lembrar que, até poucos séculos atrás, os leitores ocidentais, na medida em que iam lendo, iam pronunciando em voz alta as palavras e frases, e até hoje muitos balbuciam, ou pelo menos movem os lábios. No século IV, Santo Agostinho, que lia falando alto, se espantou ao ver seu mestre, Santo Ambrósio, ler em perfeito silêncio e sem mover os lábios. Nas universidades medievais, os professores liam em voz alta textos para seus alunos, e nisso é que se constituíam as aulas – por isso até hoje cada professor universitário é chamado de “lente”, ou seja, leitor.
Muito interessante é que Maryanne Wolf defende a tese de que, enquanto as crianças chinesas aprendem a falar usando os mesmos circuitos neurais e as mesmas áreas cerebrais utilizadas pelas crianças ocidentais (afinal, nos dois casos isso é determinado pela herança genética), a coisa muda quando se trata de aprender a ler. Segundo ela, como as crianças chinesas aprendem a ler com ideogramas, elas usam circuitos neurais e áreas cerebrais diferentes das utilizadas pelas crianças ocidentais, que aprendem a ler combinando letras que indicam sons consoantes e sons vogais. Mais, ainda de acordo com a autora, isso leva os chineses a pensarem abstratamente de modos diferentes dos ocidentais. Diferentes, ela acentua, não superiores ou inferiores, embora a muitos ocidentais pareça que seus alfabetos são “superiores” ao sistema ideogramático chinês.
Também fascinantes são os trechos em que Maryanne Wolf insinua que aprender a ler não traz só vantagens. Ela sustenta isso com as críticas do filósofo grego Sócrates, que muitos estudiosos apontam como analfabeto a vida inteira, à palavra escrita e lida. Afinal, diz a educadora, até Sócrates o ensino grego se limitava a transmitir a sabedoria acumulada em textos escritos, como as epopeias de Homero, sem que os alunos pudessem contestar ou questionar a sua autoridade, tal como ainda hoje os crentes aprendem a se comportar e a fazer julgamentos de valor a partir dos textos sagrados de sua religião. Sócrates defendia que, ao contrário, os alunos deveriam aprender a questionar cada palavra e cada pensamento de seus mestres. Escreve Maryanne: “Primeiro, Sócrates argumentava que as palavras orais e escritas desempenham papéis muito diferentes na vida intelectual de um indivíduo; segundo, ele encarava como catastróficas as novas – e muito menos estritas – exigências que a linguagem escrita impunha tanto à memória quanto à internalização do conhecimento; e, terceiro, advogava apaixonadamente o papel singular que a linguagem oral desempenha no desenvolvimento da moralidade e da virtude na sociedade”. Em outras palavras, Sócrates se insurgia contra a inflexibilidade e a unidirecionalidade da palavra escrita, em comparação com a flexibilidade e interatividade do diálogo verbal; contra a destruição da memória pessoal promovida pela facilidade do recurso a textos; finalmente, a perda do controle sobre a linguagem, pois enquanto no diálogo verbal as pessoas mudam o que têm a dizer, o texto escrito diz sempre a mesma coisa. Imagine-se como ficariam as coisas se os debates no Parlamento ou nas assembleias sindicais, e o contraditório nos tribunais ocorressem apenas... por escrito!
Ora, a tão criticada, por sua fragmentação e efemeridade, linguagem digital de hoje, restabelece, afinal de contas, a flexibilidade e a interatividade perdidas pela linguagem escrita tradicional, pois a linguagem digital permite o diálogo e a troca instantânea de ideias até entre multidões de pessoas, e restabelece também o controle de cada um sobre a linguagem. Só não restabelece a capacidade de memorização e de internalização. A partir do precioso livro de Maryanne pode-se especular que, assim como a introdução da linguagem escrita levou a grandes ganhos e a grandes perdas, a introdução da linguagem digital também deverá levar a grandes ganhos, e não só a grandes perdas, como dizem seus críticos. Afinal, não custa lembrar que a palavra “contradição” vem de “contradictio”, que em latim significa “dicção contra”, e que dialética vem de uma palavra grega, “dialektikê”, que significa “prática do diálogo”. Além disso, o sentido original de “processo”, até hoje mantido, se referia ao contraditório num julgamento de tribunal. Talvez, na medida em que a linguagem digital se desenvolva nas próximas décadas e séculos, tenhamos novidades surpreendentes, com novas conexões neurais e novas especializações de áreas cerebrais.
-
* Jornalista e escritor, autor do romance-ensaio “O mundo como obra de arte criada pelo Brasil”.
-
Proust and the squid: the story and science of the reading brain
-
Autor Maryanne Wolf
-
Editora Icon Books Ltd
-
Páginas 320
-
Ano 2008
31 de janeiro de 2014
Quando os filhos morrem antes dos pais
Do Diário do Comércio de São Paulo
-
Quando os filhos passam
a morrer antes dos pais
-
Renato Pompeu
-
Em todas as espécies animais, os pais morrem antes dos filhos e isso faz parte da ordem natural das coisas. Mas, na espécie humana, quanto mais civilizada for a região que ela habita, maiores são as chances de os filhos morrerem antes dos pais. Foi na civilizadíssima Europa que, em duas guerras em menos de trinta anos, no século passado, a maior proporção de pais da história enterrou milhões de filhos. E é no berço da civilização humana, o Oriente Médio, que ao longo de milênios a ordem natural das coisas tem sido mais invertida, e que pais como o escritor israelense David Grossman, 58 anos, têm de enterrar seus filhos, como Uri Grossman, que tinha 20 anos quando morreu em 2006, durante a invasão de então do Líbano por Israel, vítima de um míssil antitanque lançado contra o blindado que comandava como sargento das chamadas Forças de Defesa Israelenses.
E é sobre essa situação, de os filhos morrerem antes dos pais, que trata o romance mais recente (2011) de Grossman traduzido para o português, lançado pela Companhia das Letras, “Fora do tempo”. Mas Grossman não transformou sua dor real de pai “órfão” simplesmente numa ficção documental realista. Trata-se de uma narrativa mítica, um tanto semelhante às parábolas bíblicas, em que, numa época atemporal, e num lugar imaginário, pais choram a morte de seus filhos em prosa, poesia e falas dramáticas. O resultado é comovente e emocionante, e também mobilizador contra essas máquinas de guerra com que as supercivilizações invertem de tempos em tempos, principalmente entre outros povos, mas também entre seus próprios povos, a lógica natural das coisas.
Grossman nasceu em Jerusalém em 1954, filho de um motorista de ônibus imigrado da Polônia, que em Israel se tornou bibliotecário, e de uma dona de casa nascida na Palestina britânica, filha de um operário especializado em pavimentação de ruas e de uma faxineira. Atraído pela segunda profissão do pai, o jovem David se tornou um leitor assíduo e perspicaz, o que o levou, ao prestar o serviço militar a partir de 1971, a trabalhar no serviço de inteligência; por isso não participou de combates na Guerra do Yom Kippur em 1973.
Depois, estudou filosofia e teatro na Universidade Hebraica de Jerusalém e foi trabalhar na Rádio Voz de Israel, onde com o tempo chegou a âncora de jornalismo. Foi demitido em 1988, por se ter negado a sonegar aos ouvintes a notícia de que a liderança palestina havia reconhecido Israel como Estado soberano e decidido fundar seu próprio Estado palestino também soberano. Ele havia estreado como escritor em 1982, aos 28 anos, com a ficção “Duelo”, já lançada no Brasil. Como não-ficcionista, estreou em 1987, com “O vento amarelo”, sobre as precárias condições de vida dos palestinos nos territórios ocupados por Israel na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Embora não seja propriamente bem-visto em seu país cada vez mais conservador e cada vez menos conciliador em relação aos palestinos, Grossman, como esquerdista e pacifista favorável ao que considera direitos dos palestinos, é afamado como escritor, premiado em seu país e no Exterior. Num concurso sobre os 200 israelenses considerados mais importantes em toda a história do país pela sua população, ele conseguiu o 97.o lugar em 2005.
Foi a partir de 2006, entretanto, quando Israel invadiu o Líbano para minar o poder da organização política e paramilitar xiita Hezbollah, que Grossman se tornou o grande porta-voz contra a política governamental aprovada pela maioria dos israelenses, de não-reconhecimento do Estado palestino, de repressão contra a população palestina, e da instalação de assentamentos judaicos nos territórios ocupados. Inicialmente, ele foi a favor da intervenção israelense em território libanês, sob a argumentação de que se tratava de uma ação de legítima defesa em relação às atividades do Hezbollah. Mas, a 10 de agosto daquele ano, ao lado de seus colegas escritores, o celebrado Amos Oz e A.B. Yehoshua, Grossman deu uma entrevista coletiva em que instou o governo a buscar um cessar-fogo. Dois dias depois, seu filho morreu em combate. Logo em seguida, foi aprovado o cessar-fogo.
Até então, ele tinha evitado tratar, na sua ficção, de política, tema sobre o qual só escrevia em textos jornalísticos. Mas “Fora do tempo” já é sua segunda ficção inspirada pela morte do filho, depois do romance “Até o fim da terra”, de 2008. Tornou-se também um orador, militante e manifestante muito mais ativo, a ponto de ter sido espancado por policiais israelenses num ato público de rua em 2010. Seguramente, o novo livro é um dos mais profundos textos sobre a dor e os mistérios da morte jamais produzidos por mãos humanas.
30 de janeiro de 2014
Quase 40 por cento das crianças do mundo não sabem ler
Segundo relatório da Unesco citado pelo jornal americano The Huffington Post, em http://www.huffingtonpost.com/2014/01/29/kid-literacy-rate_n_4691196.html, em inglês, 250 milhões das 650 milhões de crianças em idade escolar do mundo inteiro, simplesmente não sabem ler, escrever ou contar.
29 de janeiro de 2014
Putin, um homem sem qualidades?
Do Diário do Comércio de São Paulo
-
Putin, como homem sem rosto
e sem nenhuma qualidade
-
Renato Pompeu
-
Afinal, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, é um homem sem rosto ou um homem que tem uma face oculta? A dúvida está no próprio título de sua mais recente biografia ocidental, lançada este ano nos Estados Unidos pela jornalista Masha Gessen, 45 anos, nascida na Rússia e que aos 14 anos foi para os EUA, de onde voltou para seu país natal no emblemático ano de 1991 (em que a União Soviética deixou de existir), aos 24 anos, como colaboradora da imprensa russa e correspondente de publicações americanas. O livro acaba de ser publicado no Brasil, com o título de “Putin: a face oculta do novo czar”. Mas o título original, traduzido literalmente, seria “O homem sem rosto: a improvável ascensão de Vladimir Putin”. Repetindo: Putin tem uma face oculta ou não tem rosto?
De qualquer modo, sobre a estrutura política e intelectual de Putin, Masha Gessen não tem dúvida: trata-se de uma nulidade, um quadro sem maior importância dos escalões inferiores da KGB, a polícia política soviética, um homem de mentalidade estreita. Mas, ao mesmo tempo, um homem perigoso, que não só pôs um freio ao progresso que teria havido no campo das liberdades públicas e individuais na Rússia durante um curto período após o fim do comunismo, como também representa, na visão da autora, uma ameaça para o mundo e para o seu próprio povo.
Putin, além disso, diz Masha Gessen é corrupto e isso não vem de agora. Quando, em 1991, ainda antes do fim da União Soviética, foi funcionário da Prefeitura de Leningrado (que depois voltou a seu nome tradicional de São Petersburgo), ele assinou, segundo o testemunho de sua então chefe, Marina Salye, um contrato irregular de exportação e importação, no valor de 1 bilhão de dólares, do qual só prestou contas de 92 milhões de dólares. O processo instaurado contra Putin por Marina Salye não deu em nada e ela, dizendo-se ameaçada, refugiou-se em 1997no interior remoto do grande país, onde recebeu a biógrafa de Putin.
Masha Gessen reproduz as acusações a Putin, que ela fez como repórter da revista russa “Snob”, de que ele é dono de firmas suíças criadas com verbas públicas que teria desviado. Além de corrupto – antecipando-se a José Maria Marin na entrega dos prêmios do Campeonato Paulista, Putin teria embolsado um anel de diamantes de 124 quilates que o time Patriots de Nova York ganhou no torneio Super Bowl de futebol americano – seria também violento desde a infância. Foi um garoto brigão, treinado em artes marciais, e, segundo Masha Gessen, estaria, como presidente e primeiro-ministro, ligado aos assassínios, por envenenamento e a tiros, de jornalistas e políticos que não seguiam a sua linha. Esses assassínios seriam apenas a ponta mais visível, no Ocidente, ao lado da repressão a manifestações, de uma ofensiva geral, comandada por Putin, contra as liberdades, em especial a de imprensa.
Mais do que uma obra de historiadora, a biografia de Putin por Masha Geshen é a obra de uma jornalista. Grande parte de seu trabalho advém de entrevistas com pessoas que conheceram Putin em algum momento da vida dele, como Marina Salye, e que, como esta, são militantes pró-democracia e anti-Putin. A própria Masha Geshen, casada com uma russa e que tem um filho adotado e uma filha natural, foi apontada como sendo uma das líderes dos movimentos gays na Rússia, reprimidos com tanto com arbitrariedade pelas autoridades como com violência por desordeiros.
O retrato de Putin por sua biógrafa difere radicalmente do retrato pintado na Rússia pelos simpatizantes do presidente. Lá ele é apresentado como o líder incorruptível que reprimiu os abusos de empresários gananciosos e que impôs alguma ordem ao caos pós-soviético da economia e das instituições. É ainda saudado como o comandante da pacificação da Chechênia. De qualquer modo, mesmo Putin não sendo um democrata e a Rússia não sendo uma democracia, têm prosseguido as manifestações contra ele nas maiores cidades do país.
Assinar:
Postagens (Atom)