A estética da perversão
Pode haver beleza numa cabeça cortada, da qual foi arrancado o nariz, e que está sendo erguida pelas mãos de uma linda jovem? Pode evocar sensações estéticas o sangue que sobe à superfície, proveniente de uma cabeça cortada enterrada sob a neve? O escritor japonês Junichiro Tanizaki (1886-1965), que combinava as tradições da literatura clássica de seu país com o esteticismo ocidental à moda do poeta francês Charles Baudelaire e do escritor irlandês Oscar Wilde, ambos da segunda metade do século 19, achava que sim. E retrata esses prazeres perversos, numa linguagem cheia de brilhos lancinantes, no volume “A vida secreta do senhor de Musashi e Kuzu – Duas novelas”, edição da Companhia das Letras em bem cuidadas traduções de Dirce Miyamura. O senhor de Musashi talvez seja, na Idade Média japonesa, o mais famoso samurai. Em sua novela, Tanizaki o descreve como começando a desenvolver a sua sexualidade ao sentir sensações eróticas quando via a cabeça sem nariz ser maquiada por uma bela jovem. Explica-se: era costume cada guerreiro arrancar a cabeça dos inimigos que matava, para comprovar seu feito. Quando não dava tempo para cortar a cabeça, cortava-se o nariz e se ia buscar a cabeça mais tarde. A cabeça sem nariz era conhecida como “cabeça mulher” e, como todas as cabeças cortadas, era preservada e embelezada pelas mulheres do lado vencedor da batalha. A segunda novela é mais um ensaio histórico e folclórico sobre a localidade de Kuzu, que ficou, também na Idade Média, sob o domínio de um imperador dissidente. Aqui, do mesmo modo, há lampejos de beleza agressiva, como o sangue que brota de baixo para cima sobre a neve.
– RENATO POMPEU
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