6 de abril de 2010

Pedofilia na sociedade e na Igreja

Há pouco tempo o Diário de S. Paulo me encomendou o seguinte artigo:

A pedofilia na sociedade em geral e entre os padres da Igreja Católica


Renato Pompeu especial para o Diário

Todos têm acompanhado as denúncias, em diferentes países de vários continentes, de casos de abuso sexual de crianças por parte de padres da Igreja Católica Romana. O famoso teólogo Hans Küng chegou a escrever que a pedofilia é sistêmica na Igreja, isto é, nela é mais prevalente do que na sociedade em geral, a ponto de ser uma característica do clero católico romano. Segundo o teólogo, isso deve à imposição do celibato clerical. Mas, se isso ocorresse de fato, seria de esperar que houvesse denúncias de relações sexuais com mulheres adultas, denúncias que são muito mais raras. Ainda mais, se teria de responder à seguinte pergunta: o celibato clerical tolheria a sexualidade dos padres, que extravasaria pela pedofilia, ou o celibato clerical atrairia pedófilos, que, por sua própria condição, não querem mesmo se casar?
E ainda haveria outra dúvida: por que a esmagadora maioria das denúncias de abuso sexual de crianças por parte de padres se refere a meninos e não a meninas? E por que não há denúncias contra as freiras, também sujeitas ao celibato?
Além disso, até que ponto a pedofilia é mais prevalente na Igreja Católica do que na sociedade em geral? Há estudos que negam isso. A Liga Católica para Direitos Religiosos e Civis dos Estados Unidos, numa pesquisa intitulada “Abuso sexual no contexto social: o clero católico e outros profissionais”, constata inicialmente que, segundo dados do governo americano, só em 2001 cerca de 90 mil crianças do país foram vítimas de atentado sexual.
Dos autores dos abusos, 85 por cento são da mesma família que a vítima, babás, vizinhos, amigos da família ou parentes. Ou seja, os padres estarão incluídos entre os 15 por cento restantes, constituindo assim uma proporção bem menor do que os autores de atentados sexuais contra crianças na sociedade em geral. Assim, o abuso sexual de crianças estaria longe de ser uma característica sistêmica da Igreja Católica.
O estudo cita em seguida diferentes pesquisas segundo a qual a proporção de padres autores de abusos, em relação ao total de padres, é sempre menos de 2 por cento, em quase todos os casos pedófilos homossexuais. Mais, as vítimas dos padres autores de atentados sexuais contra menores são em quase todos os casos rapazes já adolescentes, sendo praticamente inexistentes os abusos de padres contra meninos impúberes ou meninas de qualquer idade.
A comparação direta com os pastores protestantes, diz a Liga Católica para Direitos Religiosos e Civis dos EUA, não é possível, porque as estatísticas referentes às Igrejas protestantes em geral não são específicas sobre abusos sexuais contra crianças, e sim sobre atos sexuais fora do casamento. Uma pesquisa de 1984 indica que 38 por cento dos pastores protestantes confessaram ter tido relações sexuais com pessoas de suas paróquias, fora do casamento.
Em 2002, o jornal The Christian Science Monitor, de propriedade de uma Igreja protestante, a da Ciência Cristã, assim resumiu uma pesquisa de âmbito nacional nos Estados Unidos: “Apesar das manchetes sobre o problema de padres pedófilos na Igreja Católica Romana, a maioria das Igrejas americanas que estão sendo acusadas por abusos sexuais contra crianças são protestantes e a maioria dos acusados não são do clero ou funcionários das Igrejas, mas leigos que prestam serviços voluntários”.
Uma pesquisa do professor Philip Jenkins, da Universidade Estadual da Pennsilvânia, indicou que entre 1,7 por cento e 2 por cento dos padres são pedófilos, em comparação com entre 2 por cento e 3 por cento dos pastores. O rabino Arthur Gross Schaefer, professor de Direito e Ética na Universidade Loyola Marymount, avalia que a proporção de autores de abusos sexuais entre seus colegas rabinos é semelhante à das Igrejas protestantes.
Outros estudos citados pela Liga, em inglês em http://www.catholicleague.org/research/abuse_in_social_context.htm indicam que 2 por cento dos técnicos de atletas americanos foram condenados por abusos sexuais; que entre 3 e 12 por cento dos psicólogos tiveram contato sexual com clientes. Nas escolas do fundamental e do secundário, as pesquisas nos anos 1980 revelaram que uma entre quatro alunas havia sido vítima de abuso sexual, em comparação com um entre seis ou oito alunos. Em 1991, 13 por cento das formandas disseram ter tido relações sexuais com um professor. Portanto, a proporção de autores de abusos entre os padres é bem menor do que entre outros profissionais.
Já a Junta Nacional de Revisão, criada pela Conferência Nacional de Bispos dos Estados Unidos a partir da aprovação da Carta para Proteção de Crianças e Jovens, encomendou um estudo à Faculdade John Jay, disponível em inglês em
http://www.jjay.cuny.edu/churchstudy/main.asp.
No que se refere à prevalência da pedofilia na sociedade americana em geral, a pesquisa chama a atenção para o fato de que é impossível medi-la, pois nem todos os abusados denunciam em público, ou mesmo contam para alguém, o que sofreram. Por isso, as medições só podem ser feitas por amostragem. Essas pesquisas sobre a pedofilia por amostragem começaram a ser feitas nos EUA a partir dos anos 1960, mas se intensificaram nos anos 1980, quando ocorreu grande número de denúncias de abusos sexuais contra crianças cometidos em creches.
Um estudo citado pela Faculdade John Jay apresenta os seguintes dados: 27 por cento das pessoas do sexo feminino pesquisadas e 16 por cento das pessoas do sexo masculino revelaram ter sofrido abuso sexual na infância. Delas, 42 por cento das de sexo masculino nunca haviam revelado a ninguém o que sofreram, como também 33 por cento do sexo feminino.
Outro estudo indicou que 12.8 por cento das pessoas do sexo feminino e 4,3 por cento das de sexo masculino contaram que sofreram abuso sexual na infância. Uma terceira pesquisa indicou que 15,3 por cento das pessoas de sexo feminino e 5,9 por cento das de sexo masculino revelaram ter sofrido atentado sexual na infância. Somente 5,7 por cento dos casos foram denunciados à Polícia; 26 por cento nunca haviam sido revelados a ninguém antes do estudo.
A conclusão é de que, na sociedade em geral, as meninas são mais abusadas do que os meninos, mas a proporção de denúncias é muito baixa nos dois gêneros. Na parte referente à Igreja Católica, a Faculdade John Jay avaliou que houve casos de pedofilia por parte de padres e diáconos em 95 por cento das dioceses americanas. Mas, em relação ao total de padres, e considerando-se o período de 1950 a 2002, entre 3 por cento e 6 por cento haviam sido acusados de abusos sexuais contra menores. A proporção de pessoas dos dois gêneros abusadas sexualmente na infância por padres era mais do que inversa em relação à população em geral, sendo vítimas dos padres 4 a 5 vezes a mais meninos do que meninas.

2 comentários:

Júlio disse...

Por essas e outras q acho inaceitável alguém ter uma religião, alguém legitimar instituições asquerosas como essas, que quando não cometem diretamente os crimes (como fizeram e fazem até hoje, por exemplo por conta do trabalho contra a camisinha, mesmo com a epidemia de aids na Europa) os acobertam como nesses e tantos outros casos de pedofilia. Respeito a espiritualidade de cada um, mas religião é incompatível com alguém que se preocupe minimamente com a sociedade em que está inserido.

Júlio disse...

Epidemia de aids na África eu quis dizer...