14 de outubro de 2013
Visões sobre o Brasil
Do Diário do Comércio de São Paulo
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Depois da visão do Paraíso,
as visões “sobre” o Paraíso.
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Renato Pompeu
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Há mais de meio século, em 1959, o eminente historiador paulista Sérgio Buarque de Hollanda lançou, pela Editora Brasiliense, o seu célebre livro “Visão do Paraíso - os motivos edênicos no descobrimento e na colonização do Brasil”, uma tese do concurso para professor catedrático de História do Brasil na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Nas palavras de seu autor, ”o que nele se tencionou mostrar é até onde, em torno da imagem do Éden, tal como se achou difundida na era dos descobrimentos marítimos, se podem organizar num esquema altamente fecundo muitos dos fatores que presidiram a ocupação pelo europeu do Novo Mundo, mas em particular da América hispânica, e ainda assim enquanto abrangessem e de certa forma explicassem o nosso passado brasileiro”.
Agora, o professor de História da Universidade Estadual de São Paulo, Jean Marcel Carvalho França, lança, pelo Grupo Editorial Record-José Olympio Editora, o livro “A construção do Brasil na literatura de viagem dos séculos XVI, XVII e XVIII – Antologia de textos – 1591-1808”. A apresentação da editora diz: “Foi pela pena de espiões, padres jesuítas, traficantes de escravos, corsários, degredados e outros tipos de aventureiros que a Europa ficou sabendo da descoberta de um novo continente ao sul da linha do Equador. A passagem de viajantes pela costa brasileira no século 16 foi ricamente descrita em algumas dezenas de publicações que foram as principais difusoras do feito. Assim, de forma tímida e com algumas décadas de atraso, a notícia chegou à população letrada e aos intelectuais. Em ‘A construção do Brasil na literatura de viagem dos séculos XVI, XVII e XVIII’, o professor de história da Unesp Jean Marcel Carvalho França faz análise reveladora e saborosa de tais relatos”.
Como vemos, une os dois livros uma temática comum: as visões que os europeus foram formulando a respeito do Brasil, tais como foram sendo registradas nos livros da época. Mas, ao mesmo tempo, os livros estão separados por mais de 50 anos de historiografia. Enquanto Hollanda ainda estava dentro da tradição iluminista segundo a qual é possível chegar à verdade histórica, mesmo que esta seja distorcida em variadas versões mais ou menos fantasiosas – o autor de “Visão do Paraíso”, afinal, se atrevia a reconstruir o Brasil verdadeiro, distinto dos mitos relativos à nova terra –, já o autor de “A construção do Brasil” segue a recente tradição pós-modernista, segundo a qual não podemos descobrir a verdadeira realidade do passado, já que sequer podemos observá-lo nem fazer perguntas às pessoas que o observaram.
Assim, segundo França, tudo que podemos reconstituir são os diferentes “discursos” a respeito da “realidade verdadeira”, se é que esta de fato existe. Estudando dezenas e dezenas, a rigor centenas de fontes (muito mais do que aquelas às quais Hollanda teve acesso), França pôde descobrir que, o que havia de comum entre a maioria delas, é a noção de que o Brasil era bem dotado em recursos naturais – terras férteis, águas boas, climas agradáveis, belos animais, deliciosas frutas, metais preciosos – muito mal aproveitados por uma população preguiçosa e desqualificada. França nota que essa imagem do Brasil colonial desenvolvida pelos viajantes europeus perdurou entre os próprios brasileiros da contemporaneidade. Aqui cabe lembrar o sem número de vezes em que diferentes brasileiros lamentaram publicamente que o Brasil não tenha sido colonizado por holandeses (apesar dos exemplos da África do Sul e da Indonésia) ou por ingleses (apesar dos exemplos da África e dos países caribenhos de língua inglesa).
Aqui podemos lembrar também da anedota contada por Monteiro Lobato nos anos 1920. Segundo essa história, diferentes lugares do mundo se dirigiram a Deus, reclamando que ele acumulara as principais belezas da Terra no Rio de Janeiro, deixando paisagens menos belas para todos eles. Ao que Deus teria respondido: “Calma, esperem para ver o povinho que eu vou colocar lá no Rio de Janeiro”.
O que podemos dizer é que o livro de França está plenamente à altura de seu ilustre antecessor e até o supera na abrangência da pesquisa. E ainda mais: ele não só mata a cobra, como também mostra o pau, pois a parte final apresenta a transcrição de trechos de perto de trinta autores que visitaram o Brasil nos tempos coloniais, como os franceses Thévet e Laval, o britânico Cavendish. São diferentes visões de um Paraíso mal cuidado por seres humanos, o nosso Brasil.
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Um comentário:
O paraíso é uma ideia de esperança que fuje nas cabeças das pessoas; O inferno é a dor do impacto dos pês no chão
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