18 de fevereiro de 2010

Tradução, traição

Há tempo o Diário do Comércio, de São Paulo, me encomendou a seguinte resenha:

Um livro sobre um traidor da Máfia, em que o maior traído é o leitor

É absolutamente inacreditável que uma editora de renome internacional, como a Larousse, tenha lançado no Brasil uma tradução praticamente ilegível de O traidor – A verdadeira história da Máfia americana, de Jimmy Breslin, jornalista e escritor. Há pérolas como “advogado assistente dos Estados Unidos”, que deve ser “assistente de promotor público federal”; “janela” de uma loja, que deve ser “vitrina”; “terno prontinho”, que deveria ser “terno feito”, isto é, comprado pronto e não mandado fazer em uma alfaiataria; “violação de palavra”, que deveria ser “violação de liberdade condicional”. Além disso, fala-se de “quaalude”, sem esclarecer que se trata do nome comercial de um tranqüilizante e sonífero popular nos Estados Unidos.
Mais ainda, não há maiores esclarecimentos sobre a natureza do livro, se é de ficção ou de não-ficção, ou se se trata de não-ficção romanceada, como parece que é o caso. De fato houve um mafioso judeu de Nova York, Burt Kaplan, que, preso há anos, resolveu denunciar dois policiais de sobrenome italiano como assassinos ligados à Máfia e que é o personagem principal do livro. Mas, embora feita por três pessoas, a tradução para o português torna o livro praticamente ininteligível para os leitores brasileiros.
Aparentemente, diante do êxito da edição original americana, lançada este mesmo ano, houve pressa para o lançamento do livro no Brasil e possivelmente os três tradutores foram contratados para lidar com trechos diferentes da obra, para acelerar o trabalho. Também parece que o livro não passou por revisão, pois se pode admitir que, na pressa, se traduza “readymade” por “prontinho”; o que não se pode admitir é que alguém julgue apropriado publicar a expressão “terno prontinho”, que só teria sentido se se estivesse falando do trabalho recém-terminado de um alfaiate, e não da roupa que uma pessoa estivesse usando num tribunal.
Não há muito mais a ser dito desta edição e ficamos por aqui.

Renato Pompeu é jornalista e escritor, autor do romance-ensaio O mundo como obra de arte criada pelo Brasil, Editora Casa Amarela.

Um comentário:

Juliano Schiavo disse...

Trair o leitor é a pior traição.
Abraços