27 de março de 2011

Contribuições de Canetti

Há pouco tempo a revista Carta Capital me encomendou a seguinte resenha:

O buliçoso


Canetti



Ao mesmo tempo, disputam a atenção dos leitores brasileiros três livros recém-lançados de Elias Canetti (1905-1994), o judeu búlgaro de cultura alemã, descendente da família Cañete, expulsa da Espanha no final do século 15, e que ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1985, por seu romance “Auto-da-fé” (1935) e pelo ensaio “Massa e poder” (1960), ambos livros que discutem como as pessoas das camadas populares, na visão de Canetti, são incultas e como se transformam de humildes respeitadores de uma cultura que não conhecem em, quando assumem posições de poder, cruéis vilipendiadores da cultura e carrascos de seus portadores. Trata-se agora dos pequenos volumes “Sobre os escritores”, com apresentação de Ivo Barroso, lançado pela José Olympio Editora, e “Sobre a morte” e “Festa sob as bombas – Os anos ingleses”, publicados pela Estação Liberdade.

Os três volumes se caracterizam por apresentar, na capa, o nome Elias Canetti em letras muito maiores do que os seus próprios títulos, como se o autor fosse muito mais importante do que essas suas obras. O seu lançamento simultâneo se explica porque em 2005 os herdeiros de Canetti abriram para publicação o seu espólio literário, muito maior do que a parte de suas obras que foram editadas durante sua vida. E agora essa “onda Canetti” chega ao Brasil.

Os títulos dos livros se referem à sua temática. Em “Sobre os escritores”, Canetti fala mais exatamente dos “criadores”, escritores e poetas. Quase se pode dizer que ele homenageia cada escritor e cada poeta individualmente e os desanca como coletividade e, mais ainda, como entidade abstrata, quando por exemplo fala de “o poeta” como tipo social que adora fartar-se à mesa dos poderosos. Já em “Sobre a morte”, afloram seus temores e suas reverências sobre a inelutabilidade e inexorabilidade da morte e há um relato sobre a morte súbita de seu pai. Finalmente, em “Festa sob as bombas”, ele narra, ou melhor, comenta, os anos em que morou na Inglaterra, refugiado do nazismo, durante a Segunda Guerra Mundial.

Buliçoso, e com uma volubilidade que faria a inveja de Machado de Assis em seus melhores momentos, Canetti faz sua prosa, embora gire vertiginosamente em torno de um eixo central – sejam os escritores, seja a morte, seja a Inglaterra – ir para onde quer que ele deseje, mudando de assunto e de tom a cada momento, desde a piada até o aforismo, da fofoca irresponsável sobre a sexualidade de seus conhecidos ao ensaio conceituoso. Ele tanto pode desancar o grande poeta americano T.S. Eliot, radicado na Inglaterra, não lhe reconhecendo nenhum mérito, desprezando-o inteiramente como autor e como pessoa, como ajoelhar-se diante do problema da morte, diante da qual está longe de ter a serenidade olímpica, por exemplo, do filósofo grego antigo Epicuro. Este defendia a tese de que a morte não é um problema, não só porque não tem solução como, principalmente, porque, “quando nós existimos, ela não existe, e, quando ela existe, nós não existimos”. Para Canetti, a morte é a presença maior da vida e ele esteve sempre procurando exorcizá-la, criando obras, como esses livros, que o eternizassem. – RENATO POMPEU

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