26 de novembro de 2010

A dançarina espanhola que se tornou mulher de marajá indiano

O Diário do Comércio de São Paulo me encomendou há alguns meses a seguinte resenha:


Conto de fadas verdadeiro é contado como conto de fadas


A jornalista e dançarina de flamenco de origem indiana Maha Akhtar, de formação muçulmana, radicada nos Estados Unidos, onde trabalhou na rede televisiva CBS com o conhecido âncora Dan Rather, conta um conto de fadas verdadeiro no livro “A neta da maharani – A história real da neta de Anita Delgado, a princesa de Kapurthala”, publicado pela Primavera Editorial. A história: Maha Akhtar sempre acreditara ter nascido na Austrália filha de mãe indiana e pai paquistanês, um casal de classe média alta. Mas por volta dos 40 anos de idade descobriu que, na verdade, era filha de fato de quem acreditava ser sua mãe, mas de outro homem, um filho de marajá. Mais, tinha nascido em Beirute, no Líbano, e não em Sydney, na Austrália, como sua mãe e o seu suposto pai sempre tinham dito.
Mais ainda, Maha Akhtar descobriu que sua avó materna na verdade era uma espanhola, Anita Delgado, lindíssima dançarina de flamenco pela qual, quando ela tinha 17 anos, se apaixonou o marajá, durante visita a Madri, quando ele tinha 34 anos. O marajá tornou a jovem dançarina sua quinta mulher em 1907, tendo o casamento terminado em 1924, em razão de um caso da esposa com um filho de outra mulher do marido.
Maha Akhtar, surpresa com a descoberta de suas origens, diz que ficou particularmente encantada ao perceber que seu gosto pelo flamenco, desenvolvido desde a juventude e pouco usual para uma moça indiana treinada nas danças clássicas de seu país de origem, tinha na verdade uma explicação pelo que julga ser um atavismo.
Perto dos 40 anos, depois de toda uma carreira no jornalismo que a levara a ser colaboradora de Dan Rather no noticiário principal da CBS, Maha Akhtar enfrentava uma tripla crise.
De um lado, seu companheiro, que morava com ela em Nova York, tinha anunciado que ia mudar para Londres. De outro lado, seu futuro profissional também estava indefinido, pois Dan Rather havia sido demitido da CBS, por ter divulgado documentos não confirmados da Guarda Nacional dos EUA que apresentavam dados pouco lisonjeiros sobre o modo pelo qual o então presidente americano George W. Bush prestara o serviço militar. Finalmente, ela necessitava de sua certidão de nascimento e as autoridades australianas comunicaram que não conseguiam localizar o documento.
A jornalista e dançarina de flamenco então pressionou sua família e acabou descobrindo suas verdadeiras origens. Seu verdadeiro pai se chamava Ajit Singh, filho de Anita Delgado com Jagatjit Singh, senhor de Kapurthala, um dos marajás mais ricos da índia nos inícios do século 20. Anita Delgado tinha nascido em Málaga, e seu pai empobrecido consentiu de má vontade, depois de a família ter emigrado para Madri, onde ele ficou desempregado, que ela, ainda adolescente, ganhasse como dançarina de flamenco dinheiro para o sustento da família, ao lado de sua irmã mais velha.
O marajá foi a Madri em 1906 como convidado do príncipe George de Gales, futuro rei da Inglaterra, na comitiva britânica que acompanhou o casamento do rei espanhol Alfonso 13, conhecido em português como Afonso 13, com uma neta da rainha Vitória.
Se apaixonou de modo fulminante pela jovem dançarina e eles logo se casaram.
Mas o filho gerado pelo casal do marajá com a dançarina teve nos anos 1960 uma filha com uma indiana muçulmana. O marajá pagou um seu colaborador paquistanês para que casasse com a mãe de sua neta e criasse esta como filha. Este paquistanês é que a menina, que vem a ser Maha Akhtar, sempre acreditara ser seu pai.
A história de Anita Delgado é bem conhecida na Espanha, onde sua biografia foi lançada em 2005 pelo escritor Javier Moro. O livro de Maha Akhtar foi publicado originalmente nos Estados Unidos em 2009, e já teve os seus direitos comprados para o cinema pela famosa atriz espanhola Penélope Cruz.
A maravilhosa história contada por Maha Akhtar enleva e entretém, tendo o atributo adicional de ser verdadeira. O único problema é que a história está visivelmente romanceada, pois ficou cheia de detalhes encantadores sem que Maha Akhtar comprove que são factuais. Por exemplo, integrantes da elite cultural da Espanha na primeira década do século 20, como o bem conhecido escritor Valle-Inclán, são apresemtados como muito impressionados ao verem Anita Delgado dançar, sem que a jornalista indique as fontes. Assim, o conto de fadas é narrado como tal, com muita fantasia e liberdade de quem está narrando.

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