29 de março de 2011

Livro de Daniel e literatura apocalíptica

No ano passado, apresentei o seguinte trabalho num curso de extensão:

Renato Ribeiro Pompeu














O capítulo 2 do Livro de Daniel como

exemplo de Literatura Apocalíptica



































Centro Universitário Claretiano

Curso de Extensão sobre

Literatura Apocalíptica

































2010



O capítulo 2 do Livro de Daniel pode ser considerado como exemplo de literatura apocalíptica, em primeiro lugar, por seu caráter de revelação. Afinal, o termo “apocalíptico”, na sua origem, está longe de ter a significação que adquiriu posteriormente, de “catastrófico”. A palavra “apocalipse”, em grego, significa “revelação” e, entre os povos de língua inglesa e protestante, o Livro do Apocalipse é conhecido como Livro da Revelação, pois foi essa a tradução adotada na chamada Bíblia do Rei Jaime. E é justamente de uma revelação, o desvendamento por Daniel do significado do sonho do rei babilônico Nabucodonosor com um ídolo de cabeça de ouro, braços e peito de prata, ventre de cobre, pernas de ferro e pés de ferro e de barro – origem da famosa expressão “ídolo de pés de barro” – de que trata o capítulo.

Além disso, a literatura apocalíptica, no caso a literatura apocalíptica judaica, surge em tempos em que uma população é oprimida, e é preciso que integrantes dessa população oprimida transmitam entre si mensagens de resistência que não sejam percebidas como tal pelos opressores. Assim, se usam sinais e símbolos, alegorias, situações simbólicas, que são passíveis de decodificação pelos oprimidos, que conhecem bem aquela linguagem, e não são entendidas pelos opressores. No caso do Livro de Daniel, independente da data em que tenha sido escrito, ele se refere à época do Cativeiro da Babilônia, em que os judeus eram oprimidos pelos reis da Babilônia de origem assíria. Daniel interpreta o sonho dizendo que a cabeça de ouro indica um reinado esplendoroso e vigoroso, o peito e os braços de prata indicam um reinado menos esplendoroso e vigoroso, e assim sucessivamente com as partes de cobre e ferro, até que o barro indica um reino que vai ser destruído com facilidade e que, como o barro se localiza nos pés, vai derrubar tudo o que foi conquistado pelos reinados anteriores. Em outras palavras, a mensagem de Daniel chama a atenção, para os judeus que podiam entendê-la, para o fato de que o Império babilônico não era eterno e de que um dia os judeus seriam libertados de seu cativeiro, enquanto para os leitores babilônios se estaria falando de um simples sonho do rei.

O fato de que o Livro de Daniel possa ter sido escrito posteriormente ao período em que ocorrem os fatos que são narrados, ao invés de desqualificar a obra em geral e o Capítulo 2 em particular, reforça ainda mais o seu caráter de literatura apocalíptica. Pois então se estaria falando de outros opressores que não os babilônios, opressores esses que perceberiam ainda menos a mensagem de resistência transmitida pelo desvendamento do sonho de Nabucodonosor.

Mais ainda, o caráter apocalíptico desse capítulo está evidenciado pela circunstância de que, se o de que se trata é de uma situação histórica determinada, uma das características da literatura revelacionista, o fundamental é que se aponta um futuro, um futuro de libertação, um futuro de destruição do império opressor, e é da revelação do futuro, afinal, que trata essencialmente a literatura apocalíptica. A esperança dos que querem resistir fica ainda mais reforçada pela advertência de que não só a libertação é possível, como ela é inevitável no fim dos tempos, isto é, no fim dos tempos da opressão. Cumpre notar que, como esse capítulo 2 do Livro de Daniel, é uma característica da literatura apocalíptica tratar do “fim dos tempos”, no caso o fim dos tempos da opressão babilônica, ou, se o Livro de Daniel foi escrito mais tarde, da opressão contra os judeus vigente mais tarde. Por extensão, para os crentes no Livro de Daniel, ele indica o fim inevitável de quaisquer opressões que os povos dos crentes possam estar sofrendo no momento em que lêem ou invocam o capítulo 2.

No entanto, devemos chamar a atenção para o fato de que fica menos clara, nesse capítulo do texto sobre o profeta Daniel, uma outra dimensão da literatura apocalíptica, o seu caráter eminentemente religioso. Aparentemente, nem o sonho de Nabucodonosor, nem a interpretação de seu significado por Daniel, apresentam um sentido religioso manifesto e específico. Mas devemos levar em conta que, nas entrelinhas, se percebe que o sonho de Nabucodonosor e sua interpretação por Daniel foram, ambos, inspirados por Deus.

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