17 de setembro de 2011

A Havana da Máfia e de Batista

Não faz muito tempo e o Diário do Comércio de São Paulo publicou a seguinte resenha:




A festividade sinistra


da Havana de Batista



Renato Pompeu



No livro “Noturno de Havana – Como a Máfia conquistou Cuba e a perdeu para a Revolução”, lançado pela Seoman, o jornalista americano T.J. English defende a tese de que o crime organizado nos Estados Unidos começou a se organizar em Havana, ainda antes da Segunda Guerra Mundial. Eram os anos dourados em que Havana era uma festa, interrompida frequentemente por tiroteios sangrentos, mas que não assustavam os turistas americanos que afluíam em massa para a então chamada “Paris do Caribe”.

Durante a Segunda Guerra, tinha havido uma espécie de trégua entre as autoridades americanas e os grandes gângsteres, que colaboraram, por suas ligações na Europa e particularmente na Itália e na Sicília, e também por seu controle sobre o porto de Nova York, com o esforço bélico e de inteligência dos Aliados contra o Eixo nazifascista. Na nova situação, bandidos como o famoso Meyer Lansky procuraram refúgio em Havana, em conluio com o governo de Fulgencio Batista.

A Máfia controlava os cassinos e a prostituição em Cuba, sem ser incomodada pelo governo cubano. A noite em Havana era muito mais que uma criança, em meio a dançarinas esculturais de rumba, aos sons estridentes e harmônicos da orquestra de Pérez Prado, aos shows de Frank Sinatra, Ginger Rogers e Desi Arnaz. Os hotéis e os cassinos eram de uma beleza arquitetônica e de um luxo até então desconhecidos, e a paisagem urbana do jogo era muito mais agradável do que, por exemplo, a tão famosa do Principado de Mônaco.

Se Meyer Lansky, ajudado por Frank Luciano – os dois já haviam colaborado na transformação de Las Vegas de uma cidadezinha poeirenta do deserto num centro luxuoso de cassinos - foi o pioneiro na jogatina consentida em Havana, o grande organizador do crime em Havana foi Santo Trafficante, que tinha experiência na sua Flórida natal da cultura hispânica do Caribe. A noite festiva de Havana era animada por ninguém menos do que George Raft, Marlon Brando, Nat King Cole, enfim, eram anos que muitos americanos lembram como dourados.

Na verdade, as ligações de Lansky e Luciano com Batista, “el mulato lindo”, datavam já de 1933, ano em que o dirigente cubano emergiu como o principal comandante militar em Cuba. Logo depois Luciano foi preso nos Estados Unidos como o líder de uma rede de prostituição em território americano. No fim dos anos 1930, Lansky foi procurado pela Marinha americana para coordenar a contraespionagem no porto de Nova York, sujeito a sabotagens por agentes nazistas e fascistas infiltrados nas colônias alemã e italiana da grande cidade. Lansky concordou, com a condição de que Luciano fosse libertado.

Livre, Luciano passou pela Europa e em seguida se radicou em Havana, coordenando a instauração do controle dos cassinos e da prostituição em Cuba, tal como tinha sido planejado por Lansky em conluio com Batista, então, meados dos anos 1940, presidente de Cuba. Os Estados Unidos ameaçaram interromper a exportação de remédios para Cuba e, finalmente, conseguiram a extradição de Luciano, mas Lansky já era amigo íntimo de Batista e continuou dirigindo a operação dos cassinos.

Batista estava então, a partir de 1944, quando terminou seu mandato presidencial, radicado nos Estados Unidos, mas continuava controlando os militares em Cuba e facilitando a vida da Máfia no país. Em 1952, sem chances de ser reeleito presidente, mas controlando além dos militares também o rádio e a imprensa, Batista comandou um golpe e assumiu de novo o poder em Cuba. Brilhavam ainda mais os anos dourados da Máfia em Havana, em meio a belas músicas, belas mulheres e um luxo de daiquiris. Havia cenas como uma reencenação de Lady Godiva – uma dançarina de corpo lindíssimo desfilou de carro aberto pelos bairros de luxo de Havana vestida apenas de uma capa de chuva transparente.

Era uma grande festa, assistida de longe pelos cubanos comuns impedidos de participar dela, humilhados pelo domínio de estrangeiros milionários sobre seu país e que passavam por dificuldades materiais extremas. Um jovem advogado, Fidel Castro, indignou-se com o golpe de 1952 e meses depois liderou um ataque armado contra um quartel de província, em Moncada, dando início ao que passou à história como a Revolução Cubana.

Esse ataque foi derrotado e Castro foi preso, mas depois de solto se radicou no México, a partir de onde organizou a guerra de guerrilhas que o levaria ao poder em janeiro de 1959. Seus guerrilheiros invadiram e saquearam os cassinos e os hotéis luxuosos; no início do regime de Castro, a população miserável de Havana melhorou suas condições de vida. Mas, na noite de Havana, a festa dos anos dourados deu início a uma ressaca que durou décadas, com as músicas “lascivas” sendo proibidas pelos líderes revolucionários. Foi o fim da Máfia em Havana, nesse meticuloso e bem pesquisado relato de English.

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