19 de março de 2012

Novo livro de Roth


Recentemente o Diário do Comércio de São Paulo publicou a seguinte resenha de minha autoria:

A paralisia infantil,
segundo Philip Roth

Renato Pompeu

O consagrado escritor americano Philip Roth, que completa 79 anos em março, volta à sua região natal e à sua pré-adolescência em sua mais recente novela, “Nêmesis”, publicada em 2010 tanto nos Estados Unidos como no Brasil (aqui, pela Companhia das Letras). Roth nasceu em Newark, no Estado de Nova Jersey, vizinho a Nova York, em 1933, e a ação se passa num bairro dessa cidade, Weequahic, em 1944, quando o autor, então morador nesse bairro,  tinha 11 anos.
Trata-se, de um lado, das vicissitudes de um jovem de 23 anos, de físico atlético, professor de Educação Física, que no entanto tinha sido recusado, em plena Segunda Guerra Mundial, quando se apresentou para prestar o serviço militar, por ser míope. E, de outro, de um surto de poliomielite, a então temida paralisia infantil, que atingiu tantas crianças no mundo inteiro, antes do lançamento, nas décadas seguintes, das vacinas Salk e Sabin, que debelaram a doença.
No verão de 1944, em meio a um forte calor, o jovem está encarregado das atividades recreativas no playground do bairro. Embora o trabalho pareça longe de proporcionar glórias com que o jovem professor, tão atlético, pensava anteriormente se cobrir durante a guerra, ele procurou exercer aquelas atividades recreativas com o mesmo empenho com que, em tese, um soldado deve dedicar à defesa da Pátria.
Entretanto, ocorre, atingindo particularmente seus jovens discípulos, um surto (fictício) de pólio semelhante ao violento surto real da doença que havia ocorrido na cidade em 1916, por coincidência em meio à Primeira Guerra Mundial. Muitos pupilos do professor de Educação Física e coordenador de atividades recreativas acabam morrendo e são pungentes as descrições das pompas fúnebres, dos encontros do professor com os pais e de seus esforços para consolar as crianças sobreviventes.
Mas a situação se agrava quando os pais das crianças atingidas, em seu desespero, passam a acusar o professor de responsável pelo surto, por supostas insuficiências de suas práticas de higiene coletiva, e por ele deixar, por exemplo, as crianças correrem por aí “como animais”. Finalmente, ele desiste de lutar e foge para outro emprego, num acampamento de verão na zona rural.
Nêmesis, cujo nome foi escolhido para o livro, é a deusa grega da vingança, ou, mais exatamente, ela encarna a punição, pelos deuses, contra os seres humanos que pretendem atingir a perfeição divina. Ela é filha de Nyx, a Noite, e é uma das raras divindades antigas que, ao invés de personificar uma força da natureza, ou um fenômeno natural, encarna uma força moral. É como se o jovem professor e animador acabasse castigado por ter ousado sonhar com a perfeição em sua dedicação ao seu trabalho.
É importante notar que, no novo livro, Roth de um lado abandona as exaustivas descrições sexuais de suas obras imediatamente anteriores, em favor de uma trama cheia de angústias e cheia de peripécias, e de outro volta à sua preocupação inicial de cultivar uma forma requintada, tal como demonstrou em seu primeiro romance que o consagrou aos 26 anos de idade: “Adeus, Columbus”. Então, ele foi saudado logo na estreia, em 1959, como “virtuose”, por ninguém menos do que o grande escritor Saul Bellow, e como tendo alcançado uma “força tonal” que a maioria dos grandes escritores só consegue na maturidade. Se esse sucesso de crítica veio logo na estreia, o sucesso de público viria dez anos depois, com “O complexo de Portnoy” (uma tradução mais literal seria “A queixa de Portnoy”), de 1969, em que ele relata as frustrações, particularmente sexuais, de um jovem judeu típico em Newark. Neste livro, Roth não teve preocupações com a forma tão grandes quanto no seu primeiro trabalho, mas de fato se empenhou em fazer, o mais das vezes, o leitor rir, até mesmo às gargalhadas, e umas poucas vezes, em fazer o leitor se comover com o drama do homem levado a se masturbar compulsivamente para reagir contra o domínio sufocante de um protótipo da famosa “mãe judia”.
Seguiram-se uma série de livros tendo como temática a vida, particularmente a vida sexual, de um profissional liberal judeu da Costa Leste dos Estados Unidas, em especial um escritor, todas obras tidas como reproduzindo diferentes fatos e aspectos da vida pessoal de Roth. Mas também há uma obra sobre uma protestante do Meio-Oeste, outra de sátira ao presidente Richard Nixon e uma sobre a eleição fictícia do herói aviador Charles Lindbergh, o primeiro a atravessar o Atlântico Norte sem escalas, para presidente dos EUA, instaurando um regime antissemita (Lindbergh chegou a simpatizar com o nazismo). Agora, de novo Roth foge de sua temática habitual, para encanto dos leitores fãs de sua antiga perfeição formal requintada.

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