27 de setembro de 2013
Cadáver de tubarão vale US$ 12 milhões
Resenha encomendada pelo Diário do Comércio de São Paulo
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Cadáver de tubarão vale 12 milhões
de dólares como obra de arte – será?
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Renato Pompeu
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Enfim, um livro de “economia aberrante” (“freakonomics”) explica como se pode pagar 12 milhões de dólares por um cadáver putrefato de tubarão mal empalhado, imerso numa fórmula inadequada de formol, num grande aquário, como obra de arte digna de um museu, ou como se pode pagar 148 milhões de dólares por uma pintura feita por meio de se jogar saraivadas de tinta sobre uma tela no chão. Esse tipo de recorde milionário por uma obra de arte controvertida e polêmica sempre chama a atenção dos usuários da mídia em todo o mundo, que ficam espantados e perplexos, sem que possam entender o que se passa, como ilustra o samba de Miguel Gustavo, cantado por Moreira da Silva: “Eu joguei tinta nas paredes, todo mundo achou legal”... Mas agora surgiu um livro que explica tudo.
Trata-se de “O tubarão de 12 milhões de dólares – A curiosa economia da arte contemporânea”, do economista e colecionador de arte canadense Don Thompson, professor universitário em Toronto, em seu país, livro lançado em inglês há quatro anos e agora publicado no Brasil pela Be~i. No original, o título era mais completo: “O tubarão de 12 milhões de dólares – A curiosa economia da arte contemporânea e das casas leiloeiras”.
O que acontece? O mundo das obras de arte controvertidas, como cadáveres de animais ou dejetos humanos apresentados como esculturas – tudo coisas que a esmagadora maioria das pessoas e mesmo a maioria dos conhecedores de estética não considera realmente artísticas -, na verdade é um mundo de umas poucas pessoas no mundo inteiro, talvez mesmo apenas alguns milhares de bilionários, entre colecionadores e investidores, poucas dezenas de donos de galerias e casas leiloeiras célebres internacionalmente, mais algumas centenas de artistas e de críticos de arte, estes últimos, aliás, pouco influentes.
Esse pequeno mundo se alimenta e se retroalimenta a si mesmo, num pequeno círculo, mas que, por movimentar bilhões de dólares, é notícia em todo o mundo. Um exemplo é essa história do tubarão podre. Em 1991, o magnata da publicidade Charles Saatchi, bilionário que se tornara colecionador de arte nas horas vagas, havia encomendado essa polêmica obra de arte, por 50 mil libras esterlinas, ao escultor inglês Damien Hirst. Este gastou 4 mil dólares de seu adiantamento para comprar um tubarão de 2 toneladas de peso e 5 metros de comprimento, capturado na Austrália, e mais 2 mil dólares para transportá-lo até a Inglaterra. Ali Hirst comandou o trabalho de taxidermistas e mumificadores, que empalharam o cadáver do tubarão e o imergiram numa solução de formol num grande aquário.
Hirst apresentou a obra como uma “escultura taxidérmica” e a ela deu o nome de “A impossibilidade física da morte na mente de alguém vivo”. Embora o jornal londrino inglês “Sun” tenha dado a uma notícia sobre o assunto o título de “50 mil por um peixe sem fritas”, críticos importantes de arte elogiaram na imprensa especializada a profundeza e a originalidade do tubarão que logo foi apodrecendo, por não terem sido bem feitos os trabalhos de empalhamento e de mumificação, e que logo foi passando de preto reluzente a um verde sem brilho. Além disso, o valor de 50 mil libras foi difundido pela mídia global para todo o mundo como algo escandaloso.
Em 2005, Saatchi pôs à venda a “escultura taxidérmica” e conseguiu 12 milhões de dólares de Steve Cohen, um executivo do mercado de capitais. E aqui Don Thompson explica o mistério: Cohen ganha pelo menos 4 bilhões de dólares por ano, de modo que 12 milhões de dólares equivalem a apenas cinco dias de seus rendimentos, sem tocar no principal. É como se uma pessoa que ganha 6 mil reais de juros por mês gastasse mil reais por um casaco de peles de modelo exclusivo, ou seja, algo perfeitamente cabível dentro de um orçamento para satisfazer um capricho.
Mas não é apenas por capricho que colecionadores e investidores, em geral bilionários, gastam tanto dinheiro por obras discutíveis, como os 148 milhões de dólares pagos por uma obra do pintor Jackson Pollock, que se limitava a esparzir tinta por sobre uma tela ao chão, lembrando de novo o “Eu joguei tinta nas paredes e todo mundo achou legal”, de Gustavo e Moreira. Acontece que, gastando o que para eles é pouco dinheiro, recebem um enorme retorno de publicidade em todo o mundo, pois cada compra milionária sua, quanto mais inusitada e escatológica seja a obra envolvida na transação, vira assunto obrigatório nas primeiras páginas dos jornais, nos horários nobres de estações de televisão e de rádio, e nos sites e redes sociais de maior frequência na Internet.
Thompson ainda tem capítulos especiais sobre os artistas plásticos Andy Warhol e Francis Bacon, além de um delicioso capítulo sobre o mundo algo falastrão dos grandes críticos de arte. Estes se caracterizam por serem amigos ou conhecidos dos artistas, que lhes “explicam” as obras e assim os críticos, ao contrário dos mortais comuns, podem dizer que “entenderam” os trabalhos. Em tempo: aquele tubarão apodreceu de vez... e sumariamente foi substituído por outro, mais bem empalhado e mumificado, sem perder um centavo de seu valor.
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2 comentários:
Isto está me parecendo mais um golpe no fisco do que algum interesse artístico por obras excêntricas.
Esse dinheirão pode ter sido apenas virtual, para efeito de lançamento contábil, para fins de abatimento de pagamento de impostos.
Ai, os milionários são muito loucos e esbanjam com idiotices o que a humanidade trabalhadora produz coletivamente, e dois terços da humanidade passam fome. É o absurdo dos absurdos o esbanjamento dos donos do mundo. Será que ainda vai ter jeito, ou caminhamos para a destruição coletiva? Cada vez entendo menos. Valeu a crônica.
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