23 de abril de 2013

A bela poesia de Margaret Atwood

O Diário do Comércio de São Paulo publicou recentemente a seguinte resenha de minha autoria: A grande escritora, poeta, jornalista e militante feminista, libertária e nacionalista canadense Margaret Atwood, 74 anos, tinha 68 anos quando publicou este pequeno volume de poemas “A porta”, em 2007, e agora, seis anos depois, o livro chega ao português brasileiro, pela Rocco, primorosamente traduzido pela escritora e poeta brasileira Adriana Lisboa, há tempo radicada nos Estados Unidos. O tom geral da poética de Margaret Atwood neste volume ao mesmo tempo uniforme e multiforme, unívoco e pluralista, é dado pelo poema-título, que significativamente é o que encerra o livro. Trata-se de cenas singelas e encantadoras do cotidiano – o preparo de uma refeição para pessoas amadas, a varrição de uma calçada coberta de neve, os cuidados com o cachorro – que se prolongam ao longo de anos e de décadas, mas que são cenas sempre entremeadas pela passagem diante de uma porta que a personagem, jovem, madura ou idosa, hesita em abrir, tem medo de abrir, mal se atreve a entreabrir e vê que lá dentro é tudo escuro, e logo, sucessivamente, a fecha. Deixemos ao leitor e leitora descobrir o que significa essa porta, bastando dizer que ela sempre nos acompanha a vida inteira, até que abrimos a porta e bravamente entramos no cômodo desconhecido. Assim faz, em todos os poemas deste livro, a grande poeta Margaret Atwood: transforma as vivências simples do dia-a-dia pelas quais todos nós passamos em experiências metafísicas, místicas e transcendentais, que transportam nossas pequenas existências para o miraculoso mundo das essências perfeitas, o mundo das grandes tragédias do ser humano, da alma, do espírito, sem nunca esquecer, nessas altitudes rarefeitas, do corpo que dói e que sofre com o passar do tempo e com o passar por experiências gloriosas e doloridas. Margaret Atwood é uma pessoa extremamente bem-sucedida. Nascida em Ottawa, se formou em três prestigiosas universidades, a de Toronto, no Canadá, e as americanas Radcliffe e Harvard. Publicou mais de dez coleções de poemas, dez romances, dois volumes de crítica literária, três livros de contos, quatro de histórias infantis, duas antologias de poemas de outros autores, além de sua intensa colaboração em jornais de vários países, sempre em defesa dos direitos das mulheres em particular e dos direitos humanos em geral e sempre em defesa do Canadá, por ali se manter um modo de vida solidário, mais humano, na sua opinião, do que nos vizinhos Estados Unidos, em que vigora um individualismo desenfreado. Por tudo isso ela já ganhou perto de 60 prêmios internacionais, entre eles os prestigiados Man Booker Prize e o Prêmio Príncipe das Astúrias. No livro “A porta”, tudo ao mesmo tempo prepara o terreno para o leitor ou leitora fruir no final mais plenamente o poema de encerramento “A porta” – e tudo culmina nesse poema. Assim se vai mudando mais ou menos cronologicamente de temática, passando da infância em que é importante a morte de um cachorro até a idade adulta, em que se discutem as vicissitudes da carreira de escritora e, muitos anos depois, a personagem volta a deparar com sua casa de bonecas, o que lhe desperta um mundo de reminiscências. Depois, há as experiências de tomar conhecimento, pelo noticiário, de horrores da vida humana que nos fazem recordar que o paraíso que soubemos conquistar em nossas vidas privadas e com nossas vitoriosas carreiras, na verdade é um paraíso sustentado pelos infernos das torturas e massacres que se repetem a cada momento em todo o mundo. Em seguida, retornamos das grandes tragédias humanas para a pequenez reconfortante de nossas vidinhas, até que deparamos com... “A porta”!!! Um hino à vida, cantado bem alto, e uma prece em murmúrio, pelos que sofrem ou pelos que já se foram. Mas emocionantes esses poemas não poderiam ser, além de sua técnica apurada e sonoramente gloriosa, mesmo traduzida, e muitíssimo bem traduzida.

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