22 de dezembro de 2013

Estruturalismo continua atual na literatura

Do Diário do Comércio de São Paulo - O estruturalismo continua atual, passados 40 anos - Renato Pompeu - Sai agora, pela Editora Unesp, uma nova edição do livro “Análise estrutural de romances brasileiros”, cujo original é de 1973, de autoria do consagrado escritor, poeta, crítico e professor de Literatura mineiro Affonso Romano de Sant’Anna, radicado no Rio de Janeiro e que já deu aulas nos Estados Unidos. Trata-se de uma sucessão de ensaios altamente sofisticados e de leitura muito exigente, que inclui estudos sobre sete importantes romances brasileiros, de José de Alencar a Clarice Lispector, passando por Joaquim Manuel de Macedo, Aluísio Azevedo, Machado de Assis e Graciliano Ramos. Como o título indica, as análises dos romances se filiam ao chamado estruturalismo, corrente de pensamento que surgiu na linguística, na passagem do século 19 para o século 20, pelas mãos do pesquisador suíço Ferdinand de Saussure, e que preconizava que cada componente, por exemplo, de um idioma, só tinha sentido próprio se estivesse relacionado a outros componentes do mesmo “sistema”, ou “estrutura”. Essa corrente de pensamento atingiu o auge nos anos 1960 e 1970, por influência sobretudo de dois pesquisadores franceses, o antropólogo Claude Lévi-Strauss e o psicanalista Jacques Lacan, e se estendeu ampla e profundamente por todas os estudos humanos, incluindo a literatura. Hoje, por muita gente, o estruturalismo é considerado “datado”, mas, se a trilha aberta por Lévi-Strauss não tem sido seguida por muitos antropólogos contemporâneos, o fato é que, em primeiro lugar, a obra propriamente de sua autoria continua sendo estudada com proveito, embora não a de muitos de seus seguidores mais ingênuos. Em segundo lugar, a psicanálise de Lacan transcendeu o destino do estruturalismo em sentido estreito e se mantém viva e atuante, sendo em geral considerada a corrente psicanalítica mais avançada na atualidade. Quanto a Sant’Anna, é preciso notar, logo de início, que ele se demonstra, nesse livro, um estruturalista nada ingênuo; pelo contrário, partilha em alto grau da perenidade dos estudos de Saussure e de Lévi-Strauss. Em que consiste a ingenuidade da grande maioria dos estruturalistas? Trata-se de que, como a corrente estruturalista procura, na chamada totalidade do seu objeto de estudo, correlações entre seus componentes, muitos estruturalistas se limitam a correspondências binárias, na maioria dos casos, entre um componente e outro componente, e, mais raramente, entre um componente e o todo do sistema. Quando, na verdade, o método, aplicado com o rigor usado por seus mestres, como Saussure e Lévi-Strauss, e também por Sant’Anna, encontra, além de correspondências binárias, também correlações ternárias, entre quatro ou mais elementos, multilaterais, num jogo complexo e intricado. Outro aspecto da ingenuidade de muitos estruturalistas é a fixidez das “estruturas” que encontram, que julgam invariáveis. Nessa armadilham não caíram, nem Saussure, nem Lévi-Strauss, nem Sant’Anna. Finalmente, até mesmo Lévi-Strauss, mas não Saussure, nem Sant’Anna, namorou a terceira ingenuidade do estruturalismo, a de que, por trás da multiplicidade das manifestações humanas no tempo, no espaço e em cada sociedade ou grupo, existem estruturas psíquicas universais; isso, a rigor, talvez não seja uma ingenuidade, mas está longe de ter sido comprovado, mesmo porque a pesquisa empírica capaz de comprovar ou desmentir definitivamente essa conceituação teórica está apenas em seus inícios. O resultado dessas ingenuidades é que muitos estudos literários estruturalistas não sobrevivem hoje, porque estavam em busca de “estruturas profundas” que estariam por trás de todas as produções literárias humanas. Por exemplo, ficou famosa a tese de que, em todas as fábulas populares, em todas as histórias folclóricas, havia uma pessoa no papel de “herói” que passava, invariável e universalmente, sempre por “três provas”, antes de se consagrar, tese que continuou teimosamente sendo defendida depois que críticos apontaram histórias em que o “herói” passava por duas, quatro, ou outras tantas provas. Sant’Anna não cai na armadilha dessas ingenuidades. Ele encontra estruturas diferentes conforme a obra que analisa, mais simples em Alencar, mais complexas em Machado, e não as trata como invariáveis ao longo de cada obra analisada. Mais do que isso, sobrevive galhardamente a um ensaio crítico de ninguém menos do que o grande pesquisador Antonio Candido, incluído nesta edição, com uma resposta de Sant’Anna, ao estudo deste sobre o romance “O cortiço”, de Aluísio Azevedo. Trata-se de uma polêmica elegante e compensadora, não só para o leitor, como também para os dois lados.

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