16 de fevereiro de 2010

Enchentes em São Paulo: a culpa seria de Prestes Maia

Recentemente o Diário de S. Paulo me encomendou a seguinte matéria:

Grandes enchentes do Tietê: a culpa seria de Prestes Maia

Renato Pompeu - Especial para o Diário

Uma outra São Paulo, sem grandes enchentes a partir do rio Tietê, seria possível se, ao invés de seguir o Plano de Avenidas, de 1929, do engenheiro e urbanista Prestes Maia, que foi prefeito diversas vezes a partir de 1938 e cumpriu seu plano, a Prefeitura tivesse seguido o plano do também engenheiro e urbanista Saturnino de Brito, de 1926, de não urbanizar a várzea do rio Tietê, que ocupava a maior parte da vasta região que se estende da Lapa até a Penha.
Em suma, o grande responsável pelas maiores enchentes da cidade teria sido Prestes Maia, que durante suas várias gestões, de 1938 a 1965 moldou a cidade de acordo com sua visão urbanística, como inaugurador da política oficial de urbanização da várzea do Tietê. Prestes Maia foi uma das unanimidades de sua época, apontado sempre pela imprensa como incorruptível, operoso, competentíssimo, e muito mais um técnico do que um político, apesar de ter sido nomeado prefeito em 1938, em pleno Estado Novo, pelo interventor (nome na época do cargo de governador) Adhemar de Barros, e de depois se ter filiado à UDN, ferrenha opositora do populismo de Adhemar.
O que vem acontecendo desde que a várzea do Tietê foi totalmente urbanizada principalmente por responsabilidade de Prestes Maia, é que o rio, a cada chuva, procura recuperar a várzea que perdeu, e daí ocorrem as enchentes nas áreas ali urbanizadas. Essa constatação é confirmada pelo professor da USP Candido Malta Campos Filho.
Candido Malta conta que, quando Saturnino de Brito apresentou seu plano, ao governo do Estado e não à Prefeitura, em meados dos anos 1920, a várzea do Tietê estava praticamente desocupada, inundada que era periodicamente na época de cheias. O rio não era “reto”, como hoje, mas cheio de meandros, serpenteando por vastas áreas inundáveis. O plano de Saturnino de Brito era manter livres as várzeas do rio, para absorver as suas cheias, retificando o rio, mas mantendo lagoas laterais para a contenção das cheias que extravasassem (lagoas semelhantes a piscinões naturais). Na várzea, seriam instituídos parques.
O plano de Saturnino de Brito foi em grande parte respeitado até 1938, quando Prestes Maia assumiu a Prefeitura e ordenou a ocupação da várzea do Tietê. Prestes Maia, como engenheiro da Prefeitura, havia apresentado em 1929 seu Plano de Avenidas, que começou a implementar assim que assumiu como prefeito, baseado na concepção da ocupação dos fundos de vale (até então praticamente só os pontos altos da cidade estavam ocupadas). Esse plano dava à cidade as feições que ela tem hoje, depois de décadas até ser plenamente cumprido. Basicamente ele consistia em construir as duas Marginais do Tietê (que começaram a ser construídas em 1938, mas levaram três décadas para ficarem prontas), na urbanização da várzea do Tietê e na abertura do chamado Y de avenidas – a hoje avenida Vinte e Três de Maio (inicialmente chamada avenida Itororó), como a parte vertical do Y, abrindo-se para os braços da hoje avenida Prestes Maia (inicialmente conhecida como Radial Norte) e da ainda hoje chamada Radial Leste.
Prestes Maia ainda construiu a Galeria Prestes Maia, facilitando a subida de pedestres do Vale do Anhangabaú até a praça do Patriarca; os viadutos Nove de Julho, Jacareí e Dona Paulina, facilitando a ligação da hoje avenida da Consolação com a praça João Mendes e instaurando o chamado anel de irradiação do Centro tradicional da cidade. Além disso, ele abriu a avenida Nove de Julho e seu túnel. Assim ele se mostrou ao mesmo tempo de fato operoso e competente, e em linhas gerais a cidade pode ser considerada até hoje moldada principalmente por Prestes Maia.
Mas esse grande prefeito, que talvez mereça a reputação de ter sido o melhor que a cidade já teve, tinha dois pontos cegos, segundo o professor Candido Malta. Um foi a abertura da várzea do Tietê para a urbanização, o outro foi que ele jamais implantou regras de zoneamento – o primeiro Plano Diretor da cidade foi imposto em meados dos anos 1970, pelo então prefeito Figueiredo Ferraz, depois de décadas de reivindicações de uma minoria de urbanistas. Até então só havia zoneamentos para áreas da elite, nas avenidas Higienópolis e Angélica e nos Jardins, com regras implantadas por empresas particulares, entre elas uma de origem canadense, a Light (hoje Eletropaulo), e outra de origem inglesa, a City.
O professor Candido Malta explica a cegueira de Prestes Maia nos dois casos: “Os interessados em urbanizar não deixaram que ele enxergasse os fundos de vales e várzeas”. Os interessados em urbanizar, é claro, eram as empreiteiras, os loteadores, os proprietários de terras nos fundos de vale e nas várzeas, e, mais generalizadamente, os empresários que pretendiam instaurar indústrias. A eles dava incentivo o político que, como interventor, governador e prefeito, dominou São Paulo dos anos 1930 aos anos 1960, Adhemar de Barros, cujo lema era “São Paulo não pode parar”, numa época em que os paulistanos se orgulhavam de morar na “cidade que mais cresce no mundo”. Só nos anos 1970 é que o prefeito Figueiredo Ferraz lançou o lema: “São Paulo tem de parar, para se reorganizar”. (Essa convicção provocou conflito com o governador de então, Laudo Natel, e Ferraz acabou demitido).
No entanto, se as várzeas do Tietê, e também do Tamanduateí, são periodicamente reocupadas pelos rios nas épocas de cheias, causando as enchentes em áreas hoje urbanizadas, por que isso praticamente não ocorre na maior parte das antigas várzeas do rio Pinheiros, que incluem por exemplo grande parte da região dos Jardins e todo o Esporte Clube Pinheiros, que nunca foram inundados? Candido Malta explica que, ao contrário da urbanização das várzeas do Tietê e do Tamanduateí, que foram desordenadas, a do Pinheiros foi controlada, não pelo poder público, mas por duas empresas particulares. A Light, no seu afã de inverter o curso do rio Pinheiros, para acionar sua usina em Cubatão, aprofundou grandemente a calha do rio (para que ele corresse ao contrário, da foz no Tietê para as cabeceiras), o que diminuiu o impacto de suas cheias. E a City, ao planejar os Jardins, reservou grandes áreas verdes que até hoje absorvem grande parte das águas.
Quanto ao Tamanduateí, a ocupação de sua várzea data de bem antes da ocupação da várzea do Tietê. No começo do século 20 ali, na várzea do Tamanduateí, se instalaram por exemplo o Mercado Municipal e um quartel do Exército. Afinal, esse rio era mais próximo do Centro histórico, além de ser bem menor (o que não impediu que até hoje cause problemas de inundação, igualmente para recuperar sua várzea na época de cheias). Mas, se a ocupação da várzea do Tamanduateí foi “espontânea”, as enchentes de hoje na antiga várzea do Tietê têm um responsável: Prestes Maia.
E não só na antiga várzea do Tietê. Prestes Maia foi o grande teórico do aproveitamento dos fundos de vale, e seu grande executor prático. A ocupação dos vales se dava às custas da canalização: além das Marginais do Tietê e do Pinheiros e da avenida do Estado às margens do Tamanduateí, sob as avenidas Anhangabaú, Nove de Julho, Vinte e Três de Maio, Pacaembu, Sumaré e tantas outras correm rios e córregos que também extravasam - nos casos das canalizações, estourando bueiros, enchendo o leito carroçável e por fim solapando asfalto, como continuou a ocorrer na Nove de Julho, no Anhangabaú e na Pacaembu antes do piscinão. No tribunal das enchentes, Prestes Maia é o principal réu.

Um comentário:

SOCIOLOGIA NO LANCHE disse...

A solução é chamar o Lula! Ele que transfira seu titulo para a capital e concorra a prefeito em 2012 com um único slogam de campanha: resolver o problemas das enchentes em São Paulo. Vai ser uma uma lavada! Só o Lula para dar um jeito para sempre nos alagamentos em São Paulo.