10 de dezembro de 2010

"Catástrofe sem importância"

A frase é de Zbigniew Brzezinski, o principal nome da Guerra Fria nos Estados Unidos, sobre os documentos da diplomacia norte-americana veiculados pelo site WikiLeaks.

Durante toda a Guerra Fria, o polonês radicado nos Estados Unidos, Zbigniew Brzezinski, foi o principal assessor do governo americano no que se refere às relações com o bloco comunista. Uma pessoa perfeitamente qualificada para avaliar o impacto que as estrondosas revelações do WikiLeaks estão tendo no cenário internacional. Pois bem, segundo revelou o jornalista Paulo Sotero em programa da GloboNews, Brzezinski assim comentou o caso WikiLeaks: “É uma catástrofe, mas não é importante”.
Percebo por que Brzezinski tem essa visão. De um lado, é uma catástrofe, pois põe ao alcance de bilhões de pessoas no mundo inteiro o que os meios mais bem informados sempre souberam: a onipresença da rede de informações do Império norte-americano, a arrogância de seus diplomatas, a subserviência dos funcionários dos governos de outros países aos Estados Unidos.
De outro lado, por enquanto não é tão importante quanto parece. A opinião pública em geral tende a imaginar que estão ao alcance de qualquer pessoa 250 mil cabogramas de diplomatas americanos em todos os países enviados ao Departamento de Estado em Washington. Mas a verdade é que só uma pequena parte disso está à disposição de qualquer pessoa na Internet. Da Embaixada dos Estados Unidos em Brasília, por exemplo, na primeira semana só estavam disponíveis na primeira semana uns poucos cabogramas, menos de dez. E mais, nem sempre é possível acessar o site, porque são frequentes as vezes em que ele não está no ar.
Mesmo se estivesse tudo no ar, à disposição de toda e qualquer pessoa, a importância ainda seria relativa. A revista “Carta Capital” informou que o WikiLeaks teve acesso à rede internética do Departamento de Estado, disponível normalmente para 2,5 milhões de pessoas no mundo inteiro, e não às redes dos órgãos de segurança nacional dos EUA, disponíveis normalmente para 850 mil pessoas no mundo todo. As informações cruciais, evidentemente, nunca entram no formato eletrônico.
Além dos cabogramas revelados no site, o WikiLeaks também disponibiliza pequenas cotas exclusivas a jornais, revistas e sites do mundo inteiro. A “Folha de S. Paulo”, por exemplo, recebeu uma cota de 53 cabogramas, que só ela pode divulgar, pelo menos no Brasil. Em suma, 53 dos alardeados 1.800 cabogramas emanados da Embaixada dos EUA em Brasília.
Se o grande público fica assustado com as revelações de que países árabes apoiam o bombardeio contra as instalações nucleares do Irã, ou de que o ministro Nelson Jobim acha que o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães “odeia” os Estados Unidos, ou de que as minas de nióbio em território brasileiro são consideradas vitais para a segurança dos EUA, a verdade é que a mídia já tinha noticiado há meses que a Arábia Saudita havia aberto o seu espaço aéreo para aviões de guerra israelenses, no caso de bombardeio contra o Irã; que todas as pessoas que acompanham o noticiário sobre o Itamaraty sabem que o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães é crítico em relação ao Império americano – e é verdade também que os leitores de “Caros Amigos” em particular e os meios políticos em geral já sabiam da importância estratégica do nióbio brasileiro, tema em que, como a revista publicou, o deputado Brizola Neto (PDT-RJ) é especialista.
Como o WikiLeaks informou que teve acesso a cabogramas desde 1966, eu estou particularmente interessado em saber o que a Embaixada americana informou a Washington sobre as torturas a presos políticos durante o regime militar brasileiro e os assassínios e “desaparecimentos” de oposicionistas. E estou também interessado em saber por que, depois de o WikiLeaks ter revelado que diplomatas americanos julgam que o Itamaraty era um foco de “antiamericanismo”, a presidente eleita Dilma Rousseff resolveu afastar o ministro Celso Amorim e manter o ministro Nelson Jobim. Mas não sei como ter acesso a essas informações.
Também eu gostaria que fosse mais divulgado que a acusação da Justiça sueca contra Julian Assange, que levou à sua prisão, é de que, em meio a uma sessão de sexo consensual com camisinha com uma mulher, durante o ato a camisinha foi retirada – o que no Brasil e no mundo em geral não dá cadeia, mas na Suécia é equivalente ao estupro, e dá dois anos de prisão.
Além disso, a denunciante, Ana Ardin, é uma cubana anticastrista que trabalhou para a ONG Miscelánia Cubana, financiada pela CIA. Mais uma armação contra Assange, já que é difícil encontrar leis que ele tenha violado, e o seu cerceamento está sendo realizado por subterfúgios, como os da Amazon, Marter Card, Visa e tantos outros.

Renato Pompeu é jornalista e escritor.
(texto publicado originalmente no Correio Caros Amigos)

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