30 de agosto de 2013

Stalin, Trotski e o testamento de Lenin

Artigo encomendado pela revista Caros Amigos - Ca183ideias Ideias de botequim Stalin, Trotsky e o testamento de Lenin Renato Pompeu Durante décadas, os seguidores de Stalin defenderam a tese de que Lenin não deixou nenhum testamento, enquanto os seguidores de Trotsky afirmavam que, em seu testamento, Lenin teria recomendado que Stalin fosse afastado do cargo de secretário-geral, por ser “demasiado brutal”, e que Trotsky fosse considerado o sucessor de Lenin à frente do Partido Bolchevique e da União Soviética. Entretanto, segundo o general russo Dmitri Volkogonov, autor do livro em dois volumes “Stalin – triunfo e tragédia”, publicado no Brasil pela Editora Nova Fronteira, nenhum dos lados tem plena razão. Cumpre dizer que Volkogonov, durante a chamada perestroika dos anos 1980, foi o primeiro pesquisador a ter acesso integral a todos os arquivos soviéticos, incluindo documentos que durante décadas permaneceram secretos. De acordo com Volkogonov, a 23 de dezembro de 1922, em seu leito de enfermo após um derrame cerebral, Lenin ditou uma carta endereçada aos participantes do 12.o Congresso do Partido, previsto para abril do ano seguinte. Nela, Lenin propunha que dezenas ou uma centena de trabalhadores fossem indicados para o Comitê Central, ampliando o seu número e modificando a sua composição social. Com isso, entre outras coisas, Lenin queria amenizar a divisão no CC entre partidários de Stalin e de Trotsky – “as relações entre eles constituem toda uma metade do perigo da divisão a ser evitado”. Em seguida, ele afirma: “Tendo se tornado secretário-geral, o camarada Stalin concentrou ilimitado poder em suas mãos – e não estou muito certo de que ele sempre usará tal poder com cuidado suficiente”. Mas isso não significava apoio irrestrito de Lenin a Trotsky, pois Lenin escreveu: “Por outro lado, o camarada Trotsky, como seu conflito com o Comitê Central sobre o Comissariado das Vias de Comunicação já mostrou, distingue-se por suas excepcionais qualificações. Pessoalmente, talvez seja o homem mais capaz no Comitê Central de hoje, mas é excessivamente autoconfiante e por demais atraído pelo lado puramente administrativo do trabalho.” Por lado “administrativo” do trabalho acho que se deve entender a disposição do dirigente a tomar decisões, transmiti-las e achar que, por isso, serão cumpridas e o problema visado estará resolvido. Lenin deduz: “Essas qualidades dos dois proeminentes líderes do atual Comitê Central podem, inadvertidamente, conduzir a uma cisão”. Em seguida Lenin diz que o fato de Kamenev e Zinoviev se terem oposto à Revolução de Outubro, por considerarem que não havia possibilidade de instaurar o socialismo na atrasada Rússia, não deve ser usado contra eles, nem deve ser usado contra Trotsky o seu passado menchevique. Entre os mais jovens, destacou Pyatakov e Bukharin, a quem aponta como eminente teórico, embora diga que Bukharin não estudou a dialética (segundo Lenin escreveu em 1916, “cinquenta anos depois de Marx, nenhum marxista entendeu Marx”, por não terem entendido a dialética). No dia seguinte a ter ditado essas frases, ou seja, a 24 de dezembro de 1922, Lenin exigiu que tudo que tinha ditado na véspera permanecesse “absolutamente” secreto. No dia 25, Lenin ditou: “Stalin é por demais rude e este defeito, perfeitamente aceitável nas relações entre nós, comunistas, não é admissível num secretário-geral. Portanto, proponho que os camaradas encontrem a maneira de retirá-lo dessa função e entreguem o cargo a alguém que seja superior ao camarada Stalin em todos os aspectos, ou seja, mais paciente, mais leal, mais respeitoso e atencioso para com os camaradas, de humor menos inconstante, etc. Tais considerações podem parecer uma trivialidade, mas acredito que, do ponto de vista da prevenção de um rompimento e em função do que eu disse sobre as relações entre Stalin e Trotsky, não se trata de um assunto trivial, ou então é a espécie de trivialidade que pode assumir significação decisiva”. Em março de 1923, Lenin sofreu outro derrame cerebral que o incapacitou definitivamente. Como Lenin, em seu texto, não havia mencionado em que Congresso queria que sua carta fosse lida, e como em outra ocasião ele havia indicado textos que só deveriam ser divulgados após sua morte, no 12.o Congresso, em abril, sua carta não foi lida, ficando implícito que seria lida no primeiro Congresso após sua morte. Lenin faleceu a 21 de janeiro de 1924. Em maio de 1924, o 13.o Congresso recebeu a carta. Os delegados não lhe deram muita atenção. Stalin apresentou sua renúncia ao cargo de secretário-geral. Entretanto, Kamenev e Zinoviev lideraram os apelos da maioria para que Stalin continuasse no cargo. Os delegados decidiram também que a carta não seria mais divulgada (embora a essa altura ela já tivesse sido impressa e distribuída em dez mil exemplares num informativo que foi distribuído a quadros do partido). Ninguém se preocupou em aumentar o número de membros do Comitê Central e Trotsky se limitou a atacar a “burocracia” do partido, sem citar nomes. Aquela difusão em dez mil exemplares levou a que se tornasse corrente a opinião, entre membros do partido, de que Lenin queria uma mudança nas estruturas políticas, o que foi desmentido, significativamente, por ninguém menos do que... Trotsky, na publicação “Bolshevik” de setembro de 1925: “Vladimir Ilyich não deixou testamento e, pela própria natureza de suas relações com o partido, bem como pela natureza do partido em si, fica excluída a possibilidade de um tal testamento, de modo que qualquer conversa sobre ocultação ou não-cumprimento de um testamento não passa de invenção maliciosa e, na verdade, vai contra a intenção de Vladimir Ilyich”. Só anos depois é que os partidários de Trotsky postularam que, em seu testamento, Lenin havia nomeado Trotsky seu sucessor.

3 comentários:

AF Sturt Silva disse...

Então a versão que Lênin defendia o aumento dos quadros no CC é uma farsa?

Revistacidadesol disse...


Essa carta não tem a importância que lhe foi dada. O tempo mostrou que Trotsky não era leninista e que Stálin era, sim, um leninista e líder cheio de qualidades. Inclusive obteve uma grande vitória sobre os nazis. Abs!

Renato Pompeu disse...

Caro AF, a carta de Lenin insistia na ampliação do número de quadros operários no CC. Isso foi ignorado e até desmentido, mas é verdade.