8 de novembro de 2013
Le Carré, sem saudades da Guerra Fria
Do Diário do Comércio de São Paulo
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John le Carré, o escritor
que saiu da Guerra Fria
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Renato Pompeu
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Famoso pelos romances “O espião que veio do frio” (1963), sobre a espionagem ocidental na então Alemanha Oriental, e ”O jardineiro fiel” (2001), sobre os danos causados pelas multinacionais num país da África, o escritor inglês John le Carré, 81 anos, passou por uma formidável reciclagem em sua carreira, como mostra esse “Nosso fiel traidor”, lançado agora pela Record, sobre a espionagem da Máfia russa. Antigo agente secreto britânico, a partir dos anos 1960 ele se consagrou como um escritor retratista da Guerra Fria. No entanto, quando ele completou 60 anos, a Guerra Fria acabou. Ele poderia ter encerrado aí, já rico e famoso, a sua carreira; poderia também ter continuado a imaginar enredos baseados na Guerra Fria, como talvez preferissem muitos de seus leitores fiéis.
Mas John le Carré sempre teve ambições maiores do que ser conhecido simplesmente como criador de tramas de espionagem. Ele quis ser, e foi, reconhecido como um escritor preocupado com os aspectos artísticos, psicológicos, emotivos de suas obras, e também preocupado em melhorar o mundo através das denúncias das mazelas que afligem tantos bilhões de seres humanos. Por exemplo, como em “Nosso fiel traidor”, ele descreve as misérias nascidas com a reconstituição do capitalismo na Rússia: em outros trabalhos recentes ele também ataca as mazelas trazidas pela chamada Guerra ao Terror. O reconhecimento já veio: em 2008, o consagrado jornal britânico “The Times”, que já avança para o seu terceiro século de existência, o incluiu na lista dos cinquenta melhores escritores da Grã-Bretanha do período desde 1945.
John le Carré não é seu nome real. David John Moore Cornwell nasceu em 1931; a mãe abandonou a família quando ele tinha cinco anos, e o pai foi condenado à prisão por fraude em seguros; também era associado aos famosos Gêmeos Kray, chefes do crime organizado em Londres após a Segunda Guerra Mundial, e vivia endividado. Apesar das disfunções da família, ela deu frutos ilustres: os três irmãos do famoso escritor são um alto executivo de publicidade, uma atriz e um importante jornalista. Le Carré pagou em 1975 o enterro do pai, mas não compareceu à cerimônia.
O jovem abandonou os estudos secundários por não suportar os castigos físicos e a rígida disciplina das escolas inglesas de sua época. Aos 17 anos, foi estudar línguas estrangeiras na Universidade de Berna, Suíça, e aos 19, em 1950, ingressou no Corpo de Inteligência do contingente do Exército britânico aquartelado na Áustria. Sua função era interrogar em alemão os refugiados da Europa Oriental e da União Soviética que chegavam àquele país derrotado na Segunda Guerra Mundial, mas ligado ao Ocidente. Depois, foi mandado estudar em Oxford, onde vigiava para o Serviço de Inteligência Militar (o famoso MIS) os estudantes esquerdistas e os suspeitos de ligação com agentes soviéticos. A partir de 1958, subiu de patente no MIS, dirigiu uma equipe de agentes secretos, conduziu interrogatórios, grampeou telefones e comandou invasões de casas de suspeitos. Em 1960, passou para o MI-6 (Inteligência Militar Seção 6), especializado em espionagem internacional, e como cobertura se tornou segundo-secretário da Embaixada britânica em Bonn, capital da então Alemanha Ocidental. Nos três anos seguintes publicou três livros de ficção sobre espionagem, tendo adotado o pseudônimo porque agentes do Serviço Secreto não podiam publicar livros com seus próprios nomes. Com o êxito do terceiro livro, “O espião que veio do frio”, Le Carré adquiriu a independência financeira e abandonou os serviços de inteligência, tornando-se escritor em tempo integral.
Continuou nas décadas seguintes inspirando-se na Guerra Fria, mas, como vimos, depois do fim do comunismo, mudou de foco. Em “Nosso fiel traidor” (o original é de 2010), um casal inglês, ele um professor de inglês em Oxford, fã de tênis, alpinismo e outros gostos caros, mas esquerdista, preocupado com a Guerra do Iraque e com a prática de torturas pelos britânicos; ela uma jovem advogada, ambos de origem modesta. Vão passar uma temporada em Antígua, no Caribe, onde conhecem um milionário russo, Dima, também fã de tênis, e eles jogam juntos, reforçando a amizade.
Mas na verdade Dima está envolvido em lavagem de dinheiro da Máfia russa e seus companheiros do crime organizado o colocaram na “geladeira”, por desconfiarem dele, e ele está até mesmo ameaçado de morte. Por isso mesmo é que Dima se aproximou de Perry, porque acha que, por intermédio do jovem professor inglês, ele pode entrar em contato com o Serviço Secreto britânico, para se refugiar na Inglaterra e escapar ao cerco de seus antigos aliados mafiosos. Deixamos para o leitor descobrir: desta vez vence o Bem ou o Mal?
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