1 de novembro de 2013
O ensino do sexo pelos indianos
Da revista The President
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Como o primeiro Richard Burton
ensinou os ocidentais a tratar bem
os seus parceiros sexuais
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Renato Pompeu
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Até os anos 1880, praticamente nenhum ocidental conhecia a carícia preliminar ao sexo que se chama “o abraço que simula a subida a uma árvore, feito como segue: quando o marido fica de pé, a mulher deveria pôr um pé sobre o pé dele, e erguer a outra perna à altura da coxa dele, contra a qual ela aperta a perna. Então, rodeando a cintura dele com os seus braços, do mesmo modo que um homem se prepara para subir a um tronco de palmeira, ela o segura e o aperta com força, inclina o corpo dela sobre o dele, e o beija como se estivesse sugando o elixir vital”. Nem era conhecido o refinamento sexual da posição para o chamado “congresso” em que “o marido faz sua mulher deitar de costas, ergue as duas pernas dela e as coloca sobre seus próprios ombros e goza dela”. Ou a variação em que “o marido faz sua mulher deitar de costas, senta entre as pernas dela, as ergue as mantendo de cada lado de sua cintura, e assim goza dela”.
Tudo isso foi ensinado aos ocidentais pelo primeiro Richard Burton, muito antes do ator. Nos tempos em que o Oriente era um ambiente encantador, cheio de mistérios, ninguém mais do que o inglês Richard Francis Burton (1821-1890) contribuiu para abrir seus segredos milenares para os olhos ocidentais. Em particular, ele ensinou, aos seres humanos do Ocidente, como refinar a sexualidade de cada um, usando técnicas eróticas desenvolvidas ao longo de séculos pelos hindus e pelos muçulmanos – foi o primeiro tradutor de obras como o “Kama Sutra” e o ainda mais atrevido “Ananga Ranga”, do qual foram extraídos os textos acima, além de ter sido o primeiro a traduzir integralmente “As Mil e Uma Noites”, inclusive os cabeludos trechos que haviam sido deixados de lado pelos primeiros tradutores, por serem “obscenos”.
Mas esse Richard Burton fez muito mais do que isso: foi uma combinação rara de grande aventureiro e grande pesquisador e erudito, sabia trinta idiomas, foi militar na Índia, foi o primeiro ocidental a visitar os lugares sagrados de Meca, lutou na Guerra da Crimeia, procurou as nascentes do Nilo, e foi cônsul no Brasil. Filho de um soldado empobrecido e de uma suposta descendente de um filho ilegítimo do rei Luís 14 da França, o jovem Richard passou a infância e a juventude na Inglaterra, França e Itália, sempre brigando e periodicamente fugindo de casa. Matriculou-se em Oxford, mas não terminou o curso universitário, expulso que foi aos 21 anos por se recusar a obedecer aos regulamentos.
Assim, em 1842 ele ingressou como suboficial no Exército britânico da Índia. Lá, em menos de sete anos aprendeu onze línguas, de duas das quais escreveu as primeiras gramáticas, e aprendeu a se disfarçar de natural de cada região indiana, para melhor conhecer a população. Escreveu livros descritivos dos costumes das regiões de Goa e do Sindh, mais manuais de falcoaria e do uso de baionetas (este se tornou o manual oficial de baionetas do Exército britânico), além de se ter tornado perito em geodesia.
Em 1853, ansioso por não ter nada para fazer por estar de licença por enfermidade, Burton resolveu se disfarçar de médico afegão para poder conhecer as cidades sagradas dos islamitas de Meca e Medina, onde era proibida a entrada de ocidentais, e para isso tingiu de morena a sua pele, com tintura de hena, uma planta. Dois anos depois, publicou em inglês uma narrativa dessa aventura, que foi um grande êxito de vendas. Aí se aventurou pelo Corno da África, tendo sido o primeiro ocidental a jamais ter entrado na chamada Cidade Proibida de Harar, uma cidade-Estado muçulmana entre a Somália e a Etiópia.
Em 1857, se tornou o primeiro europeu a ver o “mar de Ujiji”, ou seja, o lago de Tanganica; estava à procura das nascentes do Nilo. Escreveu livros enciclopédicos sobre essas expedições, igualmente êxitos de vendas. Lutou na Guerra da Crimeia, foi para os Estados Unidos estudar os mórmons, então pouco conhecidos, e em 1861 casou na Inglaterra com Isabel Arundell. Com as responsabilidades do casamento, se assentou numa carreira diplomática que o levou a ser cônsul no Daomé e em Biafra, aproveitando para escalar montanhas e fazer o reconhecimento de rios e povos do Gabão e do Congo, tendo ainda visitado uma cidade sagrada ioruba e Angola, além de ter sido o primeiro branco a contatar o povo peul. Tentou igualmente, sem êxito, pôr fim ao tráfico de escravos na região controlada pelo povo fon. Foi cônsul também em Santos, no Brasil, e em Damasco e Trieste, onde morreu aos 69 anos, em 1890.
Publicou em vida mais de quarenta livros, dos quais os principais, lidos ainda hoje, foram as traduções do “Kama Sutra”, em 1883, e do “Ananga Ranga”, em 1885, de originais mais do que seculares, do sânscrito, em colaboração com um tranquilo, nada aventureiro e sedentário servidor público inglês na Índia, F.F. Arbuthnot, e de “As Mil e Uma Noites”, em dez volumes, a partir de 1885, do milenar original árabe.
Para ter uma ideia de como era atrevido lidar com textos sobre a sexualidade em plena era vitoriana, basta dizer que a editora que estava imprimindo o “Ananga Ranga” cancelou o contrato assim que tomou conhecimento do conteúdo do livro. Burton e Arburthnot tiveram de fundar uma instituição de pesquisas na Índia, que pudesse editar por conta própria a obra em poucos exemplares, alegando que era para fins de estudos e não para venda ao público. Não contente em escandalizar seus compatriotas com essas traduções, Burton ainda publicou um livro sobre os hábitos sexuais dos soldados coloniais britânicos, entre os quais era comum o homossexualismo, não só pela predisposição a isso, mas também, por serem racistas, por causa da impossibilidade de terem relações sexuais com mulheres nativas das colônias.
Mas o mais cabeludo texto legado por Burton é o “Ananga Ranga”, ou “Cenário do Amor”, escrito no século 15 ou no século 16 pelo poeta Kalyana Malla; até hoje muitas das ilustrações originais não são publicadas nas traduções, por serem por demais explícitas. O livro aconselha posições pouco usuais, como a seguinte: “uma das pernas da mulher é deixada deitada na cama ou no tapete, a outra perna sendo posta em cima da cabeça do marido, que se apoia sobre as duas mãos. Essa posição é muito admirável”.
Outra: “a mulher, deitada de costas, ergue com as mãos as duas pernas, recuando-as até os cabelos; o marido, então sentado perto dela, põe as suas mãos sobre os seios dela e goza dela”. E mais uma: “o marido senta entre as pernas da mulher, estende os braços dos dois lados dela até onde puder, e assim goza dela”.
Mas, além de todas essas posições em que, basicamente, a mulher ergue as pernas, existem as posições de lado, uma delas em que “tanto o homem como a mulher deitam reto de lado, sem nenhum movimento ou mudança na posição dos membros”, outra em que, “ambos estando de lado, o marido fica entre as coxas da mulher, uma delas embaixo dele, a outra lançada sobre o seu flanco, um pouco abaixo do peito”.
Há também as posições de sentar: “O marido senta de pernas cruzadas sobre a cama ou tapete, e põe a mulher no colo, com as mãos dele sobre os ombros dela”. Ou: “o marido segura os pés da mulher, e a mulher segura os pés do marido”.
Algumas descrições são mais explícitas, em especial quando se trata de posições em que a mulher é mais ativa do que o marido: “A mulher cuja paixão não foi gratificada por copulação prévia, faz o marido deitar de costas e, sentada de pernas cruzadas em cima das coxas dele, pega o pênis, efetua a inserção, e move a cintura para cima e para baixo, avançando e se retirando; ela vai usufruir grande conforto desse processo”.
As instruções para a mulher são bem mais detalhadas do que as para os homens. Um exemplo:
“Enquanto inverte a ordem natural das coisas em todas essas posições em que fica por cima, a mulher deve respirar fundo; deve sorrir gentilmente e mostrar algum tipo de vergonha, tornando seu rosto tão atraente que não pode ser adequadamente descrito. Depois disso, deve dizer ao marido: ‘Ó querido! Ó você bandido, hoje você ficou sob meu controle e ficou sujeito a mim, sendo totalmente derrotado na batalha do amor!’ O marido mexe no cabelo dela, os arrumando, a abraça e beija o lábio inferior dela, com o que todos os membros dela vão relaxar, ela vai fechar os olhos e cair numa onda de alegria.
“Mais ainda, em todas as vezes em que gozar por cima, a mulher vai lembrar que, sem um esforço especial de vontade por parte dela, o prazer do marido não vai ser perfeito. Para esse fim ela precisa se esforçar para fechar e apertar a vagina, até que esta agarre o pênis como se fosse com um dedo, abrindo e fechando a seu bel-prazer, e finalmente agindo como a mão da garota de Gopala, que ordenha a vaca. Isso só pode ser aprendido com demorada prática e especialmente pondo toda a vontade na parte a ser apertada, do mesmo modo que os homens se empenham para aguçar sua audição e seu sentido de tato”.
Em suma, para os vitorianos, que afinal achavam inadequado não cobrir o piano com um pano até o chão, para que os homens não se lembrassem da semelhança com pés femininos aparecendo sob a saia, tudo isso era demais. Até hoje, muitos homens e muitas mulheres não conseguem a desenvoltura necessária para praticar todas as artes do “Ananga Ranga” divulgadas pelo aventureiro e erudito Burton, que, como seu xará ator, se tornou Sir. Mereceu?
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