2 de novembro de 2013

Clássicos em edição de bolso

Do Diário do Comércio de São Paulo - Estante - No dia do azar, a sorte de encontrar livros clássicos a preços acessíveis - Renato Pompeu - Transformemos hoje, sexta-feira 13, em dia de sorte e verifiquemos que, nas livrarias do País, estão disponíveis edições de bolso de grandes clássicos da literatura, de diferentes editoras. As grandes atrações são grandes livros que se tornaram grandes filmes. A cuidada edição de “O Gattopardo – Livro que deu origem ao filme O Leopardo”, romance do escritor italiano Tomasi di Lampedusa (na verdade, Giuseppe Tomasi di Lampedusa), publicado originalmente em 1958, faz parte da Coleção Livros que Cabem no Seu Bolso”, da Record. Apenas cinco anos depois de lançado, já considerado um clássico, esse livro foi transformado num grande clássico do cinema, por ninguém menos do que um dos maiores diretores de cinema de todos os tempos, o italiano Luchino Visconti. E com um elenco estelar e multinacional: o americano Burt Lancaster, o francês Alain Delon e a italiana Claudia Cardinale. Outro clássico, da mesma coleção da Record, é o romance “As vinhas da ira – livro que inspirou o premiado filme de John Ford”, do autor americano John Steinbeck, de 1939, tornado fulminantemente filme do célebre diretor em 1940, com Henry Fonda, Jane Darwell e John Carradine. Da L&PM Pocket, em tradução de Millôr Fernandes, é a peça de teatro “Pigmaleão”, de 1912, do escritor irlandês George Bernard Shaw, transformada primeiro num musical de teatro e, em 1964, no famoso filme “My Fair Lady”, do diretor americano George Cukor, com a atriz belga radicada nos Estados Unidos Audrey Hepburn e o ator inglês Rex Harrison. “O Gattopardo” relata o destino de uma família nobre da Sicília, acostumada secularmente ao mando e ao luxo derivados de suas grandes propriedades de terra, situação ameaçada a partir do momento em que as tropas de Garibaldi, em 1860, desembarcam na ilha. Garibaldi traz consigo esperanças de modernização e de democratização, que, se são esperanças para a massa do povo siciliano, geram temores por parte da família, até o momento em que esta percebe que “é preciso que tudo mude para que tudo continue na mesma”, frase do livro que se tornou famosa como ditado sobre a milenar história italiana. Como no Brasil, as mudanças históricas na Itália tendem a ser feitas não pelas camadas prejudicadas pela situação anterior, sim pelas camadas por ela beneficiadas, que, por meio do “aggiornamento” (“atualização”) ou “revolução de cima”, em terras italianas, ou por meio do “jeitinho” e da “conciliação” tão vigentes em nossa terra, continuam mantendo seus privilégios na nova situação de modernização. Já em “As vinhas da ira” é retratada a situação de fome e miséria que, em meio à crise econômica dos anos 1930, agravada por uma enorme tempestade de poeira gerada por uma infindável seca, atinge uma família de lavradores do Estado americano de Oklahoma. Atraída pela propaganda de que, no distante Estado da Califórnia, encontraria um Eldorado de leite e mel, a família parte para sua Canaã, onde, no entanto, depara com uma situação talvez pior do que a da terra natal. Milhares de imigrantes miseráveis disputam entre si trabalhos em péssimas condições por salários de fome. A cena culminante da obra ficou célebre: mesmo sem ter o que comer, uma adolescente cujo filho nascera morto dá de mamar a um adulto desconhecido que também não tinha o que comer. Ao mesmo tempo em que essa cena é particularmente chocante nos Estados Unidos, onde são malvistas as mulheres que dão de mamar em público a seus bebês, consideradas exibicionistas, ela é emblemática da difícil situação em que ficaram milhões de famílias durante a Grande Depressão. E “Pigmaleão” pode ser considerada uma reunião dos ambientes de “O Gattopardo” e de “As vinhas da ira”, já que retrata o encontro de um requintado e culto aristocrata com uma vendedora de flores de rua que só sabe falar um dialeto popular do inglês, chamado cockney. É como se ela falasse “nóis vai” ao invés de “nós vamos”, com a agravante que na Inglaterra, ainda hoje, as distinções linguísticas entre as classes sociais, e mesmo as próprias distinções sociais entre elas, são muito mais acentuadas e agudas do que no Brasil. O aristocrata é desafiado a ensinar a moça a falar o chamado inglês do rei, ou seja, a forma mais culta do inglês na Inglaterra. Em pouco tempo a moça aprende o idioma culto, e se torna mais esmerada no linguajar do que os que falam o inglês do rei desde a infância. Mas, além desses livros que viraram filmes, existem outras obras literárias em edições de bolso, como a novela “O visconde partido ao meio”, originalmente publicada em 1952, do escritor italiano, nascido em Cuba, Ítalo Calvino, editado pela Companhia de Bolso. Calvino havia começado como escritor vinculado à resistência contra o fascismo e, depois, com a redemocratização, ligado ao Partido Comunista. Esse livro é sobre um visconde que, nas guerras europeias contra os turcos, no século 17, foi despedaçado por uma bala de canhão e, dividido em dois, tem uma metade que se torna uma pessoa má e outra metade que se torna uma pessoa boa. Um vive no castelo original do visconde e superexplora e reprime os camponeses sob seu domínio, o outro mora na floresta e procura ajudar altruisticamente os camponeses e os pobres em geral. Os dois disputam o amor da mesma jovem camponesa. Calvino com esse livro passa da fase do realismo político militante para a fase da fantasia, em que busca criar verdadeiros contos de fada de alto nível, com o único fim de divertir, e não de edificar, os seus leitores. Também da Companhia de Bolso é o romance “Jazz”, em que a escritora americana Toni Morrison recria o ambiente do bem conhecido bairro do Harlem na Nova York dos anos 1920, habitado caracteristicamente por negros vindos de regiões rurais do Sul dos Estados Unidos. O ambiente é carregado das belezas da música dos negros e da violência no cotidiano desse bairro equivalente às periferias das grandes e médias cidades brasileiras. Esse mundo é povoado por vendedores de produtos de beleza a domicílio e por cabeleireiras, que se envolvem em dramas de fundo amoroso, em meio às sonoridades tão ricas do jazz e aos crimes por paixão. Igualmente da Companhia de Bolso, e novamente de um autor americano, temos o romance “O avesso da vida”, de Philip Roth. Como é muito frequente nas histórias desse escritor, se trata da vida conturbada de judeus americanos, enfrentando doenças e a impotência sexual. A grande novidade do livro é sua construção intricada, em que um personagem, por exemplo, morre e, em seguida, aparece vivo em outro país. Finalmente, de novo pela L&PM temos três volumes com novelas que retratam o famoso personagem Maigret, um inspetor da Polícia de Paris, criação do escritor belga radicado na França Georges Simenon. Trata-se de “Maigret se defende”, “Maigret e o fantasma” e “Maigret na escola”. Simenon inovou a literatura policial, pois, além da intrigante investigação sobre crimes, também desenvolve evocações da humanidade mesmo dos personagens mais fechados em si mesmos, e que procuram não se relacionar com os outros seres humanos. Em outras palavras, Simenon resgata a humanidade mesmo dos personagens mais arredios e mais insociáveis. Enfim, temos de aproveitar a sorte de poder contar com tantas obras de tão alta qualidade por preços tão acessíveis.

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