14 de dezembro de 2013

O autor que nasceu para contar a história do Titanic

Quase sessenta anos após o lançamento original da obra em 1955, em inglês, a editora Três Estrelas publica no Brasil o melhor trabalho de pesquisa jamais feito sobre o naufrágio em 1912, com 1.500 mortos, do célebre transatlântico britânico “Titanic“. Trata-se de “Uma noite fatídica”, do historiador americano Walter Lord (1917-2002), que foi o principal consultor do famoso filme de 1997. Cumpre lembrar que a tradução mais literal do título do livro seria “Uma noite para ser lembrada”, e que uma tradução mais literária seria “Uma noite inesquecível”. Embora já tenham passado seis décadas desde que o livro foi publicado, ele dificilmente será superado como fonte de documentação sobre o “Titanic”. Acontece que, escrevendo quarenta anos após o naufrágio, Lord ainda pôde entrevistar 63 sobreviventes, o que não vai mais ser possível. Além dessa riqueza documental, Lord escreveu a história de uma forma mais usual na grande ficção: a sucessão de cenas minuto a minuto vistas pelos pontos-de-vista de diferentes pessoas, transmitindo ao leitor a sensação de que ele está vendo ao vivo as dramáticas cenas do naufrágio. Walter Lord, se pode dizer, literalmente nasceu para narrar a saga do “Titanic”. Nascido em Baltimore, seu avô era dono de uma companhia de navegação marítima e o menino cresceu nesse ambiente. Aos 9 anos, em 1926, o pequeno Walter viajou de Nova York para Cherburgo, na França, e Southampton, na Inglaterra, nada mais nada menos do que no transatlântico “Olympic”, construído pelos mesmos estaleiros do “Titanic” e segundo um projeto semelhante; apenas o “Olympic” era um pouco menor e foi lançado ao mar um ano antes de sua “nave-irmã” e esteve em serviço até 1935. O terceiro e último navio da mesma família, ou, como dizem os profissionais da navegação marítima, da mesma classe, o “Britannic”, era maior do que o “Titanic”, mas não teve melhor sorte do que o “irmão” mais famoso: lançado ao mar logo no início da Primeira Guerra Mundial, foi transformado em navio-hospital de campanha e. em 1916, afundou ao largo da Grécia após ter sido atingido por uma mina, ou por um torpedo, em combate. Lord se formou em 1939 em História, pela Universidade de Princeton, e, depois de ter atuado durante a Segunda Guerra Mundial em Londres, como decifrador de códigos do inimigo, se formou também em Direito na Universidade de Yale. Tornou-se escritor de livros históricos para o grande pública, que fizeram sucesso e em que narrava batalhas da Segunda Guerra Mundial, a vida americana no século 19 e no início do século 20, especialmente sobre a era que precedeu a Primeira Guerra. Apesar do sucesso de seus livros, quando lançou “Uma noite fatídica”, Lord, que nunca se casou, estava trabalhando como redator publicitário na agência J. Walter Thompson. De todo modo, foi o seu livro que consagrou o “Titanic” como um mito do século 20. O naufrágio do navio tinha tido grande repercussão quando ocorreu, mas então a comunicação em massa estava praticamente restrita à mídia impressa. Depois, com o correr das décadas, outros assuntos passaram a dominar os interesses do grande público: a Primeira Guerra Mundial, a ascensão do comunismo e do fascismo, a Grande Depressão dos anos 1930, a ascensão do nazismo, a Segunda Guerra Mundial. Em meados dos anos 1950, no entanto, no Ocidente se vivia um período relativamente bastante pacífico e ao mesmo tempo de uma prosperidade em termos absolutos – nunca houve tanta igualdade econômica entre as populações – mas em que o todo tempo se sentia que aquela estabilidade toda estava ameaçada pela Guerra Fria, pela possibilidade sempre presente da guerra atômica. Por isso tudo, quando o livro de Lord sobre o “Titanic”, ao fazer reviver a história do frenesi tecnológico em torno do navio considerado “inafundável” e que teve o casco cortado por um iceberg submarino como uma faca corta manteiga, a obra caiu como uma luva ao encontrar um público que vivia um momento de grande estabilidade e de grande progresso, ao mesmo tempo desconfiado de que aquela segurança toda ia ser bruscamente abalada a qualquer momento. Assim, por meio da obra de Lord, o mito do “Titanic” tomou corpo, e como se manteve até hoje a sensação de que a qualquer momento a relativa placidez em que se vive no Ocidente pode ser tumultuada por alguma catástrofe, esse mito, e o interesse por “Uma noite fatídica” se mantêm, como se pode ver também pelo fato de que o filme “Titanic”, de quinze anos atrás, volta e meia retorna à tela da televisão. Ainda mais porque o livro de Lord retrata os seres humanos como eles são: capazes de heroísmos e de vilanias pérfidas. Há desde os cavalheiros em trajes de gala que caminham para a morte certa sem em momento nenhum se desalinharem, até os que pulam para um barco salva-vidas abandonando no convés a própria esposa. Isso sem contar que todos os recursos de salvamento foram priorizados para os passageiros ricos, ficando os passageiros de terceira classe abandonados à sua própria sorte nos porões inundados.

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