16 de dezembro de 2013

Um romance sobre o cabelo

O cabelo, tema de um romance para ser lido na praia, sem compromisso - Renato Pompeu - Apesar de a trama respirar um tanto o clima de repressão que dominou a América do Sul, particularmente durante os anos 1970, o romance “História do cabelo”, lançado no Brasil pela CosacNaify ano e meio depois da publicação original em castelhano, de autoria do escritor argentino Alan Pauls, 52 anos, que estreou aos 25 anos com “O pudor do pornógrafo”, também roteirista de cinema e professor universitário de literatura, é muito mais uma requintada leitura de praia, já que, ao se centrar no cabelo do personagem central, não exige maior compromisso por parte do leitor. Trata-se do segundo volume de uma trilogia sobre a Argentina, iniciada em 2007 com “História do pranto”, em que a trama, também com lampejos lancinantes de repressão política e cultural, é mais cerrada em considerações sobre o choro, trilogia a ser encerrada, segundo Pauls, com um tema muito mais complexo em termos de relacionamentos sociais: “História do dinheiro”. Mas, se é uma leitura de praia, o importante é que ela vai ser extremamente requintada. Alan Pauls domina com a desenvoltura todas as técnicas da grande literatura, como mostrou no seu grande romance “Passado”, filmado por Héctor Babenco. Se poderia até dizer que lidamos com um grande escritor que, neste romance sobre o cabelo em particular, lida com pequenos temas, lembrando a situação do especialista que sabe quase tudo sobre quase nada. O mais importante é que, além de alternar períodos curtos e incisivos com períodos longos e complexos, criando um novelo em que nunca se perde o fio, o autor é particularmente hábil ao lidar com o ritmo e a sonoridade de seu texto, de elevadas e enlevadas qualidades musicais. De todo modo, a grande preocupação do personagem central, como diz o título, é o cabelo. Já na sua adolescência, enquanto grande parte dos seus semelhantes, jovens de famílias bem situadas, procuravam empregos de baixa qualificação, ou para serem “proletários” e portanto “revolucionários”, ou para se identificarem com o “povo”, ele se preocupava em transformar seus louros cabelos lisos – símbolos da origem “burguesa” – numa cabeleira afro, símbolo da “revolução antiburguesa”. Essas movimentações de jovens que procuravam, não a ascensão, mas o descenso social, foram muito mais importantes na Argentina do que no Brasil É assim, obliquamente, que o que podemos chamar de “mundo externo ao cabelo” aparece no romance, por meio do que chamamos de lampejos lancinantes. Por entre as densas mechas de cabelo, os cuidados com ele e o medo de perdê-lo, surgem pequenas cenas do cabeleireiro uruguaio que era quem melhor cortava o cabelo do personagem central, do amigo de tantos anos, do exilado que voltou à Argentina, de uma moça de mocassins vermelhos . Surgem menções a ícones culturais, como filmes, bastante familiares ao público a que o livro se dirige. Em termos de texto, um pequeno senão: o que seria, afinal de contas, um “mercado geral do povo”?

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