1 de março de 2011

Reflexões sobre o filme "Um cão andaluz"

Aqui está mais um trabalho para a faculdade em que sou aluno:


Renato Ribeiro Pompeu – RA 1052390



MANIFESTAÇÕES DO INCONSCIENTE

Centro Educacional Claretiano

Curso de História – 1.o ano

Disciplina: História da Arte

Polo de São Paulo

2010

Trabalho de prática: Assista ao filme Um Cão Andaluz, de Luís Buñuel e Salvador Dalí, lançado em DVD, mas também disponível na internet, em sites como o Youtube, e produza um texto de cerca de duas laudas a respeito das manifestações do "Inconsciente" presentes no filme, a relação de tal tipo de manifesta¬ção com o Surrealismo e o papel do Surrealismo na arte e na sociedade modernas



Um Cão Andaluz (Un Chien Andalou)



Apesar da preferência manifestada pela professora Semíramis por trabalhos em equipe nesta prática, o aluno autor deste trabalho preferiu apresentar-se pessoalmente, para não envolver nenhum colega numa fundamentação algo controversa.



Inconformados com o “bom-mocismo” cinematográfico demonstrado por artistas surrealistas anteriores, como o americano Man Ray (1890-1976), cuja ousadia máxima era sobrepor à imagem de uma máscara africana a imagem do rosto de sua amante Kiki, o diretor Luis Buñuel, também roteirista, e o co-roteirista, o pintor Salvador Dali, ambos espanhóis radicados em Paris na época, fins dos anos 1920, resolveram fazer o que chamaram de “um apelo desesperado, apaixonado, pelo homicídio”, o filme “Um cão andaluz”, de 1928.

Coerentes com o projeto surrealista de tornar manifesto, como reflexo do pensamento tal como realmente existe, o inconsciente (no sentido freudiano), sem restrições de ordem racional, “artística” ou moral, Buñuel e Dali fizeram um filme com uma sucessão de imagens que parece um sonho, ou um pesadelo. Vemos de perto o olho de uma mulher sendo cortado por uma navalha, um homem arrastando dois bispos e os cadáveres putrefatos de dois burros de carga, a mão furada na palma de um homem fervilhando de formigas, uma pessoa jovem de sexo ambíguo brincando com uma mão arrancada do corpo, homicídios ao acaso. Seios misteriosamente se transformam em nádegas

Apesar de Buñuel e Dali terem querido destruir qualquer linearidade em sua narrativa fílmica, e de a continuidade, como num sonho ou pesadelo, ser apenas sugerida pela associação de imagens que vão se sucedendo ao deus-dará, percebe-se ainda um resquício de linearidade, pois afinal há um fio condutor, já que o filme é pontuado por cenas de brigas e reconciliações entre um casal de amantes. Outro fio condutor são os letreiros (o filme originalmente era mudo) que indicam a época de cada parte, numa sucessão que, apesar de não cronológica, acaba sendo algo linear.

Os criadores do filme quiseram chocar, sacudir a sociedade burguesa com cenas instintivas de Eros e Tânatos, o amor sexual e a morte, os dois pilares da doutrina freudiana. Também quiseram ridicularizar a burguesia, representada pelas pessoas luxuosamente trajadas que surgem esporadicamente no filme, e, como espanhóis, a Igreja Católica, representada pelos dois bispos.

Tudo isso está dentro do programa do surrealismo – libertar as pulsões reprimidas pela sociedade burguesa, por meio de obras de arte. Na época em que o surrealismo surgiu, a sociedade burguesa, especialmente na Europa, estava em crise particularmente profunda, e grande parte das pessoas sabiam que estavam vivendo apenas um intervalo entre duas grandes guerras de âmbito mundial. A essa situação da vida pública se acrescentava, no plano individual e familiar, na vida privada, a crise da irrupção da sexualidade mais aberta, causada tanto no plano prático, pela crescente autonomia das mulheres que passavam a garantir seu sustento pelo trabalho fora de casa e ficavam assim mais livres para exercerem sua sexualidade, como no plano ideológico, pela difusão da psicanálise.

Mal podemos imaginar o choque que esse filme causou na época, pois nas últimas décadas as cenas de sexo e de violência, especialmente do sexo transgressor e da violência que Buñuel e Dali foram os primeiros a divulgar, se tornaram rotina no cinema e é um tanto “anestesiados” que vemos “Um cão andaluz”. A lâmina da navalha fatiando o olho, entretanto, continua horrendamente assustadora até hoje, e era a única cena que eu lembrava do filme, assistido por mim pela primeira vez nos começos dos anos 1960.

O que me disponho a colocar em discussão, no entanto, é o uso que o filme faz da psicanálise. Sou psicanalisado desde 1972 e me parece vislumbrar que Buñuel e Dali, como de resto os surrealistas em geral, foram de alguma forma seduzidos pela ideia, que me parece enganosa, de que o inconsciente possui uma linguagem universal para todos os seres humanos, e de que cada imagem produzida pelo inconsciente de alguém, uma vez exposta, desperta nos outros em geral a mesma reação experimentada por esse alguém.

Ao contrário, uma das dificuldades do psicanalista é justamente que cada paciente possui uma simbologia própria, variável no tempo, de acordo com a experiência de cada um. A mim, a cena dos seios se transformando em nádegas parece ter sido inspirada, não pelo inconsciente de um dos autores, ou pelos inconscientes dos dois autores, mas por uma leitura apressada de trechos de Freud. Independente disso, as cenas do filme, com exceção do olho golpeado a navalha, não me chocam; sei que não passam de cenas imaginadas, e na minha formação foram influentes, nos anos 1940 e 1950, as cenas realmente ocorridas do Holocausto e das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, muito mais chocantes do que qualquer cena de “Um cão andaluz”.

Afinal, o mal, que Buñuel e Dali apenas percebiam, como arúspices, bem fundo nas entranhas da sociedade burguesa de sua época, hoje é banal. Quanto ao sexo, qualquer criança já viu na tevê cenas muito mais abusadas do que em “O cão andaluz”. Nesse sentido, os dois foram profetas da deterioração da sociedade burguesa, tão visível em nossos dias de crise econômica, militar, social e de valores. Esse poderia ser o epílogo do filme, mas ele tem outro: se Buñuel continuou como crítico esquerdista da burguesia e da Igreja, já Dali se tornou direitista, reconciliando-se com a Espanha de Franco, onde foi morar.

De todo modo, as cenas foram filmadas com maestria e virtuosismo, e o resultado é uma obra de arte das mais esteticamente requintadas. A impressão que dá é que os autores não se deixaram levar pelo cânone surrealista de não se deixar restringir por razões “artísticas”. Pelo contrário, trabalharam com alto rigor na sucessão de estesias.







Referência cinematográfica

Um Cão Andaluz (Un Chien Andalou)

Apresentado por: Versátil Home Video

Estrelando: Simone Mareuil – Pierre Batcheff – Luis Buñuel – Lya Lys – Max Ernst – Germaine Noizet

Fotografia: Albert Duverger

Roteiro: Luis Buñuel – Salvador Dali

Direção: Luis Buñuel

Ano:1928

Legenda: Português

Áudio: Francês

Duração: 80 minutos

Classificação Indicativa: 18 Anos. Por conter cenas de sexo e violência



Referência da Web:

http://www.answers.com/topic/man-ray-1, acessado às 12 horas de 29 de maio de 2010.

Um comentário:

Rosane Muniz disse...
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