22 de maio de 2013

Livro sobre Pimenta Neves: contra o jornalismo real

O artigo abaixo saiu também no Observatório da Imprensa: Livro sobre Pimenta Neves, obra-prima do jornalismo. Contra o jornalismo real. - Renato Pompeu - Permitam-me os leitores e leitoras, sair do meu usual e proclamar, alto e bom som: este livro “Pimenta Neves –Uma reportagem – Os bastidores do crime que abalou a imprensa brasileira. E a história do homem que o cometeu”, de autoria do jornalista Luiz Octavio de Lima, colega do DC, Editora Scortecci, é na minha opinião um dos quatro livros mais importantes jamais escritos por mãos brasileiras, ao lado dos romances “Dom Casmurro”, de Machado de Assis; “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa, e “Um Defeito de Cor”, de Ana Maria Gonçalves. Mais este livro sobre Pimenta Neves, na minha opinião, pode ser incluído entre os 350 a 400 livros mais importantes jamais escritos por quaisquer seres humanos em todo o planeta ao longo de milênios de história da escrita, tais como foram escolhidos pela Enciclopédia Britânica ou seja, escolhidos por um conjunto de centenas de especialistas em literatura, em ciências humanas, em ciências biomédicas, em ciências exatas, em artes plásticas, etc., ligados à Universidade de Chicago, a que tem mais titulares do Nobel em todas as áreas em todo o mundo. A lista da Britânica inclui 300 livros e os demais 50 a 100 provêm de regiões e países não contemplados na relação da Enciclopédia. Apenas algumas atrações do livro, só para espicaçar o leitor: décadas antes de matar a colega sua amante, o grande jornalista Pimenta Neves já havia estuprado e espancado uma jovem sua subordinada na Folha de S. Paulo. Como na época, ainda muito mais do que hoje, a Polícia presumia que uma queixa de estupro provinha na verdade de um ciúme da mulher após a interrupção, pelo homem, de uma relação consensual, aquela jovem não se queixou á Polícia, e sim a todos os jornalistas que pôde encontrar na redação da Folha, que simplesmente não a levaram a sério. Traumatizada, ela se mudou para os Estados Unidos. Décadas depois, lá mesmo, ela ficou sabendo que Pimenta Neves se tornara diretor de redação de O Estado de S. Paulo, um dos poucos jornais brasileiros de renome internacional. Imediatamente ela mandou uma enxurrada de e-mails a todos os endereços de e-mails de jornalistas do Estadão, numa época em que já começava a ficar público e notório, na redação do Estado e mesmo em outras, que a relação entre Pimenta e a subordinada sua amante se estava deteriorando. Esses e-mails insistiam infatigavelmente em que Pimenta tinha de ser afastado daquele cargo, que o tornava um dos poucos jornalistas mais poderosos do mundo, pois, segundo os e-mails, Pimenta tendia a aproveitar suas situações de poder para tratar com violência e arbitrariedade as pessoas suas subordinadas, Os e-mails a vários jornalistas do Estadão diziam ainda que, como o poder de Pimenta havia se tornado imenso, aquilo com certeza ia acabar muito mal. Ninguém lhe deu atenção e os e-mails viraram motivo de piadas folclóricas sobre os delírios de uma mulher histérica. Deu no que deu. Em suma, é a crônica de uma morte ainda muito mais anunciada do que a de García Márquez. A crônica de um crime ainda mais hediondo do que o “Crime e castigo” de Dostoievski. Dos desvãos da alma humana ainda mais profundos do que os explorados em “Confissões de uma máscara”, de Yukio Mishima. Um livro-reportagem sobre um crime espetacular ainda mais bem feito do que “A sangue frio”, de Truman Capote, pois não tem cenas imaginárias para “ajudar a verdade”, como dizem os jornalistas quando inserem uma inverdade para tornar mais patente, aos olhos do leitor e da leitora, o verdadeiro significado de um fato. Um livro sobre as mazelas do jornalismo ainda mais impactante do que “O reino e o poder”, de Gay Talese, pois este trata das arbitrariedades das decisões editoriais, isto é, se cinge ao mundo do pensamento e da consciência, enquanto Lima trata das relações concretas entre o físicos das pessoas e entre seus inconscientes. Mais descritivo de costumes hipócritas do que a “Comédia Humana” de Balzac. Mais profundo e mais contundente, psicanaliticamente, do que o filme “Psicose”, de Alfred Hitchcock. O livro mais perspicaz sobre a região paulista da Mogiana jamais escrito. O mesmo se diga sobre a vivência cultural e a rede dos artistas criadores durante o regime militar. Uma obra que trata direitistas e esquerdistas como eles realmente são: pessoas quase sempre bem intencionadas que se formaram em situações sociais, culturais e econômicas diversificadas e que não são tão diferentes entre si, como pessoas, em relação ao que são no campo da política. Um livro que mostra a estreiteza da elite de um grande país ainda mais rarefeita e ainda mais autorreferente do que a aristocracia descrita nos grandes romances russos, onde um nobre de Moscou encontrava uma sua conhecida condessa de Tsaritsin por acaso em algum vagão de trem em plena Sibéria. Um livro que mostra a interligação das elites culturais mundiais. Um só exemplo para cada uma dessas afirmações: Pimenta era amigo e chefe de Vlado Herzog e o pai da amante de Pimenta depois por este assassinada atendia, em sua oficina mecânica, como cliente, o delegado Sérgio Fleury. A jovem estuprada por Pimenta muitas décadas atrás era filha de uma prima do cartunista americano que criou os imortais personagens Betty Boop e Marinheiro Popeye e ela própria se tornou uma artista plástica de renome mundial. Um livro que, apesar de tudo, tem o tom caridoso cheio de amor da oração que aprendi como o Padre Nosso e que piedosamente pede perdão para os nossos pecados com a candura da Ave Maria. Um livro que chora a morte com o profundo pesar e com a consoladora solenidade do Kaddish judaico. Um livro, que na verdade, é o suspiro de uma coletividade oprimida bradada aos céus, como acontece às sextas-feiras em Meca. Um livro que tem a profundidade filosófica de um tratado dialético hindu. Um livro que, como o Buda, nos mostra que, na verdade, o prazer, como tudo que nos chega pelos sentidos, é apenas uma outra forma de sofrimento. Como toda obra-prima que se preza, “Pimenta Neves” foi com toda certeza rejeitado pelas grandes e mesmo pelas médias e pequenas editoras. Sai por uma editora especializada em bem cuidadas edições financiadas pelo autor e seus amigos. Apesar de seu extremo interesse para os grandes jornais, não teve a repercussão merecida na mídia, apenas neste ousado DC e na CBN, a mais ousada instituição de informações do País para o público geral, onde Lima foi entrevistado pela sempre corajosa âncora Tania Morales. Em suma, é ler para crer.

Um comentário:

Ana Claudia Dantas disse...
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