9 de agosto de 2013

Uma "bibliografia" de Salinger

Resenha encomendada pelo Diário do Comércio de São Paulo - Biografia de Salinger vale mais como bibliografia Renato Pompeu Talvez o título original em inglês de “Salinger, uma vida”, livro lançado nos Estados Unidos nos fins de 2010 pelo pesquisador Kenneth Slawenski, publicado agora no Brasil pela Leya, isto é, “J.D. Salinger, uma vida erguida bem alto”, seja mais adequado do que o adotado pela edição brasileira. Pois há muito mais informações sobre a vida de Salinger antes de este ter ficado famoso do que sobre o que aconteceu depois de ele ter alcançado a celebridade. Talvez também a contribuição de Slawenski seja muito mais bibliográfica do que biográfica. Senão, eis dois dados que devem ser comparados: enquanto a obra destrincha literalmente dezenas e dezenas de textos bastante significativos, e até agora desconhecidos, de Jerome David Salinger (1919-2010), o famoso autor do imortal romance “O apanhador no campo de centeio” (1951), textos que foram recusados ao longo de anos e anos por diferentes editoras, ou, mesmo aceitos, não foram publicados, ou ainda, mesmo publicados, jamais foram reeditados, o livro dedica apenas uns dois ou três parágrafos ao único relacionamento amoroso, além de seu casamento, que se tornou público de Salinger durante suas bem conhecidas seis décadas de reclusão, relacionamento que durou quase um ano em 1972, com a também escritora Joyce Maynard. Os fãs de Salinger, no entanto, são muito bem recompensados por esse livro de Slawenski, que mantém o site www.deadcaulfields.com em memória do grande autor e que passou oito anos escrevendo a obra sobre seu ídolo. Afinal, a par de destrinchar dezenas de contos e de outros textos literalmente desconhecidos de Salinger, que publicou apenas três outros livros, Slawenski também descreve todas as fases pelas quais passou, desde sua origem, o texto de “O apanhador”, um prato cheio para seus apreciadores. Igualmente, há revelações sobre as traumatizantes experiências de Salinger como combatente na Segunda Guerra Mundial, tendo ele participado do célebre desembarque no Dia D, na Normandia, quando os Aliados ocidentais finalmente intervieram na França. Particularmente marcantes foram suas participações na libertação dos prisioneiros sobreviventes em campos nazistas de concentração, vivenciando situações ainda mais difíceis para um judeu como Salinger, que na época já trazia consigo os primeiros esboços de “O Apanhador”. Ele nasceu em Nova York, frequentou uma escola secundária militar, mas antes dos 20 anos de idade já vinha tentando arranjar um lugar no glamuroso mundo de celebridades da grande cidade, inicialmente como ator e, a partir de 1940, como escritor. Conseguiu algum êxito em chamar a atenção sobre si e chegou a namorar Oona O’Neill, filha do dramaturgo Eugene O’Neill, autor de “Longa jornada dentro da noite”. Oona abandonou o jovem Salinger para se casar com o cineasta Charles Chaplin, muito mais velho do que ela, o que foi um golpe no sentimento de autoestima do autor iniciante. Logo em seguida, foi chamado a combater na Europa contra a Alemanha Nazista. As vivências nos combates e no acompanhamento dos campos de concentração recém-libertados foram tão traumatizantes que Salinger passou a sofrer de depressão e chegou a ser internado por isso. Seus textos a partir daí expressaram uma suavidade e uma empatia, tanto com os personagens como com os leitores, muito maiores do que anteriormente. Finalmente, em 1951, lançou “O apanhador”, com seu jovem herói anticonformista que destoava do convencionalismo da época nos Estados Unidos – livro que ajudou a formar a mentalidade dos jovens da geração americana que abalaria o mundo ao forjar as diversas revoluções, mais comportamentais do que políticas, dos anos 1960, e que até hoje é um dos preferidos dos secundaristas e universitários dos EUA. O êxito de “O apanhador” foi tão fulminante e tão fenomenal que Salinger, apesar de tanto ter almejado a fama, se sentiu tão incomodado com a celebridade que, logo no ano seguinte, em 1952, foi se estabelecer na remota cidadezinha de Cornish, no Estado do Novo Hampshire, praticamente sem receber ninguém, sem publicar mais nada depois de 1965 – mesmo ano em que se divorciou de Claire Douglas, com quem se casara dez anos antes (uma das poucas pessoas que o visitavam então) e com quem teve um casal de filhos –, até o fim de sua vida no ano passado. A reclusão de Salinger também se deveu à sua conversão à filosofia contemplativa dos Vedas hinduístas. Sobre isso o livro é bem menos informativo do que sobre a jornada de Salinger até a fama.

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