10 de dezembro de 2013

A indústria continua vital na era da financeirização

Da revista Retrato do Brasil - A indústria continua e vai continuar a ser tão vital quanto sempre foi - Renato Pompeu - Um livro fundamental sobre a importância da indústria, e que deve ser lido por todos os interessados em política industrial e em política econômica, e particularmente por todas as pessoas preocupadas com o futuro da humanidade, é “The New Industrial Revolution – Consumers, Globalization and the End of Mass Production” (“A nova revolução industrial – Consumidores, globalização e o fim da produção em massa”), de autoria de Peter Marsh, editor de Indústrias do jornal inglês “Financial Times”, o mais importante jornal econômico do mundo, obra lançada este ano pela Yale University Press, com sedes na cidade americana de New Haven e em Londres. De especial relevância para o público brasileiro, já que o País se encontra em vias de revisar sua política industrial, o livro de Marsh é tanto mais bem-vindo porque ele é um típico jornalista e um típico inglês. Assim, ele não se envolve em grandes voos teóricos, mas reúne uma coleção exaustiva de fatos relevantes e pouco conhecidos. Por exemplo, que especialista em economia política saberia, como Marsh sabe, com suas décadas de visitas a centenas de fábricas em dezenas de países, que só a fábrica francesa de lentes para óculos Essilor, a mais avançada do planeta em termos de produção personalizada em qualquer setor, produziu em 2010 nada menos de 200 milhões de lentes segundo receitas específicas de oculistas para cada um de seus clientes?. Ou seja, ela produziu industrialmente 200 milhões de artigos totalmente individualizados. Mais, se contarmos todos os produtos “únicos” fabricados em todo o mundo em 2010, chegaremos, segundo Marsh, à fantástica quantidade de 10 bilhões de itens, ou seja, mais de um por ser humano. No total, se calcula que naquele ano se produziram 150 bilhões de itens, incluídos os massificados, que continuam sendo a esmagadora maioria mas estão destinados, sempre de acordo com o autor, a serem substituídos pelos artigos personalizados feitos rigorosamente por encomenda de cada cliente, pessoa ou empresa. Além disso, Marsh calcula que, em 2010, a produção industrial mundial superou em 57 vezes a de 1900, cerca de metade disso nos países avançados e outra metade nos países emergentes, o que demonstra que o conceito de “pós-industrialismo”, mesmo aplicado aos países adiantados, é grandemente ilusório, já que a indústria continua, de acordo com Marsh, crescendo mais do que a economia como um todo. Mais importante do que isso, Marsh insere numa massa de dados atualizadíssimos toda a história da produção de objetos por mãos humanas. De milhares de anos antes de Cristo a 500 anos atrás, de acordo com ele, se esteve na era da customização em pequena escala, e mesmo da personalização em escala individual. Eram produzidos artesanalmente objetos diferentes de cada vez. Por volta de 1500, na Itália, surgiu a estandardização em pequena escala, com a produção, por exemplo, de pequeno número de navios segundo modelos preestabelecidos. Em meados do século 19, surgiu, na Inglaterra, a estandardização em grande escala, com a produção de milhões de artigos rigorosamente iguais uns aos outros. Em meados do século 20, surgiu, no Japão, a customização em larga escala, com cada cliente podendo escolher entre múltiplas variações a partir de um modelo básico. Agora, em pleno século 21, conforme mostra o pioneirismo da Essilor, está surgindo a personalização em larga escala, a produção, em escala industrial, de itens rigorosamente individualizados. Que têm os ministros ligados à área econômica e os grandes industriais brasileiros a dizer diante disso? Por outro lado, historiadores da economia influenciados pelo marxismo, como Immanuel Wallerstein e o já falecido Giovanni Arrighi, vinham insistindo em que a transição da vanguarda do capitalismo industrial do Ocidente para a Ásia Oriental seria tão irreversível quanto foram as passagens da vanguarda do capitalismo da Itália para a Holanda, no século 16; da Holanda para a Grã-Bretanha, a partir do século 18, ou da Grã-Bretanha para os Estados Unidos, nos inícios do século 20. Mas, mesmo não se referindo diretamente a esses autores, que são teóricos e assim não têm interesse para um jornalista tipicamente inglês, rigorosamente empirista, Marsh argumenta, contrariando a tese deles, no seu livro de mais de 300 páginas, que o Ocidente, incluído o Japão, tem plenas condições de voltar a enfrentar industrialmente gigantes como a China e a Índia, além do Brasil e da Rússia. Uma das teses principais de Marsh é que o rápido e intenso, e mesmo estonteante, avanço industrial da China e de outros países emergentes nas últimas décadas, que aproximou em grau significativo suas economias do nível dos países desenvolvidos, já começou a perder ritmo e se vai desacelerar notavelmente ao longo das próximas décadas. Isso, segundo Marsh, proporcionará uma nova oportunidade aos países ricos, se souberem aproveitar suas vantagens em termos de conhecimentos tecnológicos, demonstradas pelos fatos de que tanto fábricas chinesas, por exemplo, de chaleiras, como a Embraer brasileira dependem de peças avançadas, como os “rolamentos de ar” (peças que funcionam como rolamentos, mas não se apoiam em esferas de aço, e sim em ar comprimido) ou identificadores de falhas de produção (que a interrompem se um único item recém-produzido apresentar algum defeito), fornecidas apor fábricas do Primeiro Mundo. Ele mostra como fábricas do mundo inteiro dependem de “rolamentos de ar” produzidos num pequeno balneário inglês, por exemplo. Ele lembra o que poucas pessoas, inclusive entre especialistas, costumam levar em conta, o fato de que a China já foi a nação mais produtiva industrialmente antes do século 19 e ainda em 1800 sua produção era superior, na indústria, à da Grã-Bretanha. No entanto, os avanços tecnológicos que se iniciaram nas tecelagens inglesas por volta de 1780, fizeram a Grã-Bretanha, ao longo dos inícios do século 19, superar largamente a China, que ficou tão para trás da Europa, dos Estados Unidos e do Japão que durante mais de um século deixou ser incluída entre os países industrializados. Essa história pode se repetir agora, quando estamos, segundo Marsh, na iminência de uma nova revolução industrial, em que a Europa, os Estados Unidos e, em grau menor, o Japão dispõem de vantagens tecnológicas comparativas. Por exemplo, as impressões em três dimensões – não se trata de novos processos gráficos, e sim da produção de quaisquer objetos, por exemplo, de peças vitais necessárias para fábricas de outro produto, por um processo semelhante à impressão e tão cômodo, rápido e produtivo quanto ela - estão muito mais aperfeiçoadas na Europa e nos Estados Unidos, do mesmo modo que a automação está muito mais avançada nos países ricos do que nos países emergentes. Marsh também acha que os tempos da produção industrial em massa, em que têm predominado os países emergentes, estão praticamente contados. Tecnologicamente, se está tornando cada vez mais possível a produção de itens industrializados individualizados, tanto entre bens de consumo quanto entre bens de produção. Isto é, aquilo que Alvin Toffler vislumbrava, já em 1970, no livro “O choque do futuro”, ou seja, que logo seria possível produzir industrialmente roupas feitas sob medida, bastando programar em computadores os diferentes cortes e costuras (uma espécie de pantógrafo múltiplo em que cada reprodução tem um tamanho e um formato diferentes), Marsh estende agora não só para bens de consumo como também para bens da produção. Aqui o fundamental, para Marsh, é que os grandes fregueses dos produtos personalizados serão os habitantes dos países ricos e para ele, nesse tipo de produção individualizada, como a da Essilor, a proximidade entre a unidade produtiva e o mercado é muito mais fundamental do que na produção em massa. Por isso é que ele julga que, nesse caso, os países avançados levarão vantagem sobre os países emergentes, mesmo que nestes os custos de produção (mais exatamente, os salários) sejam menos elevados. Marsh insiste ainda que as menores distâncias entre unidades de produção e unidades de consumo tornarão também por outras razões mais atraente a produção nos países ricos: trata-se da crescente repulsa da população aos danos ambientais, que são acentuados no caso de transportes a distâncias planetárias, tanto por causa do transporte em si e das possibilidades, por exemplo, de vazamento de combustíveis e poluição local, quanto em razão do próprio gasto maior de combustível. Finalmente, Marsh observa que nos próximos anos e décadas os salários dos trabalhadores nos países emergentes deverão chegar mais perto dos níveis salariais nos países ricos, eliminando cada vez mais uma das grandes vantagens da China e da Índia, que são os salários mais baixos. Ele nota que, em 2000, os países adiantados eram responsáveis por 73 por cento da produção industrial mundial. Em 2005, isso tinha caído para 69 por cento e, em 2011, a proporção era de 54 por cento. Se essas tendências continuarem, diz Marsh, nos próximos anos os países emergentes e atrasados seriam responsáveis por mais da metade da produção industrial mundial. Por exemplo, de 2000 a 2011 a China passou de fabricar 7 por cento da produção mundial para 19,8 por cento, tornando-se a primeira nação industrial do mundo em volume de produção, a primeira vez em mais de um século que os Estados Unidos não ocuparam essa posição, relegados ao segundo lugar. Nesse mesmo período a participação do Brasil na produção industrial mundial passou de 1,7 por cento para 2,9 por cento, a da Índia de 1,2 por cento para 2,3 por cento, e a da Rússia de 0,8 por cento também para 2,3 por cento. Aqui Marsh volta a lembrar que esse primeiro lugar em volume na produção industrial mundial a China tinha mantido, antes do século 19, durante séculos a fio, num grande período em que o volume da produção industrial dependia do volume da população, e não do desenvolvimento tecnológico, como passou a ocorrer na passagem do século 18 para o século 19, quando se iniciou a fase em que a Grã-Bretanha, o Ocidente em geral e o Japão foram ficando cada vez mais à frente e a China passou a ficar cada vez mais para trás. Em 1800, os países que hoje chamamos de emergentes eram responsáveis por 71 por cento da produção industrial mundial, enquanto os países hoje ricos participavam com apenas 29 por cento dos produtos industriais em todo o planeta. Em 1900, os países hoje emergentes produziam apenas 13 por cento dos bens industrializados em todo o mundo, e os países hoje ricos produziam 87 por cento. Hoje, como vimos, os países emergentes e atrasados respondem por 46 por cento da produção industrial. Entretanto, segundo Marsh, nos últimos tempos o crescimento industrial dos países emergentes, particularmente na China, se vem desacelerando de modo visível e, na opinião dele, isso deve acentuar-se cada vez mais. Ao mesmo tempo, os pesados investimentos industriais em andamento pela General Electric, Caterpillar e Ford, devem render frutos nos Estados Unidos nos próximos anos. O mesmo se pode dizer da Europa Ocidental, lembrando-se sempre que a crise é sempre sinônimo de novas oportunidades, embora não se possa dizer isso do Japão, onde a força do iene torna difícil um aumento significativo da produção industrial. De todo modo, Marsh defende que o mais importante, na atualidade, é a iminência da nova revolução industrial, com a personalização e a intensificação da automação, estas acompanhadas de maiores preocupações ambientais. Embora ele reconheça que os efeitos dessa nova revolução industrial devam se espalhar pelo mundo todo, o que ele mais acentua é que os países ricos estão diante de preciosas chances de recuperar parte do terreno perdido, já que parece bem menos viável a possibilidade de recuperar todas essas perdas. Não é possível sonhar, segundo ele, com os 66 por cento do volume industrial em todo o mundo que o Ocidente e o Japão produziam tão recentemente quanto em 2006, mas é possível crer ao menos num mínimo de recuperação.

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