19 de setembro de 2011

A história da cirurgia


O jornal Diário de S. Paulo me encomendou há algum tempo a seguinte resenha:

A história brutal
da cirurgia

Renato Pompeu

A partir de um documentário feito para a BBC em 2008, o escritor e jornalista inglês especializado em ciência, Richard Hollingham, conhecido pela sua colaboração numa pesquisa sobre “como clonar a loura perfeita”, lançou ainda este ano o livro que em inglês se intitula “Sangue e entranhas – uma história da cirurgia”, imediatamente publicado pela Geração Editorial no Brasil, com o título mais atraente de “Sangue e entranhas – a assustadora história da cirurgia”.
Nesse livro, ele conta como, há apenas cem anos, em pleno século 20, as cirurgias cerebrais eram tão arriscadas que seu resultado final era invariavelmente o cirurgião completamente coberto de sangue, e o paciente... morto! Já a lobotomia, desenvolvida nos anos 1920 pelo cirurgião português Egas Moniz (que por ela recebeu o Nobel), destinada a tornar dóceis doentes mentais violentos, foi durante muito tempo praticada com... um picador de gelo!
Um trecho do livro é dedicado à cirurgia plástica, que começou há quatro séculos com operações precárias do nariz. Mas em Pérgamo, cidade da Ásia Menor que fazia então parte do Império Romano, no ano 157, ninguém menos do que o famoso médico Cláudio Galeno (até hoje “farmácia galênica” é sinônimo de “farmácia de manipulação”), foi cirurgião dos gladiadores da arena local; aprendeu a estancar sangue, a remendar ossos e a remediar feridas de amputação de membros. Com isso, se tornou um dos pioneiros da anatomia, pois nas fraturas e amputações podia observar o funcionamento interno do corpo.
Em 1912, o médico francês Alex Carrel ganhou o Nobel como pioneiro dos transplantes de órgãos, somente em animais. Ele havia trocado as cabeças de dois cachorros, e patas de um cachorro branco e um cachorro preto. Realizou durante meio século centenas de transplantes e foi notando que os animais “pacientes” sobreviviam quando ele fazia um transplante tipo enxerto, isto é, quando inseria no animal, em outro lugar, tecidos de outra parte do corpo do mesmo animal. Mas não sobreviviam quando ele transferia órgãos de um animal para outro. Carrel sabia que estava lidando com uma força da natureza, mas não sabia de que tipo. Só mais tarde foram descobertos os mistérios do sistema imunológico.
Um marco na história da cirurgia em geral e da cirurgia plástica em particular ocorreu em 1917 no recém-inaugurado Queen’s Hospital, em Sidcup, na Inglaterra. O cirurgião Harold Gillies recebeu como paciente um tenente inglês que havia perdido o nariz na explosão de uma bomba em Ypres, na França, durante a Primeira Guerra Mundial. Sua aparência era tão horrível que as enfermeiras e atendentes foram proibidas de mostrar ao tenente sua imagem no espelho.
Gillies estudou demoradamente o caso e, primeiro, retirou um pedaço retangular de cartilagem da caixa torácica do tenente e a implantou na testa do militar. Semanas se passaram e se formou uma bossa alongada de cartilagem na testa do tenente, vagamente parecida com o nariz. O cirurgião então retirou a cartilagem da testa, a envolveu em pele tirada da própria testa e colocou tudo no lugar do nariz. O tenente ainda não podia olhar-se no espelho, mas em seguida Gilllies abriu duas narinas e esculpiu aquela bossa, dando-lhe a forma de um nariz que, agora sim, o tenente pôde ver no espelho, pois era bastante bom.
A Segunda Guerra Mundial também trouxe aperfeiçoamentos na cirurgia plástica, em aviadores atingidos no ar por incêndios em seus aviões em que as chamas do combustível chegavam a 700 graus. Na Inglaterra, esses pacientes horrivelmente queimados eram enviados ao Queen Victoria Hospital (não confundir com o Queen’s Hospital). A grande descoberta, ao invés de enxertar partes de pele de outro lugar do corpo, que podiam infeccionar, foi inserir  parte da pele restante do local atingido, sem retirá-la e mantendo assim a circulação do sangue, num tubo junto ao corpo, onde ficaria protegida da infecção. Em duas semanas a pele estava regenerada e se podia retirá-la do tubo.
Como muitas inovações tecnológicas, grandes males da guerra vieram para o bem da cirurgia.

Um comentário:

Anônimo disse...

Chegamos ao fim de mais um ano letivo, fim do 5º ano e é-nos proposta uma reflecção sobre os temas debatidos nas sessões de DV V.
Esta unidade curricular, que agora chega ao fim, acompanhou o nosso percurso curricular e muito nos tem ajudado…
Pautada pela inovação, reflecção, cultura e partilha, as sessões de domínios verticais são o espaço privilegiado para ver “além da Medicina”, tornando-nos mais humanos, mais humildes, mais atentos, dando-nos uma voz e mostrando-nos tantas outras.
Este ano letivo não foi exceção! Tivemos 8 sessões onde debatemos variadíssimos e interessantes temas. Seguidamente farei uma pequena reflecção sobre os temas que mais me marcaram.
Na primeira sessão tivemos o privilégio de contar com o professor João Correia Pinto numa sessão sobre a historia da cirurgia. Ninguém melhor do que ele, médico cirurgião, homem, pessoa que transmite um amor e dedicação à medicina nas suas eloquentes palavras, capazes de suscitar um entusiasmo e uma vontade de superação em todos os que o ouvem – um autentico mestre!
Nessa sessão falamos sobre a evolução da cirurgia, desde o tempo em que estas eram realizadas a “sangue frio” sem anestesia nem condições de assepsia, passando pela primeira abordagem à anestesia, com a inalação de éter. Aprendemos que o ácido carbólico foi o primeiro agente utilizado para a desinfecção e esterilização das mãos, tendo as luvas sido introduzidas na cirurgia pela esposa do cirurgião por ter uma atopia ao agente. Aprendemos também que um marco histórico na historia da cirurgia, mas também de toda a medicina, foi a introdução do conceito de lavar as mãos entre os pacientes, após um médico turco ter verificado uma diminuição das infeções nas puérperas com este gesto. Foi sem dúvida uma sessão espetacular, onde houve espaço para um pequena partilha de experiencias entre os alunos relativamente às residências hospitalares. Esta sessão teve tudo o que esperamos de uma sessão de domínios, mostrando mais uma vez a amplitude e importância dos DV para nós, aspirantes médicos.
Outra sessão que também me marcou e portanto gostaria de abordar foi a sessão do filme “As luzes da Ribalta”. Em primeiro lugar porque sou uma amante de filmes, pelo poder que têm em me fazer “voar” para outro mundo, entrar numa outra realidade, num outro corpo, ver o mundo com outros olhos, outra perspetiva e aprender diferentes crenças, culturas e formas de expressão. Acredito que os filmes nos tornam melhores pessoas e claro, melhores médicos, tornando-nos pessoas mais atentas e empáticas. Este filme vai certamente marcar a minha vida! No meu entender, este filme fala sobre o amor, dedicação e efemeridade. No que ao amor diz respeito, o filme mostra-nos o amor entre duas pessoas e o amor a uma profissão. Mostra-nos um lindo amor que ultrapassa a idade, entre um comediante e uma jovem bailarina destroçada. Mostra-nos o amor imenso que ambos têm às suas profissões, sendo capazes de superar todas as dificuldades que a vida lhes coloca com dedicação e espírito de sacrifício. Mas por outro lado, mostra-nos e alerta-nos para a efemeridade do sucesso, da fama, e da própria vida. Mostra-nos que tão rápida é a ascensão como a queda, preparando-nos assim para um Mundo real, duro, injusto mas igualmente belo. Este filme fez-me pensar sobre a minha própria vida… permitindo-me concluir que esta deverá ser alicerçada no amor à minha profissão, pois quero desempenha-la com toda a sabedoria que aprendi mas também com todo o amor, dedicação e carinho; fez-me pensar na importância da minha família e amigos como pilares de mim própria, pois são eles a razão da minha “luta” diária e quero faze-los muito felizes!
Para terminar, gostaria de reforçar a importância que esta unidade curricular teve para mim! Foi um espaço de partilha e sobretudo de reflexão sobre o mundo e as pessoas que nos rodeiam. Concluo com uma frase, que é também um lindo desejo. Tornou-se um lema dos DV e é também o meu lema de Vida:
“Sejam Felizes!”