28 de maio de 2013

A bela erudição de Umberto Eco

Resenha no Diário do Comércio de São Paulo: A bela erudição de Umberto Eco - Renato Pompeu - Como todos os livros de ficção, e mesmo de não-ficção, do escritor e professor universitário italiano Umberto Eco, que no mês que vem completa 80 anos, o romance “O cemitério de Praga”, lançado na Itália ainda este ano e que já está na segunda edição brasileira pela Record, é absolutamente irresistível. Alguns de seus ingredientes; receitas médicas tendo como componente a cocaína, assinadas por Sigmund Freud; uma falsa correspondência do capitão Dreyfus à Embaixada da Alemanha, um abade que morre duas vezes, uma dama que cultua Satã, todo o processo de falsificação que redundou nos famigerados “Os protocolos dos sábios do Sião”, maçons que estrangulam padres, intrigas de jesuítas, um seguidor de Garibaldi que desaparece no mar... Que prazer essa leitura! O mais interessante é que é tudo verdade, menos o personagem principal. Eco é um ficcionista muito peculiar, em primeiro lugar por ter começado já aos 50 anos de idade, ou seja, há trinta anos atrás, com “O nome da rosa”. Antes, ele era conhecido por seus trabalhos científicos sobre medievalismo, comunicação e semiótica. Nasceu em 1932, em Alessandria, uma cidadezinha no Noroeste da Itália, filho único de um contador. Quando começou a Segunda Guerra Mundial, a família deixou a cidade e foi para a área rural, mais protegida em relação a bombardeios. Mesmo assim, havia a convivência forçada com autoridades fascistas, soldados nazistas e guerrilheiros esquerdistas, convivência que ele recriaria em seu segundo romance, “O pêndulo de Foucault”, de 1988. Logo depois do fim da Segunda Guerra, Eco se matriculou em Direito na Universidade de Turim, mas rapidamente se interessou pela filosofia medieval e pela literatura. Ligado à Juventude Universitária Católica, doutorou-se em 1954, aos 22 anos, com uma tese sobre Santo Tomás de Aquino. Em seguida, foi trabalhar na RAI, a rede estatal italiana de televisão, como editor de cultura, emprego que lhe permitiu reunir a familiaridade com a cultura contemporânea à familiaridade que já tinha com a cultura medieval. Nessa ocasião, seu primeiro livro foi sobre os conceitos estéticos da “Suma teológica”, a grande obra de Santo Tomás. Já professor na Universidade de Turim desde 1956, e depois em Florença e Milão, sempre gozando de alta consideração como medievalista, tornou-se editor na famosa Casa Editrice Bompiani, especializada em alta cultura. Em 1962, aos 30 anos, publicou o ensaio “A obra aberta”, já não mais sobre a Idade Média, mas sobre o modernismo. Ele se consagrou mundialmente com esse livro como o maior teórico da ambiguidade e da plurissignificação das grandes obras da arte moderna e do papel fundamental do leitor na elaboração de um significado pleno da obra. Em outras palavras, o grande autor moderno deixa a cada leitor a resolução do enigma que a obra representa. Nos anos seguintes, ele se tornou o principal nome em todo o mundo da nova disciplina da semiótica, que considera os textos como sistemas de signos. Mais do que isso, ele aplicou as técnicas da semiótica para interpretar, além de textos, também obras das artes plásti9cas, arquitetura, cinema e até histórias em quadrinhos. Uma de suas grandes descobertas foram os conceitos de informação nova e de ruído na comunicação. Por exemplo, num texto, as informações novas são aquilo que o leitor desconhecia antes de lê-las nesse texto, e os ruídos são as noções com que o leitor já estava bem familiarizado. Eco descobriu que, quanto maior a quantidade de informações novas, mais “difícil” o livro era considerado, e que, quanto mais ruídos tivesse, mais “acessível” ficava para a grande massa de leitores. Isso influenciou toda uma série de autores contemporâneos, que passaram a aplicar as descobertas da semiótica para fazerem, principalmente na televisão e no cinema, mas também na literatura, obras que fossem o menos inovadoras que fosse possível, para que pudessem atingir uma grande massa de usuários. Eco, porém, não seguiu essa tendência de exagerar no já conhecido e no bem banalizado. Ao ser desafiado por um amigo, em 1978, a escrever um romance policial, ele, que nunca antes havia pensando em ser um ficcionista, vislumbrou uma oportunidade nova: a de fazer um romance que ao mesmo tempo fosse um policial clássico e cumprisse exemplarmente os cânones do que ele havia definido como “obra aberta”, isto é, ambígua e a cada passo com significados múltiplos para cada leitor fazer a sua decodificação pessoal, participando assim da criação de uma obra de arte deixada “aberta” pelo autor. Dois anos depois, saía “O nome da rosa”, um livro cheio de informações novas e parco em ruídos. Em suma, o livro tinha tudo para NÃO se tornar um best-seller, pois contrariava todas as regras do sucesso. Entretanto, para surpresa do próprio Eco, milhões de pessoas no mundo inteiro leram o livro, a ponto de que, seis anos depois de sua publicação, ele foi transformado num filme com o famoso ator Sean Connery. Agora, chegou a hora do deleite inefável de “O cemitério de Praga”, outra obra aberta cheia de novidades encantadoras.

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