8 de junho de 2013

As dinastias políticas dos EUA

Resenha encomendada pela revista Retrato do Brasil - As aristocracias políticas nos Estados Unidos - Renato Pompeu - Entre as chamadas democracias do mundo ocidental, a dos Estados Unidos é a segunda mais antiga, só perdendo para a Suíça. Talvez se possa dizer que essas democracias, pela sua própria antiguidade, estejam também entre as mais antiquadas. Por exemplo, na Suíça foi só em 1971 que as mulheres conseguiram direito de voto, e até hoje não se ouve falar em mulheres importantes na política suíça. Já os Estados Unidos contam com “a nata das natas”, dezesseis famílias historicamente importantes no Executivo, e cerca de 170 famílias realmente importantes no Legislativo. Essas informações sobre os EUA constam de um clássico da ciência política americana, originalmente publicado em 1966, isto é, antes dos Bush e dos Clinton, com uma segunda edição ampliada em 1997, a qual vem sendo desde então sucessivamente reimpressa pela Transaction Publishers. Trata-se do livraço de cerca de 750 páginas em grande formato “America’s Political Dinasties – with a new introduction and appendix by the author”, “As dinastias políticas dos Estados Unidos – com nova introdução e novo apêndice pelo autor”, Stephen Hess, professor emérito de 80 anos da Brookings Institution (tinha 33 anos quando lançou a primeira edição deste seu livro). Especializado em pesquisas exaustivas, Hess também é autor de extensos estudos sobre os cartuns políticos americanos e sobre a atribulada história da imprensa de seu país. Em 1966, Hess calculava que um entre cada dez deputados e senadores de então tinha ancestrais que também haviam sido congressistas desde a fundação do país. Quanto ao Executivo, ele dedica capítulos especiais às que considerou as principais dinastias políticas americanas: as famílias Adams, Lee, Livingston, Washburn, Muhlenberg, Roosevelt, Harrison, Breckrindge, Bayard, Taft, Frelinghuysen, Tucker, Stockton, Long, Lodge e Kennedy, listadas segundo a ordem cronológica dos períodos em que cada uma delas alcançou inicialmente a preeminência. Hess comenta: “É interessante que em nossa democracia tenhamos escolhido ter uma tal classe de elite, livremente eleita, é certo”. Ele é especialmente qualificado para tratar do assunto. Formado em ciência política em 1953, precocemente aos 20 anos de idade, pela prestigiosa Johns Hopkins University, em 1959, ou seja, aos 26 anos, Hess se tornou assessor do então presidente, o general Dwight Eisenhower, cujos discursos escrevia. Além de ter sido consultor do Comitê Nacional Republicano, ele também foi assessor dos presidentes Richard Nixon e Gerald Ford, ambos republicanos, mas também do presidente Jimmy Carter, democrata. Seu livro é eminentemente documental, uma espécie de genealogia comentada das dezesseis famílias que escolheu, as que tivessem, ao longo do tempo, pelo menos quatro membros eleitos para mandato federal, daí para mais. Por exemplo, a família Adams deu dois presidentes da República, os Roosevelt deram também dois presidentes. Não se espere de Hess nada mais do que uma história factual listando relatos biográficos e descrições de carreiras de seres humanos aparentados entre si. Nenhuma análise profunda sobre a concentração de poderes políticos na sociedade americana. No entanto, o livro foi considerado tão incômodo pelos setores que comandam os Estados Unidos, em especial sua mídia, que ele não ganhou maior repercussão, principalmente nos jornais e revistas de maior prestígio. Enquanto a grande mídia global dá destaque a dinastias políticas do Oriente como indicativas de extrema concentração do poder político em diferentes países, como os Kim da Coreia do Norte, os Gandhi da Índia e os Bhuto do Paquistão, a existência de dinastias políticas nos Estados Unidos é encarada como algo “natural”, a ponto de o próprio Hess ter uma vez comentado que é natural que muitos donos de padarias sejam filhos de donos de padarias. Somente em seu capítulo inicial – os demais são destinados, cada um, a relatos factuais sobre cada família das dezesseis que escolheu – Hess tenta algo mais parecido com uma interpretação. Ele nota que, embora a Constituição do país determine que “Nenhum título de nobreza será outorgado pelos Estados Unidos”, a história prova que há uma “nobreza política” americana. Hess calcula: “Há cerca de 700 famílias em que dois ou mais membros serviram no Congresso e elas incluem quase 1.700 dos 10 mil homens e mulheres que foram eleitos para o Legislativo federal desde 1774”. Ele não exerce o senso crítico além de notar que “esse ponto cego igualitário” praticamente não é percebido pelo grande público americano e mesmo pelos pesquisadores especializados em política. Cita uma frase do pensador John Fischer para explicar a situação: “A noção de que pessoas excepcionais devem gozar de consideração excepcional – e que suas capacidades possam ser transmitidas por herança – é sentida como chocantemente antidemocrática e antiamericana”. No entanto, só no Senado americano, em 1966, havia dezoito senadores integrantes de dinastias políticas. O que se pode dizer é que, desde 1966, o culto às celebridades e a suas famílias aumentou enormemente e hoje não parece nada antidemocrático que Hillary Clinton, mulher do ex-presidente Bill Clinton e ex-secretária de Estados, possa ser a próxima presidente dos Estados Unidos. Pelo contrário, grande parte do povo americano encara isso não só com simpatia, mas também com admiração. Além de apresentar dezenas de longas listas, cada uma de altos cargos ocupados por pessoas com o mesmo sobrenome ou pelo menos aparentadas, o que Hess faz é perguntar, sem responder: “Essa tendência pode ocorrer porque os cargos públicos se estão tornando uma tradição de família, como há muito tempo é o caso na Grã-Bretanha, ou porque a política se está tornando ‘um esporte de ricos’ e as dinastias podem em geral sustentar sua prática; ou porque os americanos votam em um filho com a impressão de que estão votando no pai – ou no avô; ou porque consideramos garantido que os ‘Duques do Povo’ vão manter suas mãos fora dos cofres públicos; ou porque há alguma capacidade que possa ser transmitida pelos genes; ou simplesmente porque os eleitores têm uma fraqueza especial por dinastias”. Hess, assim, não parece estar consciente de que o que está descrevendo é um monstruoso mecanismo de concentração de poder numa sociedade que acredita ter o poder político mais democraticamente pulverizado em todo o mundo. Ele constata, por exemplo, que pelo menos oito das dezesseis famílias mais importantes na história americana já haviam chegado à América nos anos 1600 e apenas duas chegaram depois de 1776. Com exceção dos Kennedy, católicos-romanos, todas essas famílias eram protestantes. De 83 “dinastas” listados, 57 se formaram em Direito. Somente cinco das dezesseis dinastias são originárias de fora das Treze Colõnias originais. Mais da metade eram famílias milionárias – e aqui há um dado surpreendente que Hess não explora, ou seja, o de que grande parte, quase a metade, das famílias mais importantes da política americana, nunca haviam sido milionárias desde as origens até 1966, quando lançou o livro, o que sem dúvida chama a atenção para uma não sobreposição mais completa entre o poder econômico e o poder político. Hess assinala que, enquanto as dinastias políticas têm sido em geral prósperas, raras delas foram imensamente prósperas, do tipo das famílias Vanderbilt e Astor, que nunca entraram na política. O interessante é que, como a grande maioria das dinastias políticas são de famílias antigas, em grande parte elas foram donas de terras: primeiro as cultivaram, depois as venderam. (Um ponto importante é que Hess não esclarece se essas propriedades eram escravistas ou não). Poucas famílias foram empreendedoras em outro ramo, como os Livingston, família na qual entrou pelo casamento o principal pioneiro da navegação a vapor, Robert Fulton. Os Livingston detiveram durante algum tempo o monopólio das linhas de navios a vapor. Já os Stockton controlaram o transporte ferroviário entre Nova York e a Filadélfia. A maioria das famílias politicamente importantes continuou a depender de propriedades territoriais – a não ser, como nota Hess, quando seus membros masculinos casavam com herdeiras menores das famílias do tipo Vanderbilt e Astor. Aliás, o presidente Dwight Eisenhower, de origem alemã, não integrante das dinastias políticas, ao procurar algo em comum entre ele e os políticos com que convivia, descobriu uma única característica partilhada por todos: invariavelmente, todos e cada um haviam casado com mulheres acima de seu nível social e econômico. O livro de Hess é todo assim; cheio de lampejos que fazem pensar e vazio de tentativas de interpretação.

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