8 de outubro de 2013
Os contos de Kenzaburo Oe
Resenha no Diário do Comércio de São Paulo
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Contos emocionantes, do
japonês Kenzaburo Oe.
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Renato Pompeu
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Eis um livro do grande escritor japonês Kenzaburo Oe, que aos 77 anos é considerado o principal autor de seu país e que obteve o Prêmio Nobel em 1994, livro que jamais foi publicado no Japão, embora todos os seus textos tenham sido lá editados. Trata-se de “14 contos de Kenzaburo Oe”, publicado pela Companhia das Letras. São contos escolhidos pela tradutora brasileira, Leiko Gotoda, retirados da vasta coleção de histórias curtas de Oe. Assim, esse volume com esses 14 contos é específico do Brasil.
E não poderia haver melhor escolha. Oe representa o que há de melhor na cultura japonesa contemporânea. Nascido em 1935 num remoto povoado da Ilha de Shikoku, descendente de samurais, Oe entrou para a escola no momento em que o Japão entrava na Segunda Guerra Mundial e tinha dez anos quando o lançamento pelos Estados Unidos das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki causou um profundo trauma em toda a população japonesa. A 15 de agosto de 1945, o imperador Hirohito, ao anunciar a rendição, explicou que, na verdade, não era um deus, como quase todos no Japão acreditavam. Oe lembrou, quando já era um escritor famoso, o abalo que sofreu na época, lembrando-se que o Japão nunca tinha perdido uma guerra e era considerado invencível por seu povo:
“Já bem avançado aquele verão, nossos professores – que antes nos tinham ensinado que o imperador era um deus, nos tinham feito nos inclinarmos em reverência a seu retrato, e tinham pregado que os americanos não eram seres humanos, mas mais propriamente demônios ou animais – agora começaram a dizer coisas que eram bem o contrário disso, e para falar a verdade fizeram a mudança de modo muito abrupto”.
O menino Oe ficou tão chocado que deixou de frequentar a escola durante algumas semanas, escondendo-se na floresta durante as horas de aula, para que a mãe viúva não percebesse que ele estava faltando às aulas. Depois de ter ficado doente por ter tomado chuvas sem abrigo na floresta, voltou a ir à escola. Aos 19 anos, em 1954, entrou para a Universidade de Tóquio, estudando ciência e matemática, mas logo se voltou para a literatura e se matriculou em literatura francesa. Ao mesmo tempo, militou contra o tratado de 1951 entre o Japão e os Estados Unidos, segundo o qual os EUA defenderiam o Japão de qualquer ataque militar, e em troca manteriam bases e tropas em território japonês, o que acontece até hoje.
Já consagrado como grande autor por volta dos 25 anos, na passagem dos anos 1950 para 1960, Oe se destacou no cenário cultural japonês por não se contentar em saudar a modernização e a prosperidade do Japão no pós-guerra, como fazia a maioria dos autores, e sim por fazer todo um esforço para discutir mazelas do passado e lançar dúvidas sobre as maravilhas do presente. Em vários de seus livros, usou a experiência que teve na educação de seu filho deficiente, Hikari, para descrever crianças deficientes como símbolos do mal-estar entre a juventude japonesa. O primeiro livro com essas características, o romance “Uma questão pessoal”, foi publicado em 1964, e já foi editado em tradução pela Companhia das Letras. (Hikari ainda hoje mal consegue falar, mas compõe música de câmara e só um seu CD vendeu um milhão de exemplares).
Agora, a edição com os 14 contos é aberta com uma preciosa introdução de Artur Dapieve, que conclui, lembrando-se que Oe se considera “um anarquista que ama a democracia”: “Como o próprio Kenzaburo Oe já proclamou, sua obra trata da dignidade dos seres humanos. Obra nascida da sua própria dignidade”.
Essa preocupação já aparece no primeiro conto da coletânea brasileira, originalmente publicado em 1957, quando, aos 22 anos, Oe ganhou o prêmio de contos num concurso universitário. Trata-se de “O armazém zoológico”, escrito como se fosse um ato de peça de teatro, um diálogo entre o zelador do armazém, a escriturária, o funcionário do circo e o estudante, justamente tendo como tema central a dignidade humana.
A temática da dignidade humana atravessa todos os contos, até o último, o mais recente, de 1990, quando Oe tinha 55 anos, “A dor de uma história”. Em parte conto, em parte um ensaio literário, nessa obra Oe discute profundamente também a dignidade da literatura, dando uma visão japonesa, entre outros assuntos, sobre a cultura ocidental. O conto é bem centrado na vida e obra do escritor francês Céline, que escreveu belos romances sobre a gente pobre de Paris, que na sua visão eram prejudicados por agiotas judeus. Céline aderiu ao nazifascismo, certo de que esse movimento salvaria os pobres, mas esse radicalismo abominável, a que foi levado por seu abominável antissemitismo, não tira a dignidade literária de sua obra, é o que parece dizer Oe.
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