15 de agosto de 2013
Livros importantes, de Kehl a Ianni, passando por Gorender
Livros muito importantes
Renato Pompeu
Começamos com “18 crõnicas e mais algumas”, da psicanalista e jornalista paulistana Maria Rita Kehl, bem conhecida dos leitores de “Caros Amigos”, livro publicado pela Boitempo Editorial. Se trata de artigos que ela publicou em jornais e revistas, inclusive o seu último artigo no jornal “O Estado de S. Paulo”, tão polêmico que provocou a extinção de sua coluna. Maria Rita Kehl se destaca entre a chamada intelectualidade pública do País por duas características principais: primeira, diz o que pensa; segunda, pensa o que diz.
De um dos principais teóricos de economia política do Brasil, o baiano radicado em São Paulo, Jacob Gorender, temos uma muito bem-vinda reedição do seu clássico de quatro décadas atrás, “O escravismo colonial”, pela Editora Fundação Perseu Abramo. Esse livro é referência obrigatória para quem queira se aprofundar no estudo da escravidão colonial, o que em geral é reconhecido pela academia, apesar de Gorender não pertencer ao dito universo universitário, pois dedicou suas energias à militância em favor dos despossuídos e dos carentes. Entretanto, o livro foi muito criticado, basicamente a partir do equívoco de considerá-lo uma obra de história social, ou de história econômica. Trata-se, na verdade, de uma obra teórica de economia política; nele Gorender estuda o modo de produção escravista colonial, abstraindo de avaliar se esse modo de produção foi, deixou de ser, ou nunca foi dominante dentro da formação econômico-social constituída pelo Brasil-Colônia e pelo Brasil-Império, que, como toda formação econômico-social é um dado da realidade, não da teoria, e amalgama na prática vários modos de produção e várias combinações entre eles. Também, e com mais razão ainda, deve ser esclarecido que Gorender estuda especificamente o modo de produção escravista colonial, abstraindo de sua função maior ou menor dentro do sistema-mundo de que fazia parte. Não se trata, portanto, de discutir a inserção do modo de produção escravista colonial no capitalismo mercantil ou no capitalismo industrial.
Outro lançamento muito importante: o romance “K.”, do jornalista paulistano Bernardo Kucinski, que foi quadro do governo Lula, publicado pela Expressão Popular. Além de retraçar, de modo romanceado, a saga de sua irmã Ana Rosa Kucinski e seu marido Wilson, que se incluem entre os “desaparecidos” do regime militar, do ponto de vista dos esforços de seu pai para localizar a filha e o genro, e de reconstituir assim um dos capítulos mais obscuros das atrocidades daquela época, o livro tem rigorosamente caráter de obra muito bem elaborada artisticamente. O livro atinge as alturas artísticas de Franz Kafka, tal o clima de pesadelo que Bernardo Kucinski soube tecer com mãos de mestre. É realmente a obra de ficção por excelência que mais bem retrata os horrores do regime militar, de mais alta qualidade, tanto pelo talento do autor como por suas décadas de maturação, do que os romances lançados no calor do momento.
Ainda temos a reedição de “O lenhador”, poema em voz alta publicado inicialmente em 1918, pelo célebre compositor Catullo da Paixão Cearense, autor da canção “Luar do Sertão” (“Não há, ó gente, ó não, luar como este do sertão”), e agora lançado pela Editora Peirópolis. O organizador, Francisco Marques, conhecido como Chico dos Bonecos, apresenta duas versões do poema: no linguajar sertanejo e no português brasileiro da norma culta. É, literalmente, para ler em voz alta.
Frei Betto, que dispensa apresentações, brinda os leitores com um romance sobre suas Minas Gerais, “Minas do Ouro”, publicado pela Rocco. É um romance histórico, a saga de uma família mineira durante os últimos cinco séculos. Das entradas e bandeiras até os dias atuais, passando pelo ciclo do ouro e dos diamantes, por Tiradentes e Aleijadinho, com uma construção romanesca requintadamente barroca, toda a nossa história, encarnada em Minas, desfila diante dos olhos dos leitores e leitoras.
Para encerrar, duas obras magnas de dois grandes cientistas sociais de São Paulo: do já falecido Octavio Ianni, “A sociologia e o mundo moderno”, lançamento da Civilização Brasileira, até agora inédito no Brasil. São ensaios, artigos, estudos e pesquisas, em que Ianni analisa situações contemporâneas a partir de uma interpretação muito rica de conceitos dos teóricos alemães Karl Marx e Max Weber. E, do atuante Ricardo Antunes, “O continente do labor”, outro lançamento da Boitempo Editorial; o tema é irresistível – o impacto avassalador da crise global, que afeta todos os continentes, do capitalismo contemporâneo, sobre o mundo do trabalho, tornado, como sentimos na pele, a cada dia mais precário e a cada dia menos digno.
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