4 de novembro de 2013

Um crítico literário da História

Trabalho de História - Hayden White, narração e representação - Renato Pompeu - Neste seminário, lidaremos com alguns dos aspectos da complexa e multifacetada visão do historiador, ou melhor do crítico da história, no sentido de crítico literário da história, americano Hayden White, 85 anos. Pois não podemos, neste pequeno espaço, dar uma visão geral de sua obra; afinal, só a parte teórica e metodológica de seu livro mais famoso, Metahistory: The Historical Imagination in 19th-century Europe, Baltimore, The Johns Hopkins Press, 1974, tem cerca de 50 densas páginas, de uma complexidade altamente requintada. Talvez possamos nos orientar pela resenha desse livro publicada pelo professor Whitaker T. Deininger, da Universidade Estadual de San Jose, Califórnia, Estados Unidos, na revista History: Review of New Books, Volume 2, Issue 5, 1974, em http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/03612759.1974.9947283, acessado em maio de 2012: “A tese linguística sobre o método e a escrita históricos (‘Introdução’ e ‘Conclusão’) argumenta que ‘o historiador confronta o campo histórico de maneira muito parecida à maneira pela qual o gramático pode confron- tar um novo idioma’. (...) As obras históricas são vistas como refletindo u- ma ‘estruturação’ pré-conceitual e poética de seus materiais ou dados (‘o registro histórico’). As teorias e as interpretações históricas não podem ser refutadas; mas podem ser, de modo útil e desafiador, classificadas nu- ma variedade de modos”. Um desses modos de classificação seria de acordo com o tipo de “enredamento” que a obra histórica encarna, White indicando os tipos romântico, trágico, cômico e satírico; ou de acordo com o tipo de “argumento” (no sentido dessa palavra usado no teatro ou no cinema), havendo os tipos formista, mecanístico, organicista e contextualista; e ainda de acordo com o tipo de “ideologia”, incluindo os tipos anarquista, radical, conservador e progressista. Segundo Deininger, White sequer se preocupa com o problema da aferição do “valor de verdade” de cada obra histórica. Mas White assinala que os historiadores produzem histórias que se configuram como metáforas, metonímias, sinédoques ou ironias, ou seja, formas de análise da poesia ou da linguagem figurativa. Aqui, no entanto, Deininger chama a atenção para o fato de que essas teorias linguísticas, baseadas nos pensadores Kenneth Burke, Claude Lévi-Strauss e outros, funcionam apenas como o “menu” apresentado por White. O mais importante seriam os requintados “pratos” servidos a seguir, ou seja, os estudos aprofundados e finamente lapidados sobre os historiadores Michelet, Ranke, Burckardt e Tocqueville, e sofre os filósofos da história Hegel, Marx, Nietzsche e Croce. Em outras palavras, se se pode discutir a visão de White sobre as relações entre a história e a literatura, que para ele chegam a ser indistinguíveis, não se pode discutir o valor cognitivo de seus estudos concretos da obra de cada historiador e cada filósofo da história que ele aborda, bem como não se pode negar que da leitura de seus estudos emanam prazeres intelectuais inefáveis. Diz Deininger: “O autor ousa opinar que não pode ser estabelecida nenhuma demarcação criteriológica absoluta entre as interpretações da história e as filosofias da história”. Ao final, Deininger se escandaliza, a ponto de encerrar a frase com um ponto de exclamação: “O professor White afirma que não existe nenhum teste objetivo ou prova objetiva que permita provar que uma interpretação histórica é mais verdadeira do que outra!” Mais sobriamente, Deininger reconhece: “Nenhuma resenha breve pode fazer justiça à erudição e à sutileza conceitual do professor White”. No entanto, aqui há uma peninha: se White demonstra uma “sutileza conceitual”, será que ele abordou a história de modo diferente dos demais historiadores, cujas obras, segundo ele, obedecem a estruturações pré-conceituais e poéticas? Qual o “valor de verdade” da obra do próprio White? Demos a palavra ao próprio White, num seu livro de atmosfera intelectual menos pura e menos rarefeita. No prefácio de The Content of the Form – Narrative Discourse and Historical Interpretation, Johns Hopkins University, Baltimore, 1987, em http://books.google.com.br/books?hl=pt-BR&lr=&id=3GWqOS-52IsC&oi=fnd&pg=PR9&dq=Hayden+White&ots=lGncS_l898&sig=s276zCQjH75zvECItsQeE_sBDUM#v=onepage&q=Hayden%20White&f=false, acessado em maio de 2012, ele afirma que a relação entre o discurso narrativo e a interpretação histórica se torna um problema para a teoria histórica na medida em que a narrativa não pode ser considerada uma forma discursiva “neutra”, que pode ou não ser usada para descrever fenômenos reais como processos em desenvolvimento, mas na verdade envolve “escolhas ontológicas e epistêmicas com distintas implicações ideológicas e mesmo especificamente políticas”. As narrativas históricas seriam verdadeiras mitologias com uma coerência ilusória, “com significados mais característicos do pensamento onírico do que do pensamento em vigília”. Mas o que dizer das narrativas históricas de autoria do próprio White? Na verdade, a julgar por uma entrevista, intitulada “Hayden White Talks Trash”. que concedeu em maio de 2001 a Frederick Aldama, responsável pelo site BadNews, em http://bad.eserver.org/issues/2001/55/white.html, acessado em maio de 2012, White parece ter reconsiderado aquela postura que escandalizou Deininger. Diz White: “Me intriga que o marxismo não seja de jeito nenhum desmentido pela queda da União Soviética. Mas, ao contrário, a queda do sistema soviético é completamente compreensível em termos da análise que os marxistas fazem dos modos em que ocorrem as transformações históricas fundamentais, do mesmo modo que uma análise marxista das fases do capitalismo e do auge e da baixa e da imprevisibilidade do sistema capitalista, do modo em que essas coisas são compreensíveis de um ponto de vista marxista, e do modo em que não são compreensíveis de um ponto de vista capitalista”. Em outras palavras, para o White de 2001, o marxismo permite elaborar interpretações históricas mais próximas da “verdade” do que as visões capitalistas. Em suma, ele continua sendo um pensador instigante e instigador, e o seminário deve se abrir mais para perguntas do que para tentativas de respostas. ROTEIRO DO SEMINÁRIO PLANO DO SEMINÁRIO – O público-alvo do seminário serão os alunos do primeiro ano de História do ensino à distância do Centro Universitário Claretiano, Polo de São Paulo. São alunos já em geral na fase madura da idade adulta, muitos deles professores do ensino fundamental que almejam se tornar professores do ensino médio e superior, e outros profissionais de outras carreiras que, já bem avançados em idade, buscam tanto aumentar de forma disciplinada os seus conhecimentos como se preparar para futuros cursos de especialização, mestrado e doutorado. Os alunos e alunas dessas categorias todas são bastante interessados e motivados para aprenderem e se desenvolverem, mas não têm condições de frequentar cursos presenciais, por não disporem de tempo livre em horários fixos. Assim se candidataram ao aprendizado à distância, mas escolheram o Claretiano justamente por causa do rigor e da respeitabilidade da instituição, de modo que não estão simplesmente em busca de facilidades para obter um diploma. O autor a ser discutido é o americano Hayden White. O tema será “O valor de verdade das diferentes interpretações históricas segundo as observações de Hayden White”. Mais exatamente, a discussão terá como tema duas colocações diversas de White a respeito da existência ou não de “verdades mais verdadeiras do que outras” (ver dissertação acima). Numa, ele disse que não há como aferir objetivamente a maior ou menor validade de uma determinada interpretação histórica em confronto com outra, pois ambas, como todas as interpretações históricas, partem de pressupostos pré-conceituais e mesmo poéticos de livre escolha de seu autor. Noutra, ele diz que as interpretações históricas marxistas sobre o capitalismo têm mais validade do que o que chama de interpretações capitalistas do próprio capitalismo. O tema central é: White estaria sendo incoerente, ele teria evoluído de uma posição para a outra, ou as duas posições podem ser mantidas em conjunto? Os objetivos do seminário são levar os alunos a refletirem sobre a profissão que pretendem abraçar, a profissão de historiador. O historiador ou historiadora descreve “os seres humanos no tempo”, mas como o passado pode ser “reconstruído” no presente? É possível estabelecer a “verdade histórica” ou cada historiador ou historiadora estabelece a sua “verdade” sobre aquele fragmento do passado que está estudando? É possível estabelecer uma hierarquia de “verdade”, de “veracidade”, ou de “verossimilhança” entre diferentes interpretações históricas do mesmo fragmento do passado? Ou todas as “verdades históricas” são iguais entre si em termos de “verdade”, de “veracidade”, ou de “verossimilhança”? Mas o objetivo principal é destacar que toda “verdade”, por mais “parcial” ou “enviesada” ou “equivocada” que seja, merece estudo aprofundado. “Nada do que é humano me é estranho”, diz o provérbio latino. E o filósofo húngaro György Lukács constatou: “O falso faz parte do verdadeiro, tanto enquanto falso como enquanto não-falso”. Os recursos didáticos serão a distribuição prévia de traduções em português da bibliografia recomendada. A metodologia a ser seguida será a seguinte: haverá uma mesa-redonda com um apresentador-mediador, que será o professor, o qual abrirá a sessão e apresentará o tema, ou seja, apresentará oralmente a dissertação acima, e dois debatedores, alunos escolhidos com pelo menos um mês de antecedência, um deles encarregado de defender a tese de que as diferentes “verdades históricas” são igualmente válidas no que se refere ao seu “teor de verdade”; o outro encarregado de postular que existem “verdades históricas” mais “verdadeiras” do que outras, ambos baseados na bibliografia. Em seguida, os demais alunos, até então apenas assistentes do seminário, se tornarão participantes ativos, usando da palavra ordenadamente, conforme forem se inscrevendo junto ao apresentador-mediador-professor. A avaliação será feita pelo professor segundo a maior ou menor e mais ou menos proveitosa participação no debate. BIBLIOGRAFIA ALDAMA, Frederick, “Hayden White Talks Thrash”, site BadNews, maio de 2001, em http://bad.eserver.org/issues/2001/55/white.html, acessado em maio de 2012. DEININGER, Whitaker T., “Review”, in History: Review of New Books, Volume 2, Issue 5, 1974, em http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/03612759.1974.9947283, acessado em maio de 2012. WHITE, Hayden, The Content of the Form – Narrative Discourse and Historical Interpretation, Johns Hopkins University, Baltimore, 1987, em http://books.google.com.br/books?hl=pt-BR&lr=&id=3GWqOS-52IsC&oi=fnd&pg=PR9&dq=Hayden+White&ots=lGncS_l898&sig=s276zCQjH75zvECItsQeE_sBDUM#v=onepage&q=Hayden%20White&f=false, acessado em maio de 2012 (só o prefácio).

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