3 de novembro de 2013
Gaia, teoria que confunde
Do Diário do Comércio de São Paulo
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Gaia, a teoria que parece muito
mais confundir do que explicar
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Renato Pompeu
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Se o falecido animador de televisão Abelardo Barbosa, conhecido como Chacrinha, costumava proclamar em altos brados: “Eu vim para confundir, eu não vim para explicar”, isso não tirava o interesse e a importância de suas estimulantes intervenções, sempre fecundas e criativas. Do mesmo modo, a chamada teoria Gaia, que, como as manifestações de Chacrinha, já se metamorfoseou várias vezes, tendo passado de teoria a mera hipótese, e às vezes é enunciada como simples princípio, é tão confusa que gerou sucessivos desentendimentos entre seus próprios seguidores. Mas ao mesmo tempo é uma tese tão fértil que gerou livros como esse “Gaia, de mito a ciência”, publicado pelo Senac, em que cinco brilhantes cientistas e pensadores brasileiros, reunidos pelo professor de Relações Internacionais e também de Pesquisas Ecológicas José Eli da Veiga, discutem diferentes vertentes da questão.
Esses cientistas são o biólogo e educador Charbel Niño El-Hani; o biofísico Mauro Rebelo; o biólogo, ecólogo e filósofo e historiador da ciência Nei Freitas Nunes-Neto; o biólogo, filósofo e historiador da ciência Ricardo Santos do Carmo e a geóloga Sonia Maria Barros de Oliveira, todos altamente credenciados para debater esse assunto literalmente intratável.
Na visão simplista amplamente difundida entre leigos e pela mídia, a hipótese Gaia é apresentada como postulando que o planeta Terra é um imenso ser vivo. Na visão mais científica, as apresentações variam segundo praticamente cada pesquisador que a defenda, mas de modo geral se pode dizer que ela propõe que, no nosso planeta, seres vivos e seres inorgânicos (o mundo mineral) interagem entre si para manter o próprio planeta no equilíbrio em que o conhecemos.
Mais especificamente, o equilíbrio do planeta, isto é, sua continuidade de existência tal como é, não depende apenas de condições físicas e químicas, mas essas próprias condições fisicoquímicas, como por exemplo as temperaturas vigentes e a salinidade dos oceanos, sofrem a influência dos processos biológicos provocados pelos seres vivos. Não se trata, assim, de que a vida surgiu e se mantém no planeta simplesmente aproveitando as condições físicas e químicas favoráveis para tal – se trata de que, na medida em que os seres vivos vão vivendo, incorporando matéria, metabolizando-a internamente e expelindo resultados disso, eles vão ao mesmo tempo modificando e mantendo condições físicas e químicas específicas.
No entanto, o próprio pioneiro principal da teoria, o biólogo inglês James Lovelock, de 94 anos, já mudou de posição tantas vezes sobre tantas conclusões derivadas de suas hipóteses – uma das mais controversas, já abandonada por ele mesmo apesar de datar de apenas sete anos atrás, sendo a de que, ao fim do atual século, a vida seria impossível na maior parte do planeta – que a situação realmente lembra Chacrinha.
Por exemplo, o organizador e os vários autores desse novo livro, apesar de defenderem a hipótese Gaia tal como a descrevemos acima, não aceitam, em nome da ciência, a tese ainda mantida por Lovelock de que todos esses processos entre organismos vivos e matérias inorgânicas têm como “objetivo” manter a continuidade da vida. Afinal, do ponto de vista puramente científico, a natureza não tem objetivo nenhum. Simplesmente as coisas vão acontecendo sem que obedeçam a uma finalidade predeterminada. A chamada teleologia, afinal de contas, é muito mais uma questão de religião, e não tem a ver com a ciência no sentido estrito do termo.
Em todo caso, em diferentes campos específicos de suas especialidades, os brilhantes cientistas reunidos neste livro conseguem demonstrar que a hipótese Gaia, reduzida a seus termos estritamente científicos, tem muito a contribuir para tornar inteligíveis determinados aspectos da realidade do nosso planeta.
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