31 de dezembro de 2013

Índios, negros e o padre Vieira

Da Carta Capital - O padre Vieira, os índios e os negros - Até o fim da primeira metade do século 20, todo brasileiro culto tinha na sua estante um exemplar dos “Sermões” do padre Antônio Vieira (1608-1697), jesuíta português radicado no Brasil-Colônia, famoso não só por seus discursos religiosos, mas também pela defesa da liberdade dos índios e por sua atuação política e diplomática em defesa dos interesses da Coroa. Depois, com a perda da importância dos sermões na vida cotidiana dos brasileiros, as obras de Vieira passaram a ser menos editadas. Mas agora, talvez pela entrada na ordem do dia do tema da corrupção, contra a qual, em sua época, Vieira lutou encarniçadamente, surge o precioso volume de mais de 750 páginas “Padre Antônio Vieira Essencial”, pela Penguin-Companhia das Letras, com uma seleção de seus sermões, correspondências e outros textos, organizada pelo consagrado professor de Literatura da USP, Alfredo Bosi. Na verdade, tão importante quanto, por exemplo, o famoso Sermão da Sexagésima, vem a ser a própria introdução de Bosi. Este esclarece como Vieira era um cultor do universalismo cristão segundo o qual todos os seres humanos são filhos de Deus; os índios eram iguais aos brancos, não podendo ser escravizados, e os governantes eram iguais aos governados, não podendo ser corruptos. Entretanto, como atestam os chamados Sermões do Rosário e a própria introdução de Bosi, havia uma peninha nesse universalismo cristão; era a situação dos negros. Estes também, de acordo com Vieira, eram filhos de Deus, mas, sempre segundo Vieira, podiam ser escravizados. Por quê essa discriminação? Bosi descreve como Vieira, para explicar sua incongruência, sai do “universo do entendimento”, para o qual todos os seres humanos nascem iguais em direitos e deveres, para entrar no “universo da fatalidade”, para a qual o miserável destino dos negros fora traçado por estrelas nefastas. Nem Bosi, nem Vieira tocam num ponto crucial: há quem defenda que a Coroa proibiu a escravidão dos índios porque era impossível cobrar taxas sobre os escravos índios, espalhados pela vastidão do território brasileiro, mas era muito mais fácil cobrar taxas sobre escravos negros, pela facilidade de fiscalização nos poucos portos de origem da África e mesmo nos poucos portos de chegada no Brasil. – RENATO POMPEU

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