27 de dezembro de 2013

Contradições dum grande jornalista

Da Carta Capital - O jornalista que era poeta e pugilista - Coroinha na infância, boxeador na adolescência e poeta na juventude, o jornalista polonês Ryszard Kapuscinski (1932-2007) foi um dos mais famosos correspondentes internacionais de toda a história do jornalismo, comunista militante de 1948 a 1981, e que até sua morte nunca criticou em público o Partido Unido dos Trabalhadores Poloneses (pertencia a uma ala que combatia o burocratismo e a superexploração dos trabalhadores pelos governantes stalinistas pró-soviéticos, como exemplifica um famoso artigo seu de 1955, sobre as precárias condições dos trabalhadores que construíam a “cidade-modelo” de Nowa Hut). Ele testemunhou em sua vida em países estrangeiros 27 revoluções, esteve preso 40 vezes e foi quatro vezes condenado à morte. Um currículo invejável para um correspondente internacional, mas a esse currículo se deve acrescentar que, em todas as dezenas de entrevistas coletivas de que participou, ele jamais fez nem uma única pergunta. Procurava não entrevistar chefes de Estado, ministros, políticos ou líderes – preferia, como neste “O xá dos xás”, sobre a Revolução Iraniana de 1979, publicado pela Companhia das Letras, ouvir a “voz rouca das ruas”. Kapuscinski afirmou que, quando se faz a cobertura de uma revolução, é preciso captar o momento em que cada pessoa comum “perde o medo”. A tradução em português foi feita a partir do original em polonês de 1982, e assim não tem os defeitos da edição americana de 1985, da qual foram expurgados trechos referentes à ação da CIA no Irã. A edição brasileira conta ainda com um precioso posfácio da jornalista brasileira nascida na Croácia Dorrit Harazim, que discute os lados escuros da vida do autor, sua imprecisão informativa e sua atuação como espião comunista, não só no Exterior, como dentro da própria Polônia. Mais do que jornalismo informativo, ele praticou o que se chamou de “jornalismo mágico”, aparentado de um lado ao realismo mágico da ficção latino-americana, e de outro lado às “sagas da nobreza”, narrativas românticas do século 19 sobre a Polônia medieval, os equivalentes poloneses aos romances do escocês sir Walter Scott. – RENATO POMPEU

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