29 de dezembro de 2013

O mágico Oz e os dilemas de Israel

Do Diário do Comércio de São Paulo - O mágico Oz e os dilemas em Israel - Renato Pompeu - Quase 40 anos depois de seu lançamento em Israel em 1976, chega ao Brasil, pela Companhia das Letras, em tradução direta do hebraico por Paulo Geiger, a ficção – três histórias entrelaçadas – “O monte do Mau Conselho”, do grande escritor israelense Amós Oz (a tradução usa acentos, inexistentes em hebraico), 72 anos, conhecido como “o mágico Oz”, numa referência ao personagem “O mágico de Oz”, por causa da beleza mágica de seus textos. Ele enfeitiça tanto os seus leitores, com seus textos ao mesmo tempo cuidadosamente realistas e extremamente verossímeis e com ressonâncias intensíssimas da vida íntima de cada ser humano que são como que poemas de percepções extrassensoriais, que parece um mágico. Por isso mesmo, os livros de Oz para adultos podem ser lidos com encanto por crianças e seus livros infantis podem ser livros com encanto também por gente grande. Além da história-título, “O monte do Mau Conselho” apresenta igualmente as histórias “O senhor Levy” e “Saudades”. São a rigor três novelas entrelaçadas por se passarem as três no mesmo período, entre a Segunda Guerra Mundial e 1947, quando se acentua na Palestina a revolta judaica que culminaria no ano seguinte com o fim do mandato britânico e com a fundação de Israel, e no mesmo local, um bairro da periferia de Jerusalém, perto do chamado Monte do Mau Conselho, onde, reza a lenda, ficava o palácio de Caifás, o sumossacerdote judaico que teria presidido o julgamento de Jesus Cristo (na verdade, as indicações históricas são de que Jesus Cristo foi julgado por autoridades romanas segundo as leis de Roma). Além disso, perto desse palácio, no alto do Monte do Mau Conselho, é que Judas Iscariotes teria revelado às autoridades o paradeiro de Jesus, por trinta dinheiros, moeda da época. Que é que isso tem a ver com o livro de Amós Oz? É apenas o eco distante de outra traição, desta vez ao judaísmo e ao sionismo, por uma mulher judia. Na primeira história, ou novela, “O monte do Mau Conselho”, uma jovem e bela judia polonesa, refugiada na Palestina com seu marido, sente saudades, naquele bairro de calor escorchante e vida austera, da vida movimentada que levava na Polônia, sempre cortejada por oficiais da Cavalaria. Num baile no palácio do alto-comissário britânico, também no monte do Mau Conselho, ela se envolve com um almirante britânico, com o qual se dispõe a fugir. Já nascido na Palestina em 1939, Oz reconstrói nessa história, e nas duas histórias que se seguem, a sua infância em meio aos pioneiros que, enquanto lutam para construir uma nova sociedade sem as mazelas que conheceram nas sociedades europeias de que provinham, sendo voltados assim para o futuro, ao mesmo tempo, naquela dura paisagem de sol e pedras, sentem saudades da vida que levavam nos ambientes mais coloridos e mais movimentados, mais cômodos e mais confortáveis, mais cultivados e mais artísticos, que vivenciavam na velha Europa. Na segunda história, “O senhor Levy”, um poeta de idade madura tem visões em seus sonhos de que, nas camadas subterrâneas de Jerusalém, tão seca por ser próxima ao deserto, há uma rede de fontes cristalinas e de poços abundantes que formam um verdadeiro mar verde abaixo da cidade. Enquanto isso, seu filho aderiu à luta clandestina contra os britânicos e só aparece em casa para dormir, situação em que tem sonhos apocalípticos, nos quais cidades perecem em chamas. O leitor fica em dúvida sobre se o mais verdadeiro é a vivência real, em que o pai vigia o sono do filho perseguido, ou os sonhos e visões de cada um. Esse é um dos toques de magia de Oz. Na terceira história, “Saudades”, um médico escreve cartas para a mulher que ama, ao mesmo tempo em que, embora seja um humanista ao estilo das melhores tradições iluministas europeias, amante da paz, procura desenvolver fórmulas de explosivos de fácil feitura com minerais facilmente encontrados no deserto, para usá-los contra os britânicos. Há também, entre uma história e outra, personagens como a senhora que se refugia da dura vida do exílio e das duras conversas dos homens sobre conspirações e profecias, tomando limonada com aspirina e tocando infindavelmente Chopin. Cumpre notar que Amós Oz, nascido Amós Klausner, passou sua vida, até os anos 1980, num kibbutz, e combateu seguidamente pelas Forças de Defesa de Israel, até que, abalado pelo que viu na Guerra dos Seis Dias em 1967, passou a se converter ao pacifismo, tendo inclusive sido acusado de alta traição, sem maiores consequências. “O monte do Mau Conselho” foi justamente escrito durante essa fase de conversão ao pacifismo. A posição política de Oz talvez seja por demais intelectualizada e mesmo cerebral, e ainda impossível de ser concretizada na prática, pois ele prega uma “paz sem reconciliação”, em que as duas nações, a israelense e a palestina, convivam pacificamente sem necessariamente se tornarem amigas. Mas sua literatura não gera controvérsias: é amada no mundo inteiro.

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