7 de janeiro de 2014

Raízes da filosofia na Grécia

Do Díário do Comércio de São Paulo - Os gregos e a importância milenar de sua filosofia - Renato Pompeu - Em apenas 200 anos, do século 6.o a.C. ao século 4.o a.C., as cidades gregas, especialmente Atenas, viram nascer um novo modo de pensar, que influencia o mundo até hoje. Trata-se da filosofia, ou, mais exatamente, da filosofia como passou a ser praticada a partir de Sócrates. Costuma-se chamar os filósofos gregos anteriores a Sócrates de “filósofos pré-socráticos”. Na verdade, se formos levar em conta o caráter específico da filosofia grega, o que a distingue das filosofias dos outros povos tal como se desenvolveram ao longo da história, talvez devêssemos chamar os filósofos gregos anteriores a Sócrates de “pensadores pré-filosóficos”. Isso porque esses filósofos pré-socráticos não haviam superado ainda as filosofias orientais. Tales de Mileto, Pitágoras de Samos e Demócrito de Abdera, além de outros, herdaram sua temática de pensadores orientais, principalmente egípcios e fenícios, que como eles tentaram descobrir os elementos fundamentais da constituição material do mundo, seja por meio de considerações místicas e religiosas, seja por meio de considerações racionais e científicas. A Razão e a Ciência não são especificamente gregas, assim como não são especificamente gregas as filosofias pré-socráticas. Podem ser encontradas nas antigas filosofias do Oriente Médio, do Irã, da Índia, da China e do Japão. O que Sócrates introduziu, para além das especulações e das interpretações sobre o mundo e a vida, foi o questionamento em relação às certezas adquiridas, o questionamento em relação às autoridades, sejam as autoridades em carne e osso, sejam as autoridades dos pensamentos consagrados. Enquanto os filósofos anteriores, tanto orientais quanto gregos, se apresentavam como líderes a serem seguidos, por instaurarem sistemas que seus discípulos poderiam apenas desenvolver, sem questioná-las, Sócrates, por meio de sua técnica de discussão chamada de maiêutica (“partejamento”, em grego), se colocava em pé de igualdade com seus discípulos, interrogando-os, os fazendo caírem sucessivamente em contradição, e afinal em suas respostas chegarem a verdades próprias, pessoais, em plena igualdade de condições com as próprias conclusões de Sócrates. Assim Platão, pondo em discussão as questões levantadas não só por Sócrates, como pelos filósofos pré-socráticos, pôde chegar a conclusões diferentes das do mestre. Do mesmo modo, Aristóteles questionou as posturas de Platão, e com isso se iniciou o que se chama de “a grande conversação” que, com intervalos de silêncio, prossegue até hoje. Na tradição grega e na tradição ocidental que ela inaugurou, cada grande filósofo questiona os grandes filósofos anteriores. Nas outras tradições, como a chinesa e a indiana, cada grande filósofo procura, respeitando o grande filósofo fundador, como Confúcio, Lao-Tsé ou os redatores dos Vedas, apenas desenvolver, e não questionar, a filosofia herdada. É muito difícil resistir à tentação de relacionar esse contraste às diferentes estruturas econômicas, sociais e políticas dos respectivos povos. Na maior parte do mundo, as terras e todos os bens pertenciam ao soberano, que alocava as terras às famílias de lavradores e outorgava a cobrança de impostos a nobres que exerciam a soberania local. A autoridade central, o soberano, era inquestionável. Isso era decorrência da chamada revolução agrícola. Os primeiros seres humanos eram nômades caçadores e coletores de plantas. Com o desenvolvimento da agricultura, os seres humanos se sedentarizaram em diferentes lotes, levados à frente por famílias. As famílias se juntaram em aldeias, que para se protegerem militarmente e para não entrarem em conflitos permanentes por recursos como a água formaram primeiro federações de aldeias, depois cidades e reinos governados por uma cidade, e depois impérios. O soberano era crucial para administrar centralmente a irrigação, por exemplo. Instaurava-se a autoridade inquestionável, expressada pelas grandes filosofias também inquestionáveis. Na Grécia e depois em Roma, porém, a história foi diferente. Na Grécia, os povos autóctones desenvolveram a agricultura familiar em lotes e se reuniram em aldeias e em federações de aldeias comandadas por uma cidade, tal como acontecera nas demais regiões do mundo. Mas aí chegaram os invasores gregos, que já encontraram a agricultura organizada e transformaram os lavradores em seus escravos, em propriedades privadas e não públicas. Os donos de escravos eram iguais entre si – e puderam conceber a democracia, verdade que uma democracia parcial, pois excluía os escravos, as mulheres, e os estrangeiros; no total, essa democracia excluía a maior parte da população. Mas, entre si, os homens senhores de escravos decidiam por consenso o que fazer e questionavam uns as posturas dos outros. Esse esquema de igualdade se reproduziu na Europa e no Ocidente primeiro entre os nobres feudais e depois entre os empresários, donos de empresas comerciais e em seguida industriais, incorporando sucessivamente cada vez mais gente entre os “iguais”, que ainda excluíam grande parte da população. Mas aí os próprios trabalhadores manuais passaram a ser considerados proprietários, pois eram proprietários pelo menos de si mesmos e assim surgiam no mercado livre, e a democracia se ampliou. Assim, a forma grega socrática e pós-socrática se perpetuou no Ocidente. Cada filósofo podia livremente criticar os filósofos anteriores. Esse é o legado da filosofia grega propriamente dita – e se espera que, na atual crise econômica, todos os envolvidos possam ter voz na “grande conversação” necessária para pôr as coisas nos eixos.

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