25 de janeiro de 2014

Visões sobre a ciência durante a Revolução Francesa

O destino da ciência na Revolução Francesa - É bem conhecida, já desde Theodor Adorno e Max Horkheimer, a crítica ao Iluminismo, sob o pressuposto de que, ao privilegiar a ciência, o Iluminismo teria privilegiado a chamada “razão instrumental”, a qual teria redundado na tecnologia usada nos campos nazistas de extermínio, que teriam levado ao extremo uma racionalidade sem alma e sem humanismo. Não muito diferente é a chamada visão pós-moderna: a modernidade, desde o Iluminismo, prometeu mundos e fundos e seus resultados foram no mínimo decepcionantes e, a rigor, desastrosos, como os totalitarismos e as câmaras de gás. Mas, se essa visão crítica, em grandes linhas, em termos de macro-história, parece correta, uma visão mais microscópica deixa entrever nuanças inesperadas. Em termos de micro-história, o artigo “The Politics of Science in the French Revolution”, do pesquisador L. Pearce Williams, em http://books.google.com.br/books?hl=pt-BR&lr=&id=WboPReSZ668C&oi=fnd&pg=PA291&dq=%22science%22+%22progress%22+%22Enlightenment%22+%22French+Revolution%22+&ots=QdXUIzWEZi&sig=UUhKbEsHWm7yvi_M2CtuBnANmY0#v=onepage&q=%22science%22%20%22progress%22%20%22Enlightenment%22%20%22French%20Revolution%22&f=false, acessado em maio de 2012, permite formular a hipótese de que o “cientificismo” comumente associado à ideologia das Luzes e da Revolução Francesa não era assim tão “científico”. Williams, a partir de um estudo de E. Guerlac, de 1954, examina os diferentes destinos que tiveram, durante a Revolução Francesa, duas instituições científicas vinculadas ao Antigo Regime, a Academia Real de Ciências, que foi suprimida no auge da Revolução, e o Jardim do Rei, que atravessou incólume a tempestade revolucionária, apenas mudando de nome para Museu de História Natural. Estabelecido que parte dessa diferença de destinos é devida às personalidades dos cientistas envolvidos, os da Academia mais conservadores em política e os do Jardim mais inovadores em questões políticas, Guerlac e Williams defendem, porém, que as diferenças iam mais fundo. Enquanto a Academia era um baluarte das ciências físicas tal como haviam sido concebidas por Isaac Newton, havia, segundo os dois pesquisadores, toda uma tradição das Luzes que era antinewtoniana, desde Rousseau até Bernardin de Saint-Pierre, este significativamente o primeiro diretor, após a Revolução, do Jardim. Diz Williams que, segundo Guerlac, para os jacobinos, “a ciência newtoniana, tal como era representada pela Académie, era seca, acadêmica e, acima de tudo, aristocrática, pois somente uns poucos poderiam esperar penetrar nos seus mistérios matemáticos. A ciência de Rousseau e do Muséum, de outro lado, era uma ciência de sentimento, de apreensão direta da harmonia do mundo por meio do contato com a natureza e, portanto, aberta a todos. O triunfo do Muséum e a queda da Académie foram, portanto, o resultado da vitória dos discípulos de Rousseau – os jacobinos – e dessa ciência peculiarmente jacobina”. É quase forçoso, a partir dessas observações, se partir para a especulação de que, na verdade, as ideias iluministas sobre as relações entre a ciência e o progresso não eram tão monolíticas quanto aparece entre seus críticos, de Adorno e Horkheimer aos pós-modernos. Podemos dizer que as promessas da modernidade envolviam diferentes concepções de o que é ciência, e que uma ciência “jacobina” se insurgiu contra uma ciência “newtoniana”, ou, talvez, contra uma ciência realmente “científica”, dando como resultado o Terror. Aqui se poderia fazer um paralelo com o nazismo, que se insurgiu contra a ciência “judaica”, e o stalinismo, que se insurgiu contra a ciência “burguesa”. O nazismo dizia basear-se na ciência biológica e o stalinismo dizia basear-se na ciência marxista-leninista. Tanto a biologia racista como o marxismo-leninismo não são considerados ciências pela maioria dos cientistas. Portanto, o que temos não é um fracasso da “ciência”, mas uma luta entre diferentes concepções de “ciência”.

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