11 de março de 2011

Dia da Mulher, ainda que atrasado

Hoje o Diário do Comércio de São Paulo publicou o seguinte artigo meu:




Pensadoras que mudaram o mundo




Renato Pompeu



Nesta semana do Dia Internacional da Mulher, que transcorreu no último dia 8 de março, convém lembrar que a palavra “feminismo” está registrada desde 1872, quando começou a ser usada por jornais franceses e holandeses, mas a lista de pensadoras que mudaram o mundo pode começar muito antes, com a astrônoma da Acádia, reino mesopotâmico, de 4.300 anos atrás, En Hedu’Anna, nome que quer dizer “Ornamento do Céu”, filha do rei Sargão 1.o, e que é a primeira cientista mulher de que a História guarda registro. Ela foi nomeada grã-sacerdotisa da Lua, cargo raramente exercido por uma mulher e que tinha entre outras a função de legitimar cada novo soberano, e ajudou a elaborar o calendário que até hoje é usado para determinar a data, por exemplo, do Carnaval, da Páscoa e de outras festas móveis. Deixou dezenas de poemas, como um em que descreve seu dia-a-dia: “A mulher verdadeira dispõe de grande sabedoria. Consulta uma tabuinha de lápis-lazúli, aconselha todas as terras, tira medida dos céus, coloca as cordas medidoras sobre o solo”.

Muitas outras cientistas estão registradas desde a Antiguidade, e uma lista de dezenas delas, antes do século 20, pode ser vista na Web da Internet, em inglês, em http://www.astr.ua.edu/4000WS/timelist.shtml, mas as mulheres se destacaram também nas artes e pelo menos uma destas também mudou grandiosamente o mundo: a japonesa Dama Murasaki, da passagem do século 10 para o século 11, autora da ficção “História de Genji”, o primeiro romance de que se tem notícia na história da literatura mundial. Tirando as antigas fábulas com animais falantes, os livros religiosos, filosóficos, históricos e científicos e os volumes de histórias curtas, este foi o primeiro grande trabalho em prosa registrado em toda a História,

De todo modo, a mulher moderna, ativa e intelectualizada, exercendo cada vez mais a liderança, já era anunciada no século 15 pela francesa Cristina de Pizan, filha de um astrólogo da Corte, a qual se radicou em Veneza e que, viúva, passou a escrever livros para sustentar os filhos. Apresentou reivindicações muito modernas de liberdade sexual em sua “Epístola ao Deus do Amor” No século 17, a mexicana sóror Juana Inés de la Cruz, depois de ter tentado, sem êxito, disfarçar-se de homem para cursar a universidade, então só a eles reservada, resolveu ser freira para poder exercer a sua intelectualidade e a sua curiosidade científica, tendo defendido a liberdade das mulheres e até mesmo defendido que as prostitutas são menos pecadoras do que os homens que utilizam seus serviços. Importante também nas ciências naturais, ela escreveu: “Me parece indigno de uma pessoa católica não saber tudo nesta vida dos Mistérios Divinos que pode ser aprendido por meios naturais".

Em 1791, respondendo à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, emanada da Revolução Francesa, Olympe de Gouges escreveu a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, em que criticava o machismo mesmo dos revolucionários mais radicais. Mártir do feminismo, foi guilhotinada, mas deixou uma chama que jamais foi apagada em seu país e que incendiaria o mundo a partir do século 19, especialmente quando começou a luta pelo voto das mulheres, vitoriosa na Ilha de Man, dependência autônoma da Inglaterra, em 1881, e na Nova Zelândia, então dependência britânica, em 1893.

Mas foi no século 20, paralelamente ao movimento técnico e científico que, pela primeira vez, na história da humanidade, tornou o trabalho intelectual mais importante do que o trabalho manual, que se destacaram verdadeiramente muito mais mulheres que mudaram o mundo. Na política, mesmo antes de as mulheres europeias conquistarem o voto, se destacou a judia polonesa radicada na Alemanha, Rosa Luxemburg (1871-1919), comunista que teve a ousadia de não só dizer que Marx estava errado, ao ela defender que o capitalismo não sobrevive sozinho, sem ter regiões do mundo não-capitalistas que o capitalismo possa explorar, como também de dizer que Lenin estava errado, ao ela defender que “a liberdade é a liberdade dos que pensam diferente”. Morreu assassinada por paramilitares direitistas.

Outra polonesa que se destacou, desta vez na ciência, foi Marie Curie (1867-1934), que, como as mulheres eram proibidas de fazer faculdade em seu país, então dominado pela Rússia, se radicou na França em 1891, se dedicou à física e com apenas 36 anos, em 1903, se tornou a primeira mulher a ganhar o Prêmio Nobel, por ter descoberto os elementos polônio e rádio e por ter inventado a palavra “radiatividade”.

Na educação, a italiana Maria Montessori (1870-1952) não só foi a primeira mulher formada em medicina em seu país, em 1894, como fundou em 1907, na periferia de cortiços de Roma, uma escola em que demonstrou na prática sua teoria revolucionária de que as crianças têm uma tendência inata a buscar desenvolver-se intelectualmente, lançando seu método desde então triunfante de autoeducação e de autodisciplina.

Na literatura, além da Dama Murasaki, se pode dizer que pelo menos duas outras mulheres mudaram o mundo: as inglesas Virginia Woolf (1882-1941), que se tornou o principal nome mundial do modernismo, desempenhando um papel central na liderança dessa revolução na literatura e nas artes plásticas, apesar de sua vida trágica (suicidou-se por afogamento), e Agatha Christie (1890-1976), que transformou para sempre o ramo mais popular da literatura da era contemporânea, o romance e o conto policiais, e consagrou de vez a ficção como atividade profissional de quem não atende a encomendas, mas produz com toda a liberdade de criação.

Voltando à política, as mulheres, depois de passarem a votar na primeira metade do século 20 (em 1919, nos Estados Unidos; em 1934, no Brasil), na segunda metade passaram a ser eleitas e até a governar seus países. A pioneira foi Sirimavo Bandaranaike (nascida em 1916), que em 1960 se tornou primeira-ministra do Sri Lanka, onde instaurou o Estado de bem-estar social, tendo sido também pioneira do não-alinhamento na política externa, em que manteve a independência tanto em relação ao Ocidente como em relação à União Soviética.

Os anos 1960, na verdade, além de tudo o mais, foram os anos da introdução das mulheres nos mais altos cargos da política. Depois de Sirimavo Bandaranaike, foi a vez de Indira Gandhi (1917-1984) ser primeira-ministra da Índia quase ininterruptamente de 1966 até sua morte, assassinada por membros sikhs de sua guarda pessoal, por ter pouco antes ordenado o ataque a um templo sikh que abrigava separatistas dessa etnia. Comandou a modernização da economia e da sociedade indianas, impôs um estado de sítio ao ser condenada pelo Supremo Tribunal por fraude eleitoral e conseguiu a anulação da sentença. Manteve o seu país como um importante interlocutor internacional, situação de que a Índia goza até hoje.

A ucraniana criada dos Estados Unidos, Golda Meir (1898-1978), já era uma veterana política aposentada em 1969, quando foi chamada a se tornar a primeira-ministra de Israel, cargo que exerceu até 1974. Coube a ela a difícil situação de governar seu país durante a Guerra do Yom Kippur (1973), em que o Exército egípcio demonstrou uma eficiência inesperada, ao atacar Israel de surpresa em pleno Ano Novo judaico. Após a guerra, atuou pela paz com os países árabes vizinhos; isso não foi bem-visto pela população israelense recém-saída da guerra e ela teve de renunciar. Mas não foi como primeira-ministra que ela mudou o mundo: foi como líder, desde 1921, quando se radicou na Palestina, da luta pela constituição de um Estado judaico. Entre os que assinaram a Declaração da Independência de Israel, em 1948, era ela de longe a política mais popular.

Mas uma mulher talvez tenha sido a mais importante governante, entre homens e mulheres, da segunda metade do século 20, a inglesa Margaret Thatcher, nascida em 1925, primeira-ministra britânica de 1979 a 1990. Foi a principal responsável pelo triunfo do capitalismo sobre o socialismo em todo o mundo naqueles anos, e comandou a introdução do neoliberalismo nos principais países ocidentais. Em seu tempo, o neoliberalismo realmente liberou as forças produtivas, lançando uma colossal revolução tecnológica com o computador, a informática, a robótica, a bioengenharia e a química fina, revolução que prossegue até hoje. Também, durante seu tempo, não se manifestaram os efeitos negativos do neoliberalismo na esfera financeira, fora da esfera produtiva que Thatcher revolucionou.

Nestes dias de revolução em países árabes, é importante lembrar a carreira da egípcia Huda Al-Sharawi (1862-1947), que, de uma das principais líderes nacionalistas de seu país, se tornou, após a independência formal em 1922 e real em 1936, a primeira grande líder do feminismo islâmico moderno. Além de defender na esfera religiosa os direitos das mulheres, mostrando que nenhuma das restrições a elas vigentes nos países muçulmanos tem respaldo no Alcorão, Huda Al-Sharawi tinha preocupações mais práticas e lutou pela instauração da educação para mulheres e de seu treinamento profissional, pelo aumento para 16 anos da idade mínima para casamento (tradicionalmente combinado pelos pais ainda na infância dos noivos). Talvez ela seja o principal nome entre as mulheres árabes que mudaram a vida em seus países no século 20. Mas foi em países muçulmanos não-árabes que, no século 20, as mulheres ganharam maior projeção, chegando ao cargo de primeiro ministro na Turquia, no Senegal, em Bangladesh e, principalmente, no Paquistão, onde Benazir Bhuto (1953-2007) foi primeira-ministra três vezes de 1988 até sua morte por extremistas de direita. Ela foi a grande agitadora pró-democracia em seu conturbado país.

No Brasil, a mulher que introduziu mais mudanças talvez tenha sido a psiquiatra alagoana Nise da Silveira (1905-1999). Criadora do Museu do Inconsciente do Rio de Janeiro, foi a grande batalhadora da luta contra o manicômio, a camisa-de-força, a cela-forte, o eletrochoque e a insulinoterapia, e outros tratamentos agressivos e ineficazes contra a doença mental.

Mas, no mundo, talvez as três mulheres mais importantes do século 20 tenham sido três européias. Uma, a alemãzinha radicada na Holanda Anne Frank (1929-1945), judia que viveu apenas 16 anos, que de 1942 a 1944, escondida dos nazistas num sótão, escreveu seu diário, até ser descoberta por eles e enviada ao campo de concentração de Bergen-Belsen, onde morreu de tifo. Seu diário se tornou um dos livros de maior repercussão em todo o planeta a respeito tanto da Segunda Guerra Mundial como do Holocausto. A segunda, a pensadora francesa Simone de Beauvoir (1908-1986), o principal nome, com seu livro “O Segundo Sexo”, do movimento emancipatório das mulheres que mudou o mundo no pós-Segunda Guerra Mundial. Seu pensamento está vivo ainda hoje,, enquanto o de seu companheiro Jean-Paul Sartre, mais famoso do que ela em vida, esquerdista radical pró-Cuba, hoje está mais morto que vivo.

Finalmente, o nome mais importante, não só das mulheres, como de todos os pensadores do século 20 em todo o mundo, talvez seja o da judia alemã Hannah Arendt, radicada nos Estados Unidos (1906-1975). Essa filósofa, que não se destacou como feminista, foi o ser humano que mais refletiu sobre a realidade mais insidiosa do século, o totalitarismo, e deixou uma advertência: a era contemporânea é a era da “banalidade do mal”.

Um comentário:

Anônimo disse...

Gostei muito tio, so faltou uma atriz, ainda nao conhecida ...chamada...