14 de setembro de 2011

Um romance de Amós Oz


O seguinte artigo de minha autoria saiu recentemente no Diário de S. Paulo

A busca da paz interior, da paz entre as
 pessoas e as nações, por Amós Oz

Renato Pompeu

A par de ser uma história muito bem contada, o romance “Uma certa paz”, do escritor israelense Amós Oz, lançado agora no Brasil pela Companhia das Letras, 29 anos após o lançamento do original em hebraico, é uma profunda meditação sobre a possibilidade de cada ser humano alcançar uma verdadeira paz consigo mesmo e com os outros. A história se passa durante dois anos, de 1965 a 1967, num kibbutz (fazenda coletiva em hebraico;  a tradução preferiu a forma kibutz) de Israel junto à fronteira síria, isto é, alcança a Guerra dos Seis Dias, ao fim da qual as tropas israelenses ocuparam territórios árabes, partes dos quais ocupam até hoje.
Trata-se do oitavo livro de ficção de uma carreira iniciada por Oz exatamente no ano em que começa a história contada na obra. Um jovem nascido no kibbutz e que tem 26 anos em 1965, ou seja, a mesma idade de Oz na época – o autor nasceu em 1939 – e que havia sido educado nos valores socialistas, de igualdade e de solidariedade da fazenda coletiva, sente que não tem por esses ideais o mesmo apreço que seus pais, judeus poloneses, e que os demais  pioneiros em geral, os fundadores do kibbutz, judeus de origem europeia.
Embora Oz retrate nesse livro a vida que conheceu em seus tempos de kibbutz, no auge do defunto socialismo israelense, o fato é que o autor nasceu, não num kibbutz, mas em Jerusalém, filho de trabalhadores urbanos. E foi criado num bairro popular da cidade, até que aos 15 anos, ainda abalado pelo suicídio da mãe três anos antes, fugiu de casa e se estabeleceu num kibbutz. Mas, como os personagens de “Uma certa paz”, Oz lutou na guerra de 1967.
Os judeus europeus que fundaram o kibbutz ainda antes da fundação de Israel, na Palestina ainda sob mandato britânico, estavam imbuídos das utopias socialistas vigentes então na Europa e quiseram criar na sua nova terra uma sociedade sem propriedade privada. Para eles, as misérias e violências que sofreram na Europa por causa dos agudos contrastes de nível de vida vigentes no início do século 20, e particularmente por causa do feroz antissemitismo, principalmente na Europa Oriental, seriam eliminadas na Terra Prometida aos judeus por uma vida mais plena, em que a sociedade baseada na competição entre proprietários individuais seria substituída por uma sociedade baseada na solidariedade que imaginavam surgiria entre os trabalhadores de uma empresa coletivista em que tudo seria decidido por votação.
No entanto, os jovens já nascidos nessa sociedade coletivista não acham sua vida tão amena assim. O personagem central, em particular, não vê nenhuma finalidade na sua vida, a não ser a pura luta pela sobrevivência. Afinal, todas as decisões importantes de sua vida são tomadas, não por ele, mas nas votações entre todos os integrantes do kibbutz. Ele não decide onde mora, em que profissão trabalha, o que compra e o que consome, pois grande parte de seu salário é pago diretamente em produtos. Desde a infância ele foi obrigado a “abrir mão” dos objetos de seus desejos que fossem considerados egoísticos pelos demais membros do kibbutz. Sonha em ir para a cidade, onde a vida é mais individualista e ele pudesse viver a sua autorrealização, ao invés de viver uma vida decidida pelas votações dos outros. Sonha em viver no deserto, ou mesmo em território inimigo.
Além dessas dificuldades em viver uma vida mais rica como indivíduo, o jovem nota que entre os entusiastas do coletivismo há muita hipocrisia. Uma grande pergunta que percorre todo o livro é: vale a pena viver sob o socialismo? O escritor Amós Oz, cada vez mais candidato ao Nobel, acha que sim. Muitos de seus personagens acham que não.

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