7 de abril de 2013

Carta Aberta a Wagner Nabuco

CRÕNICA DE UMA GREVE NÃO ANUNCIADA Carta aberta a Wagner Nabuco Renato Pompeu Prezado Wagner Nabuco de Araújo Diretor-geral da revista Caros Amigos Caro Wagner, você sabe que sempre procuro tratar os outros como quero ser tratado por eles. Entretanto, muitas vezes me surpreendo que algumas pessoas se sintam ofendidas por eu lhes dizer coisas a respeito delas exatamente como eu gostaria que elas me dissessem. Procuro seguir sempre o Che: “Hay que ser duro, sin perder la ternura jamás”, embora não o sigue em outros pontos, como o recurso à luta armada ou a qualquer tipo de violência. Mas algumas pessoas se sentem mal quando procuro ser ao mesmo tempo duro e terno com elas. Sentem apenas a dureza. Portanto, peço que você e os demais citados nesta carta compreendam, se se sentirem atingidos por alguma coisa que eu diga nesta carta, que sinto muito respeito e admiração por você como quadro progressista e posso dizer que pessoalmente gosto muito de você, o que não me impede de discordar de você quando for o caso e de manifestar essa discordância. O mesmo se aplica a todos os demais citados. Segundo é público e notório, os onze agora antigos integrantes da redação da Caros Amigos - Alexandre Bazzan, Caio Zinet, Cecília Luedemann, Débora Prado, Eliane Parmezani, Gabriela Moncau, Gilberto Breyne, Hamilton Octavio de Souza, Otávio Nagoya, Paula Salati, Ricardo Palamartchuk - entraram em greve contra a redução, proposta ou imposta por você, da folha salarial total dessa mesma redação de 32 mil reais por mês para 16 mil reais, com o que o editor-chefe Hamilton Octávio de Souza, pessoa de que também muito gosto e quadro progressista que muito respeito e admiro, teria, segundo você, de escolher as pessoas a serem demitidas. Por outro lado, a redação passaria a receber uma verba mensal para contratar frilas, em valor que até agora não vi divulgado. Também é público e notório, foi divulgado na Folha de S. Paulo e pelos companheiros em e-mails e no facebook, que, tendo a greve começado na sexta-feira dia 8 de março, você convocou esses companheiros para uma reunião na segunda-feira seguinte, dia 11 de março, na qual você os demitiu a todos – ou seja, a Alexandre Bazzan, Caio Zinet, Cecília Luedemann, Débora Prado, Eliane Parmezani, Gabriela Moncau, Gilberto Breyne, Hamilton Octavio de Souza, Otávio Nagoya, Paula Salati, Ricardo Palamartchuk -, segundo você, não por causa da greve, mas sim por ter ocorrido “quebra de confiança”, querendo dizer, entre outras coisas, que você não podia trabalhar com pessoas que não confiavam em você, como era o caso deles. Essa não-confiança por parte dos companheiros consistiria, segundo você, em que não acreditavam em sua palavra de que havia necessidade de corte pela metade da folha salarial da redação Quando recebi pela Internet na sexta-feira (portanto, evidentemente muito antes de eu saber da demissão) a comunicação de que esses 11 companheiros haviam entrado em greve contra essa redução da folha salarial, imediatamente me surpreendi. Pelo que me consta (me perdoem se estou enganado em qualquer informação constante desta carta-aberta e me corrijam, por favor, pois pretendo submeter essa carta aberta, antes e/ou ao invés de publicá-la, a todos os envolvidos nesse episódio e a todas as pessoas cujo nome citarei nesta carta, na medida em que puder localizá-las, para que façam suas observações e correções antes que eu a considere plenamente finalizada em sua versão definitiva), eu, que sou colaborador da revista desde o seu segundo número, com raras fases de afastamento por desentendimentos que não vem ao caso discutir agora, na verdade esse corte salarial não era nenhuma novidade na história da revista. Outros companheiros, antes desse episódio de agora, sempre aceitaram como verdadeira a informação de que os cortes eram imprescindíveis para a manutenção da revista, e, ou o diretor de redação (como chamava o cargo quando a revista era dirigida pelo falecido grande quadro progressista Sérgio de Souza), ou o editor-chefe, cargo até há pouco exercito pelo Hamilton, escolhia as pessoas a serem demitidas, ou alguns dos companheiros se ofereciam voluntariamente para serem demitidos. As pessoas escolhidas para serem demitidas por esse motivo nunca eram indicadas por você, Wagner, que se limitava a garantir os direitos dos demitidos tais como eram avaliados pela empresa. Assim, pelo que me recordo, logo que Hamilton Octavio de Souza assumiu o cargo de editor-chefe, numa época em que não trabalhava na redação nenhum dos demais dez companheiros que agora entraram em greve e depois foram demitidos, você, Wagner, comunicou ao Hamilton que havia necessidade de cortes na folha salarial da redação, o próprio Hamilton escolheu quem seria demitido, como por exemplo o grande quadro progressista Marcelo Salles, que era o correspondente da revista no Rio de Janeiro e eventualmente em Brasília, e Hamilton demitiu também outros companheiros cujo nomes não me recordo, especialmente entre profissionais ligados à confecção de fascículos. Procurei então me informar com os companheiros por que eles, e particularmente o Hamilton, haviam decidido reagir de modo diferente do que sempre tinha acontecido na redação em situações semelhantes. Particularmente eu queria entender por que o Hamilton havia considerado necessário demitir o Marcelo Salles e outros e agora julgava inadmissível demitir qualquer pessoa. Antes de procurar os companheiros, entretanto, eu quis confirmar que você, Wagner, havia realmente determinado esse corte na folha salarial da redação. Pelo que você me disse pelo telefone, você, assim que soube da greve, que para você seria uma surpresa completa, pois, como relatei acima, estava acostumado com outro tipo de reação ao mesmo tipo de situação de corte da folha salarial da redação, você, repito, imediatamente, segundo relatou, desceu de seu escritório no primeiro andar para o salão da redação, no térreo, esperando que houvesse uma contraproposta para o corte do mesmo valor de 16 mil reais nos custos da empresa sem que esse corte afetasse a redação. Se deveria cortar, não na redação, mas no setor administrativo? Se deveria abandonar a sede e alugar uma sede mais barata, possivelmente na periferia mais distante, para transformar a crise em oportunidade e aproximar a empresa realmente do mundo real da maioria da população? Se deveria transferir toda a redação para uma lan house? Se deveria passar a fazer as coberturas a pé, de ônibus ou metrô, para ficar mais perto das massas trabalhadoras? Se deveria desistir de qualquer sede, com cada funcionário trabalhando no seu computador em casa, como funcionam muitas redações por este mundão? Seria o caso de adotar o salário mínimo em vigor, válido para a imensa maioria dos milhões de trabalhadores do País, parte significativa dos quais encara como privilégio indevido o piso de algumas categorias que o conquistaram, como é o nosso caso de jornalistas, tidos como privilegiados por parte significativa da população cujo “piso” é o mínimo? Em suma, haveria qualquer contraproposta a ser oferecida? Seria o caso de adotar para todos na redação e administração o princípio de Lenin para quadros do partido e do governo soviéticos, de remuneração não maior do que a de operário especializado (não qualificado, mas especializado!), que calculo de cabeça em 1.800 reais mensais? Mas você, segundo contou, não encontrou ninguém, todos tinham ido embora imediatamente depois de decretada a greve. Isso levou você à chegar à conclusão de que os companheiros grevistas simplesmente não acreditavam que houvesse necessidade de corte e consideravam você não como um patrão progressista, que procura manter a Caros Amigos como “A Primeira à Esquerda” a qualquer custo, com todo sacrifício que isso envolve, inclusive a perda ou o comprometimento, há anos já em contínua concretização de parte, ou mesmo do total, do patrimônio que você acumulou quando, tal como o Hamilton também fez (e eu também fiz e continuo fazendo), atuava na grande imprensa. Pelo contrário, você chegou à conclusão de que os companheiros grevistas o consideravam como um patrão direitista, que corta custos para aumentar seus lucros. Confesso que fiquei ainda mais surpreso. Como os companheiros entravam em greve sem que o diretor-geral pudesse negociar com eles? Também eu tinha outras dúvidas. Por que não se fez como sempre se faz quando se decreta uma greve, marcando um prazo para deflagrá-la, exatamente como acabaram de fazer os companheiros do Valor Econômico, para dar tempo a uma negociação que possa ser satisfatória e assim levar os trabalhadores a cancelarem a greve? Por que os colaboradores, como eu, não haviam sido convocados para a assembleia que decretou a greve? Por que os companheiros que trabalham na administração também não foram convocados para a assembleia? Não que os colaboradores e funcionários administrativos tivessem direito de voto nessa assembleia, mas poderiam ter direito a voz e, uma vez decretada a greve, a manifestar ou não sua adesão, ou pelo menos, algum tipo de solidariedade à greve. Não tenho amostras significativas das opiniões dos funcionários administrativos, mas ouvi duas pessoas entre eles, que não quiseram ser identificadas e falaram em off. Uma declarou secamente: “Eles nem nos chamaram para ouvir a nossa opinião”; outra pessoa falou: “Mesmo eles não tendo chamado a gente, eu pensei em aderir à greve, mas eles não podiam ter ido embora da redação, pois justamente o que o patrão quer é grevistas longe do local de trabalho. Assim, me vi sem condições de aderir à greve”. Havia um meio de eu dirimir essas dúvidas: os três telefones indicados no comunicado dos grevistas como fontes de maiores informações sobre a greve - Liguei para um deles, atendeu a secretária eletrônica da companheira Gabriela Moncau, deixei recado e não obtive retorno até agora, dia 30 de março de 2013 às 14h20. Liguei para um segundo número, atendeu a companheira Débora Prado e, enquanto eu falava, ou houve um problema na ligação ou o telefone foi desligado na minha cara. O mesmo ocorreu no terceiro número, quando atendeu a companheira Cecília Luedemann: enquanto eu estava falando, ou houve um problema com a ligação ou o telefone foi desligado na minha cara. Sem saber qual das duas hipóteses era verdadeira, eu resolvi não me arriscar a desagradar de novo as companheiras e fiquei aguardando o telefonema de Gabriela Moncau, que também até agora não me ligou, confirmando, me parece, a minha impressão de que os companheiros não queriam falar comigo. A própria Débora e a Cecília, se houve problemas na ligação e não desligamento na minha cara, poderiam me ter ligado de volta para saber por que eu mesmo não liguei de novo. Ou, como mais tarde a Cecilia garantiu que se lembrava de a ligação ter terminado normalmente, pelo menos a Débora poderia me ter ligado, ou, como desde então, essa Carta, em sucessivos processos de correção segundo as observações das pessoas a que enviei diferentes versões dessa Carta, em condições de sigilo individualizado pessoa a pessoa, entre cada pessoa destinatária e a minha pessoa, a Débora, a quem enviei a Carta, poderia ter mandado uma observação esclarecendo o que realmente aconteceu, na visão dela, com a malfadada ligação telefônica. Havia outras dúvidas que eu queria dirimir. Uma delas: na minha opinião, uma greve que vise obter o cumprimento de uma reivindicação deve causar prejuízos ao patrão, para que ele seja forçado a negociar ou a atender a reivindicação. A greve, tal como foi decretada, era incapaz de causar maiores prejuízos ao patrão. Isso porque foi decretada no começo do mês, dando tempo para o patrão assegurar o fechamento da edição no fim do mês. Por exemplo, na fracassada greve dos jornalistas de São Paulo em 1979, toda a redação da Veja entrou em greve, menos o diretor, o diretor-adjunto e o redator-chefe, que, mesmo com o fato de, além de todos os repórteres, redatores e editores, também todos os fotógrafos e todo o pessoal da arte terem aderido à greve, simplesmente prepararam sozinhos em menos de uma semana uma edição de 120 páginas. Não por que fossem super-homens, mas porque contavam com todo o material já entregue por funcionários e colaboradores antes da decretação da greve, e, como o Sindicato dos Jornalistas tem base estadual e suas decisões não incidem sobre os jornalistas de outros Estados, contavam previsivelmente com o trabalho de todas as Sucursais, todos os colaboradores de outros Estados e todos os correspondentes internacionais, sem contar com o material das diferentes agências nacionais situadas em outros Estados, das agências internacionais, e da enchente de releases de toda natureza, de instituições públicas e de empresas privada que há décadas caem como enxurrada sobre as redações, tanto em papel como pela Internet. Por que não seria possível uns poucos fura-greves fecharem em mais de quinze dias uma edição de 40 páginas, doze das quais “engessadas”, isto é, preparadas pelos colaboradores, que não foram chamados à assembleia ou a aderir à greve? Ainda mais que hoje em dia os fura-greves contariam com um recurso ainda mais poderoso: a possibilidade de copiar e colar, e/ou simplesmente cozinhar... material da Internet?! Outra dúvida que eu queria dirimir era: por que o Hamilton não tinha pedido demissão do cargo de confiança que ocupava para entrar em greve? Afinal, a confiança depositada no Hamilton pelo patrão é que tinha permitido ao Hamilton demitir várias pessoas cujas qualificações aparentemente não julgava adequadas, para abrir aos poucos vagas para essa equipe de sua confiança que agora entrou em greve. Ou os companheiros e companheiras pensam que suas vagas caíram do céu? Comparem o expediente do primeiro número em que o Hamilton trabalhou com o expediente do último número em que os grevistas depois demitidos trabalharam. Que fim levou toda aquela gente? Por exemplo, me lembro que o Hamilton demitiu o companheiro Fernando L.L. Prudencio, único jornalista preto que jamais vi trabalhar na redação da Caros (o companheiro Joel Rufino dos Santos sempre foi exclusivamente colaborador), e o companheiro Felipe Larsen, pardo, ambos de origem das classes populares. Desse modo, como quase sempre aconteceu na redação da Caros desde que lido com a revista, isto é, desde seu segundo número até agora, a redação ficou novamente composta exclusivamente de “brancos” e “brancas” de classe média como você, Wagner, e eu, enquanto eu agora propus, conforme consta em outro email enviado a você recentemente, que, na definição dos quadros da Editora Caros Amigos, estou defendendo a proposta de que seja adotado o mesmo critério de cotas por etnias e rendas e escolaridade pública adotado pela Universidade de Brasília. Portanto, como me parecia inconcebível que os companheiros grevistas demitidos não tivessem levado em conta tudo isso, me parecia que o objetivo da greve não era o atendimento da reivindicação, pois a greve, tal como foi feita, em nada pressionava o patrão. Pressionaria se fosse realizada no fim do mês, no momento do fechamento, quando ocorreria a não-entrega das matérias, obrigando pelo menos a um grande atraso na impressão e na chegada às bancas e aos assinantes. Cheguei à conclusão de que se tratava de uma ação exemplar, uma greve que visava chamar a atenção para a necessidade de rever os modos pelos quais trabalham as mídias progressistas, com seus baixos salários, seus empregos sem registro, seus atrasos de pagamento, suas constantes necessidades de cortar a folha salarial e de demitir gente, suas demissões por “incompetência”, seus constantes assédios morais e sexuais, etc. etc. Pensando que esse era o objetivo, uma ação exemplar para levantar o debate, e levando em conta que jamais em minha vida eu fui fura-greve, eu aderi à greve, o que infelizmente não teria maiores efeitos, pois eu, como colaborador, já havia entregado, no dia 1.o de março, a minha coluna de abril. Sempre procuro entregar no primeiro dia do mês a coluna do número do mês seguinte. Então ocorreram no dia 11 de março as demissões de todos os grevistas - Alexandre Bazzan, Caio Zinet, Cecília Luedemann, Débora Prado, Eliane Parmezani, Gabriela Moncau, Gilberto Breyne, Hamilton Octavio de Souza, Otávio Nagoya, Paula Salati, Ricardo Palamartchuk -. Assim, no dia 11 de março, acabou a greve, porque demitido e/ou desempregado não pode fazer greve, a não ser de fome ou semelhantes, e eu voltei ao trabalho, porque acho crucial manter a Caros Amigos seja quem for que esteja no seu controle, isto é, voltei a ler os livros para a coluna de maio. No entanto, eu fiquei sentindo novamente a necessidade de me manifestar. Mas antes eu precisava esclarecer tudo isso que indiquei acima que eu não estava entendendo. Resolvi não dirimir aquelas dúvidas pelo facebook dos companheiros grevistas demitidos, para evitar bate-bocas (e o que virá mais adiante confirmará que esses bate-bocas no facebook seriam inevitáveis).Insisto em que eu não estava satisfeito, pois não tinha conseguido esclarecer minha posição junto aos companheiros grevistas demitidos, que podem evidentemente avaliar minha posição como quiserem e divulgar essa sua avaliação como quiserem. Na verdade, num dos e-mails que trocamos, a companheira Cecília chegou a arriscar a hipótese de que eu estava com sentimento de culpa por não me ter afastado como colaborador, no que seria uma solidariedade aos colegas demitidos. Concordo que essa é uma hipótese viável, pelo que sei de psicologia, mas em momento nenhum senti culpa no consciente, embora possa ter sentido no inconsciente. O que senti na consciência foram razões muito mais materiais do que psicológicas, como a razão material de procurar defender um meu pró-labore e procurar garantir, na medida das minhas possibilidades, a manutenção da revista e dos empregos que ela mal e mal proporciona. De todo modo, no sábado, dia 16 de março, eu corri o que imaginava o risco de novamente ser tratado com rispidez e liguei para Cecília Luedemann. Nossa conversa decorreu normalmente, com respeito e companheirismo mútuos. Ela negou que tivesse desligado o telefone na minha cara e negou inclusive que tivesse havido problemas na ligação anterior,, que se teria encerrado normalmente, segundo ela. Como porém ela disse o que me pareceu serem algumas incoerências, como procurarei mostrar a seguir, me permiti julgar que essa do “encerramento normal” da ligação anterior era mais uma incoerência. Em primeiro lugar, quando pedi esclarecimentos sobre o que me parecia ser uma mudança de atitude do Hamilton em relação a cumprir, como cumpriu antes, ou não cumprir, como não cumpriu agora, a determinação de você, Wagner, de escolher quem demitir no caso de necessidade de cortes na folha salarial, Cecília respondeu que só quem podia esclarecer isso era o Hamilton. Respondi que eu não podia fazer isso porque não tinha o telefone do Hamilton e só tinha o email dele da Caros, que eu achava que a essa altura não estava funcionando mais. Nem esse telefone do Hamilton constava da lista divulgada no manifesto dos grevistas e pedi à Cecilia que ela me desse o telefone. Ela disse que não tinha o telefone do Hamilton e falou para eu obter o telefone com você, Wagner. Mas como eu poderia recorrer ao patrão para ter acesso a um companheiro grevista, ou a um companheiro grevista demitido? Grevistas não terem os telefones uns dos outros, principalmente na liderança da greve, como me parecia era o caso do Hamilton e da Cecília, me parece criar dificuldades de mobilização. O email não é um meio tão rápido de comunicação como o telefone, pois as pessoas não ficam permanentemente ligadas na Internet e o recebimento da mensagem pode demorar horas cruciais. Perguntei à Cecília por que eles não tinham permanecido na redação após a decretação da greve e lembrei que, em 1983, eu trabalhava na Folha de S. Paulo, quando veio a informação de que os donos haviam decidido não atender a uma reivindicação previamente apresentada pela redação, a redação resolveu entrar em greve e mandou uma comissão discutir com o patrão, e permanecemos no local de trabalho, a redação inteira continuou parada, mas cada um junto a seu posto de trabalho, até que finalmente o patrão negociou e nós entramos num acordo com ele e voltamos a trabalhar algumas horas depois. Ela disse que isso não era possível com você, Wagner, pois você não estava disposto a negociar. Eu acho que você, Wagner, de fato, quando comunicou que havia necessidade de cortes, sequer cogitava da hipótese de negociar, pois estava acostumado há anos à anuência da redação em situações semelhantes. A greve criou um fato novo para você, totalmente inesperado, e, na minha opinião, você, Wagner, se deu conta, no ato, que desta vez teria de lidar com as reivindicações. Mas, quando desceu, não encontrou ninguém. Eu disse à Cecília que, segundo você, Wagner, quando você não encontrou ninguém na redação, você telefonou para a casa do Hamilton e soube que este tinha viajado. Cecília confirmou, segundo ela Hamilton tinha ido visitar o neto em outra cidade. Quanto à Débora, segundo a Cecília, se tinha havido problemas na ligação comigo no primeiro dia da greve, deveria ser porque a Débora estava em Ribeirão Preto, isto é, teria havido dificuldades na ligação interurbana ao celular da Débora. Achei estranha essa falta de mobilização dos grevistas: entram em greve e vão viajar. Quanto à Gabriela, a Cecília ficou de entrar em contato com ela e pedir para ela me ligar. Estou, portanto, esperando desde o dia 16 de março e até agora, dia e hora já indicados, sendo o dia o 30 de março, a Gabriela não me ligou. Outra incoerência: enquanto eu falava sobre a atitude do Hamilton, Cecília respondia que não discute atitudes de terceiros não presentes e... começava a discutir as atitudes de você, Wagner, embora você também fosse um terceiro não presente. Quanto ao fato de os colaboradores e os funcionários administrativos não terem sido chamados a participar da assembleia, ela disse que eles não tinham nada a ver com o assunto, pois não estava havendo imposição de cortes nos pagamentos dos colaboradores, nem todos eles remunerados, e nem na folha salarial dos funcionários administrativos. Respondi que, em 1961, na única greve vitoriosa dos jornalistas de São Paulo, que conquistou o piso salarial da categoria, que antes recebia o mesmo salário mínimo dos demais trabalhadores- e mesmo abaixo disso, pois os jornalistas recebiam o salário mínimo por 5 horas de trabalho ao dia, enquanto a esmagadora maioria dos demais trabalhadores recebiam o salário mínimo por 8 horas diárias de trabalho -, os companheiros do Estadão, que já recebiam remuneração acima do piso reivindicado pelas demais redações e que não seriam beneficiados em nada pela greve, foram assim mesmo convocados a entrar em greve. Também os jornalistas solicitaram a colaboração dos companheiros gráficos, que não estavam em campanha salarial, e os gráficos nos cederam carros de som e outras ajudas, além de terem participado de nossas assembleias, embora só com direito à voz e não ao voto.. Enfim, nos despedimos amigavelmente, Cecília e eu, não sem antes ela confirmar um ponto crucial: que, de acordo com o que me foi informado pela própria Cecília até mesmo consta de uma gravação feita e desde então e ora em poder dos companheiros grevistas, gravação feita com a sua anuência, Wagner, de fato, você, Wagner, quando comunicou a demissão, não citou a greve como um dos motivos, e sim a “quebra de confiança”, mas ao mesmo tempo me pareceu que o que você, Wagner quis dizer, entre outras coisas, é que a redação demonstrou não confiar em você, o que tornava impossível o trabalho conjunto. Não se tratava assim de simplesmente você, Wagner, não confiar mais na redação. Tratava-se também de a redação não confiar em você. Concluí que se criou uma situação em que, ou saía você, Wagner, e a redação assumia o controle da empresa, ou saia a redação – era essa a situação que, ao que me parece independente da vontade de todos os envolvidos, se tinha criado. Apesar de profundamente desgostoso com tudo isso, confirmo minha disposição de continuar colaborando com a revista seja quem for que a controle, desde que não fique, a meu ver, desfigurada em seus propósitos, e desde, é claro, que me aceitem como colaborador. Quanto à redação assumir o controle da empresa, temo que não daria certo, e cito como motivo para essa descrença a frase famosa do empresário de mídia Domingos Alzugaray dita há muitos anos ao companheiro Raimundo Rodrigues Pereira, hoje dirigente da revista Retrato do Brasil: “Você é um dos poucos jornalistas que conheço que sabe a diferença entre uma duplicata e uma promissória”. Também tenho razões para crer que nenhum dos onze companheiros demitidos sabe o que é uma debênture, de modo que, para assumir o controle total da revista Caros Amigos, teriam na minha opinião de ter ou uma proposta de nova equipe de administração, comercial e marketing, ou um outro modelo de sustentação material da revista que não o modelo empresarial. Até agora não tenho conhecimento de nenhuma proposta nesse sentido dos companheiros grevistas demitidos; Cecília ainda disse que a imposição do corte na folha salarial da redação caiu sobre a equipe “como um raio em céu azul”, pois antes as informações que vinham da direção é que as coisas estavam indo bem, as vendas tanto da revista como das edições especiais estavam bem, e até tinha havido recentemente aumentos de salários. Respondi que as informações que chegam a mim são bem diferentes. E, independente disso tudo, quanto ao “raio em céu azul”, acho estranho Cecília dizer isso, pois ela sabe que, segundo você, Wagner, e segundo consta do próprio comunicado dos grevistas, o que ocorreu agora foi uma decisão judicial que o obriga de imediato a pagar atrasos fiscais em montante altamente significativo. Conheço bem esse problema, pois tenho uma pequena empresa de prestação de serviços, a famosa PJ, pela qual produzo frilas e pela qual recebo pagamento por esses frilas, PJ que não tem nenhum empregado, e frequentemente os impostos comem até metade do que ganho no mês, ou mais, de modo que nem sempre estou em dia com os pagamentos ao fisco. Mas, mais importante do que tudo, é que Cecília confirmou o que consta nos comunicados dos grevistas no Facebook: que eles desejam que a Caros Amigos continue a circular e que cabe a cada um decidir se trabalha ou não na revista, sem que sua decisão, seja qual for, seja objeto de juízos de valor. Nessas condições, comunico que pretendo continuar a colaborar com a revista, nas condições em que sempre trabalhei para a Caros: escolhendo meus próprios horários de trabalho, trabalhando apenas de acordo com o que ganho, e sem jamais exercer função em que tenha de demitir alguém. Minha conclusão geral é a seguinte: acho que o movimento foi mal concebido, mal organizado e mal conduzido. Mas, se o objetivo foi convocar as partes e os que trabalham em geral na mídia progressista a se reunirem para debater franca e amistosamente a necessidade de rever os seus modos de funcionamento e as relações e condições de trabalho, inclusive de remuneração, estou de acordo com o movimento, como de fato estive, pois fiquei em greve enquanto esta durou. No entanto, confesso que até agora não entendi se esse foi o real objetivo do movimento, pois não fui chamado para a assembleia e não tenho conhecimento de nenhuma ata. Como os companheiros grevistas e demitidos não convocaram concretamente esse debate, resolvi eu mesmo convocar o debate e propor a você, Wagner, a publicação na própria Caros Amigos desta Carta Aberta, acompanhada de uma outra Carta Aberta a você redigida com inteira liberdade, autonomia, e palavra final por todos e/ou cada um dos companheiros grevistas demitidos, a quem eu pediria que aceitassem o mesmo processo que adotei para essa minha Carta Aberta agora em plenas condições de ser divulgada em público. Quero encerrar dizendo que não aceito a tese, exposta no facebook pelo Hamilton, de que, nessa contradição, ele é um dos representantes do polo Trabalho e Wagner é um dos representantes do polo do Capital. Do mesmo modo que, quando os fundos de pensão da Petrobras são investidos em ações, os trabalhadores petroleiros se transformam em rentistas, isto é, gente tradicionalmente considerada como pior do que os patrões, continuando ao mesmo tempo a serem trabalhadores, o Hamilton, quando usou o poder de demitir, também neste momento estava encarnando o polo do Capital. Afinal, todos nós sabemos que uma coisa pode ser ela mesma e seu contrário ao mesmo tempo. Também estranho que o companheiro Julio Delmanto tenha defendido essa mesma polarização, quando na verdade, pelo que me consta, ele foi demitido há algum tempo, pelo próprio Hamilton. No nosso meio social “branco” e de classe média, universo de você, de mim e de todos os companheiros grevistas demitidos, a esmagadora maioria das pessoas fazem parte ao mesmo tempo do polo do Trabalho e do polo do Capital, inclusive eu, pois em meu nome estão os registros trabalhistas das duas cuidadoras, que se alternam em turnos para cobrir 24 horas por dia, seis dias por semana, ed a empregada doméstica que, em turnos de 44 horas semanais, cuidam de minha mãe de 98 anos, situação que sou obrigado a aceitar porque não existe assistência pública domiciliar nesses casos. O que varia de pessoa para pessoa, nesse nosso mundinho, é a proporção entre os dois polos, o do Trabalho e o do Capital. O irônico é o seguinte: os companheiros grevistas e demitidos certamente não sabem que você, Wagner, apesar de todos os seus atritos internos com a redação, dos quais eu só tomei conhecimento por terceiros, em público defendia sistematicamente a linha editorial imposta pelo Hamilton, mesmo em conversas com velhos companheiros, como eu, além de me dizer sistematicamente que a palavra final sobre a edição cabia, sempre e sempre, ao Hamilton, que segundo você, Wagner, você respeitava profundamente como profissional. Moral da história: “No decorrer do processo de produção da vida material, os seres humanos contraem entre si relações independentes de sua vontade e, até certo ponto, de sua consciência.” (Marx, Crítica da Economia Política). “Não pinto de cor-de-rosa, de modo nenhum, o capitalista e o senhor de terras. Mas aqui os indivíduos são tratados na medida em que são as personificações de categorias econômicas, incorporações de relações específicas de classe e interesses específicos de classe. Meu ponto-de-vista, a partir do qual se vê a evolução da formação econômica da sociedade como um processo de história natural, não pode, ainda menos do que qualquer outro, tornar o indivíduo responsável por relações das quais ele é uma criatura socialmente criada, por mais que ele possa subjetivamente se erguer acima delas.” (Marx, prefácio da edição original de O Capital). “Não há nada mais revolucionário do que a verdade” (Lenin, não consegui localizar onde, mas acho que era o lema que ele propôs ao jornal Pravda, que em russo significa “A Verdade”). Finalmente, lembremos que Marx só pôde produzir sua obra financiado por Engels, este sócio-proprietário e gerente de uma fábrica que, evidentemente, explorava seus trabalhadores. Do mesmo modo que você, Wagner, não aspira às alturas de Engels, a Caros Amigos também está infinitamente abaixo de “O Capital”. Dito isso, tendo concluído este texto a 23 de março de 2013 às 17h06, fiquei aguardando as contribuições dos companheiros grevistas demitidos e do próprio Wagner, isto é, suas respectivas Cartas Abertas a mim, ou de novo ao Wagner, ou de novo aos companheiros grevistas demitidos, que passariam pelo menos processo de depuração que a minha própria Carta, que agora declaro alto e bom som que está madura para divulgação em público, por exemplo pelo meu blogue, ou seja, de uma forma que julgo muito precária, porque o texto é muito grande. Eu preferiria o meio impresso, mas não tenho condições de bancar isso. Estou enviando, a 30 de março de 2013 às 14h48, esta versão da minha Carta, para que algumas pessoas, em especial os grevistas demitidos, se manifestem sobre ela. Então ela poderá ser divulgada publicamente a qualquer momento, de preferência (aqui dependo dos destinatários) com a divulgação conjunta na íntegra, que garanto na Internet mas não em outros casos, pois não tenho como bancar os custos, de todas e quaisquer manifestações que eu vier a receber a partir da data e hora recém-indicadas, e dentro de um prazo que não passe de uma semana, ou seja. O mais importante é o seguinte: todos os soldados dos grevistas saíram feridos, nenhum deles foi morto, eles perderam a batalha, mas, se a greve realmente foi uma ação exemplar, eles ganharam a guerra, pois este debate foi agora aberto. Recuperados de seus ferimentos, os companheiros grevistas demitidos estão prontos para outra, como têm condições se produzirem sua própria Carta Aberta dirigida a quem queiram, cabendo aos grevistas demitidos decidir se a submetem ou não ao mesmo processo de depuração que adotei para a minha própria Carta Aberta. Nessas condições, Wagner, me despeço de você e, aqui entre nós, você, em que o polo do Trabalho é bem maior do que o polo do Capital, você, se chegasse como eu à conclusão de que a greve era uma ação exemplar para suscitar o debate sobre a precarização do trabalho dos jornalistas que está ocorrendo no mundo inteiro – não teria passado pela sua cabeça a ideia de... aderir à greve? Uma última observação: levando em conta os respectivos volumes de contribuição para a manutenção da mídia progressista, pelo que observei desde que conheço cada um dos dois, e comparando essas contribuições, francamente não sei dizer qual é a verdadeira proporção, comparativamente entre você, Wagner, que no seu aspecto de patrão demitiu 11 companheiros grevistas, e o companheiro grevista demitido Hamilton, que também demitiu gente ao longo de sua carreira, entre o polo do Trabalho e o polo do Capital. Até mais, Renato Pompeu colaborador da seção Ideias de Botequim da revista Caros Amigos e grevista que não pôde ser demitido por ser colaborador não convocado à greve, e não funcionário, e que não foi chamado pelos companheiros grevistas agora demitidos em nenhum momento e não pôde esclarecer sua posição junto a eles, o que faz agora.

4 comentários:

Anônimo disse...

Só os envolvidos podem avaliar a deselegância ou as insinuações ; não gostaria de estar na pele de nenhum de voçês; o debate será aberto mas as feridas são muitas

Renato Pompeu disse...

De fato, é muito corajoso postar como Anônimo.

João Alexandre Peschanski disse...

Querido Renato,
A notícia da demissão coletiva na CA me surpreendeu, mas também me surpreendeu a reação de alguns amigos, militantes, "quadros progressistas" na sua linguagem, que muito rapidamente designaram o Wagner Nabuco como "um patrão filho-da-puta", colocaram o evento num roteiro e na linguagem de disputa de classes. Podem até ter razão no fim das contas, mas foi tudo um pouco rápido demais, sendo jornalistas sem a devida apuração, sendo de esquerda sem a devida análise.
Reproduzo aqui um comentário a um camarada, numa discussão que tivemos sobre a demissão coletiva: "A partir da experiência da mídia alternativa desde Carajás, mais abrangente do que a CA, é que temos de pensar a alternativa de acordo com suas várias dimensões. Conseguimos em várias ocasiões desenvolver um formato, um estilo e um espaço relativamente aberto para colaboradores de esquerda (que dificilmente teriam acesso a outros espaços, e isso provavelmente ajudou a criar muitos intelectuais, militantes progressistas, por mais que seja difícil medir isso agora), mas não conseguimos sempre criar e manter a democracia e a transparência internas -- a demissão dos trabalhadores da CA não é um ato isolado pelo que entendi, mas parte de um processo interno no mínimo falho, em que as decisões administrativas e o trabalho dos jornalistas não cooperavam -- e até mesmo fazer um jornalismo alternativo para além do fato de não sermos a grande mídia, isto é, faltou uma proposta positiva de jornalismo diferente, que se mantivesse e disputasse substancialmente com a mídia burguesa.
Agora, já é difícil criar uma alternativa ao capitalismo no capitalismo, no caso da mídia isso é praticamente impossível. É sempre difícil porque os capitalistas são eficientes, cortam e externalizam custos, têm economia de escala e poder de barganha. É praticamente impossível no caso da mídia porque se trata de um setor bem específico do capitalismo atual, que é sempre deficitário, mesmo quando é compatível com a reprodução do capitalismo. Isto é, os capitalistas têm de investir (o que fazem cada vez menos, considerando que as propagandas são cada vez mais difíceis de serem obtidas) ou, externalizando custos, fazer com que invistamos (ou o Estado invista) na mídia no capitalismo. Ou seja, a mídia alternativa disputa com os poderosos da mídia não apenas o recurso que eles querem, mas que lhes é imprescindível e, óbvio, o que sobra para a mídia contra-hegemônica é quase nada, por mais que, na minha opinião, atenda muito mais às necessidades da sociedade, seja muito mais bem público do que a mídia burguesa.
Li agora um texto bem ofensivo sobre o suposto "mau caratismo" do Nabuco, como se fosse por uma falha de caráter dele que toda essa situação tivesse sido gerada. Trata-se de uma análise bem insuficiente. A atuação dele, a criação e a evolução da CA etc. precisam ser colocadas no contexto de todos os dilemas que existem para os meios de comunicação alternativos, que sentem sempre a pressão e a ameaça de desaparecerem..."
Seu texto, que faz uma recuperação sua, de sua trajetória dentro dessa crise, por falta de termo melhor, me faz pensar que chegou a um ponto excessivo o descompasso entre jornalismo e administração, num processo mais longo do que essa contestação ao Nabuco, que precisa ser analisado em suas várias dimensões.

Renato Pompeu disse...

O seu texto, João, me parece uma brilhante contribuição para essa discussão. Um dos problemas é que grande parte dos chamados anticapitalistas simplesmente não tem noção sobre o que seja realmente o capitalismo.