21 de julho de 2013
A (des)importância da educação
Trabalho de Sociologia da Educação no curso de História -
Da leitura dos textos da professora Adelaide Alves Dias e das Unidades 5 e 6 do Caderno de Referência de Conteúdo, se infere que a educação formal nas escolas, se for adequadamente encaminhada, pode ser um fator tão ou mais poderoso quanto a educação informal na família e na convivência social (por meio, por exemplo, das mídias), na socialização dos seres humanos e assim pode ser um poderoso fator também de promoção social dos setores mais carentes da população e de promoção de uma maior igualdade entre as diferentes qualidades de vida dos diferentes segmentos sociais numa sociedade específica.
Durante décadas vigorou entre os estudiosos progressistas da educação o conceito de que a escola é apenas “um aparelho ideológico de Estado” cuja função principal é “a reprodução indefinida da sociedade” com suas hierarquias tradicionais e suas desigualdades. De fato, esse parece ter sido o papel fundamental da educação durante milênios. Nas sociedades da Antiguidade, da Idade Média e até antes da eclosão da Revolução Industrial, praticamente somente os filhos das elites tradicionais tinham acesso à educação formal, em que se adestravam nas artes do governo, da administração, das armas, da ideologia, da tomada de decisões judiciais, restando às pessoas comuns apenas uma educação elementar em que basicamente aprendiam, como se fosse preceito da religião, a se conformar com sua existência precária, a “conhecer o seu lugar” e a esperar uma vida melhor apenas após a morte. Nem mesmo as filhas das elites tradicionais tinham em geral acesso a uma educação mais aprofundada do que essa educação elementar.
Com a Revolução Industrial, entretanto, houve a necessidade de ir progressivamente incluindo a totalidade da população no sistema de educação formal nas escolas, pois os trabalhadores precisavam, no mínimo, aprender a ler e a contar para saber como bem operar as máquinas e como bem cobrar as mercadorias que passavam não só a serem produzidas em massa, mas também a serem vendidas em massa para todas as camadas da população. Esse sistema, no mundo todo, com a possível exceção da África, começou a atingir o seu auge no pós-Segunda Guerra Mundial. Verificando, porém, que durante todo esse processo de democratização da educação se continuou a viver num capitalismo dominado pelos setores mais dinâmicos da burguesia, os estudiosos mais progressistas, apostando todas as suas fichas na revolução socialista como único passo capaz de melhorar as condições de vida das massas da população e de reduzir ao máximo as desigualdades entre as qualidades de vida das pessoas mais ricas em relação às pessoas mais pobres, partiam do pressuposto de que a esperada revolução socialista não ocorrera na grande maioria dos países por causa, em grande parte, de poderosos mecanismos de reprodução das hierarquias e das desigualdades da sociedade vigente. Entre esses mecanismos de reprodução da sociedade tal como era e continuava sendo há tempo, se destacavam os “aparelhos ideológicos de Estado” e, entre esses “aparelhos”, avultava a escola.
No entanto, o texto da professora Adelaide Alves Dias aponta como a escola de hoje em dia, que abarca praticamente o todo da população, pode ser um locus privilegiado da difusão dos direitos humanos, tais como constam da Declaração Universal dos Direitos Humanos aprovada pelas Nações Unidas ao fim da Segunda Guerra Mundial. Em outras palavras, mesmo sob o capitalismo é possível lutar na escola pela melhoria das condições de vida dos setores mais carentes da população e mesmo lutar para fazer as elites se convencerem de que essa melhoria é do interesse de todos, inclusive dos membros dessas elites.
Pois a verdade é que os que usavam o conceito de “aparelhos ideológicos de Estado” encaram a sociedade capitalista como algo pronto e permanente, que permanece imutável enquanto não for destruída por uma revolução socialista. Não se davam conta de que, conforme o tempo e o lugar, a sociedade capitalista vai constantemente mudando, de que dá conta, por exemplo, a observação do alto grau de igualdade social e econômica, e mesmo cultural, vigentes na Suécia e na Noruega do pós-Segunda Guerra Mundial, contraposta, no mesmo período, à observação de desigualdades vigentes em outros países tão capitalistas quanto esses países escandinavos, como o Brasil e a Indonésia.
Mas que papel a educação teve na promoção do maior igualitarismo na Escandinávia? Ocorre que, na raiz da sociedade capitalista de hoje, estão as lutas do passado pela liberdade, igualdade e fraternidade, como diz o lema da Revolução Francesa. Assim, na Inglaterra, por exemplo, o rei Henrique 8.o, fundador da Igreja Anglicana, havia mandado no século 16 fechar todas as escolas de música, onde predominavam mestres católicos-romanos. A Inglaterra viveu séculos sem grandes músicos e, na primeira metade do século 20, sem maior presença na música popular. Seu maior compositor, Haydn, do século 18, era alemão. Até que, já avançado o século 20, surgiram os governos trabalhistas ingleses, que democratizaram a educação e reabriram as escolas de música. Nessas escolas se formaram, por exemplo, os Beatles, de origem proletária e que, além de novos estilos de cantar, também difundiram novos modos de pensar e de se comportar, mais de acordo com as expectativas das camadas mais extensas da população.
Com as escolas difundindo não só os saberes que as pessoas devem ter para conseguir empregos e sobreviver dignamente, mas também difundindo os conceitos dos direitos humanos, é possível transformar não só os alunos, mas também os professores, em agentes dinâmicos da mobilização social para impor as necessárias transformações sociais. Para isso não é preciso esperar a revolução socialista, ou dedicar-se exclusivamente a tentar acelerar a sua eclosão. Mesmo porque a experiência mostrou que, nos países socialistas, as mudanças comportamentais da segunda metade do século 20 foram mais lentas do que nos países capitalistas avançados, de modo, por exemplo, que os homossexuais, perseguidos e sujeitos à prisão na União Soviética, têm até hoje na Rússia pós-comunista destino bem diferente dos homossexuais da Grã-Bretanha, também sujeitos à prisão até os anos 1960, mas agora mais plenamente integrados à vida cotidiana. Do mesmo modo, no Brasil a Polícia, apesar de seu racismo, se tornou menos racista do que a Polícia cubana é ainda hoje. Também no Brasil a presença de negros e pardos nos altos postos dos Três Poderes é bem maior do que a que têm em Cuba, embora ainda seja altamente insatisfatória.
Em suma, a sociedade capitalista é bem menos estática do que as sociedades antiga e medieval que a precederam. E a escola, afinal, é um lugar de contradições. Existem nela interesses pela preservação das desigualdades. Mas existem também pressões para maior igualdade.
Bibliografia consultada
“Mind, Brain, and Education Science - A Comprehensive Guide to the New Brain-Based Teaching”, Tracey Tokuhama-Espinosa, PhDB, W. W. Norton & Company, Nova York • Londres, 2011, em especial o capítulo 3, “Chapter 3. A New Look at Old Problems in Education:
A Brief History of the Science of Learning”.
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Um comentário:
Achei este, um estudo primoroso, como é, de fato, o seu gênero de escrita, mas senti falta da diferenciação dos ensinos da técnica e o reflexivo. O ensino da Grécia antiga, por exemplo, era um ensino reflexivo, voltado para o estudo das ciências, e era completamente elitista, como assim o era toda a democracia grega. Por outro lado, o ensino popularizado que surge com a revolução industrial é o ensino da técnica. A diferença entre ambos os modelos de educação é que um, ensina a subordinação a uma técnica, ou formas religiosas etc. A educação reflexiva é voltada para o saber do aluno enquanto cidadão, enquanto homem, habilitando-o ao reconhecimento dos seus direitos e deveres perante a sociedade em que vive. A educação popular reflexiva inexiste, nunca existiu e é uma reivindicação atual. No Brasil, por exemplo, está começando a existir. Tenho visto trabalhos muito bons nesse sentido, mas tudo ainda em experiência.
Outra ressalva que faço é que não vejo como medir o preconceito da educação brasileira e o da educação cubana. Eu acho o conceito de inclusão um bom referencial para essa medida, e se usarmos esse conceito, a educação cubana passa a ser incrivelmente menos preconceituosa do que a nossa, pois a exclusão e a evasão escolar no Brasil é impressionantemente enorme. Em Cuba, por sua vez, exclusão e evasão inexistem.
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