20 de julho de 2013
Lulismo, varguismo
Trabalho de História
Elabore uma dissertação de até três laudas sobre a retomada
de símbolos da Era Vargas durante a Era Lula.
Lembre-se de que a Era Vargas remete ao tema da fundação
do Estado Social no Brasil (este severamente abatido após os períodos
Militar e Neoliberal). No entanto, a Era Lula não rompeu a
lógica do mercado herdada dos tempos de FHC.
INTRODUÇÃO
Talvez mais do que adotar símbolos e gestos característicos do antigo presidente Getúlio Vargas, como o de se deixar fotografar com as mãos sujas de petróleo para saudar a inauguração de mais um poço ou campo, ou de pronunciar discursos inflamados de fácil compreensão pelas massas de trabalhadores, o presidente Luís Inácio Lula da Silva tenha utilizado formas mais profundas das práticas políticas da Era Vargas. Em particular, a Era Lula parece ter conseguido conciliar, ao estilo do Estado Novo, os interesses mais disparatados, desde os setores mais conservadores das elites dominantes, até os setores mais organizados das massas trabalhadoras.
DESENVOLVIMENTO
Considera-se que quem mais bem explorou essa hipótese das semelhanças profundas entre o Estado Novo de Getúlio Vargas e os governos da Era Lula foi o cientista político fluminense Luiz Werneck Vianna, em VIANNA (2007). Ele primeiro assinala que, durante a Era Neoliberal, e explicitamente nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso, havia o objetivo de “enterrar” a Era Vargas, nas suas duas vertentes, a da preocupação de fazer avançar o nacional-desenvolvimentismo e a da preocupação em criar diques de contenção para proteção do nível de vida dos trabalhadores, notadamente dos proletariados urbanos dos setores da produção e dos serviços.
Fernando Henrique Cardoso se tinha consagrado como arauto da chamada Teoria da Dependência. Mas esta, nas suas mãos, muito mais do que uma denúncia segundo a qual o atraso da sociedade brasileira se devia a sua inserção semicolonial na dinâmica do capitalismo mundial, era na verdade uma constatação de que a economia brasileira poderia muito bem se desenvolver, e mesmo se desenvolver aceleradamente, por meio, justamente, dessa dependência. Aliás, mais do que um programa, a Teoria da Dependência, nas mãos de Fernando Henrique Cardoso, era fruto da observação: durante uma fase do regime militar, o País tinha crescido em ritmos sem precedentes, justamente impulsionado pelos capitais estrangeiros. FHC, cuja oposição ao regime militar fora patrocinada pela Fundação Ford, em meio à crescente oposição do governo americano à continuidade do regime militar, por causa do crescente nacional-estatismo dos militares brasileiros, queria enterrar o nacional-desenvolvimentismo da Era Vargas substituindo-o por um internacional-desenvolvimentismo, para o que pretendia reduzir drasticamente os diques de contenção da legislação trabalhista, a fim de criar um ambiente mais favorável para os capitais internacionais. Não teve tempo, porém, de cumprir principalmente, a par da “abertura da economia”, a tarefa da “flexibilização trabalhista”, pois foi literalmente surpreendido, no começo do seu segundo mandato, pela crise da dívida externa, prova viva do caráter vicioso, e não virtuoso, como FHC defendia, da dependência sobre a qual tinha teorizado.
Cabe aqui dar a palavra a Luiz Werneck Vianna. Na abertura de VIANNA (2007), ele escreve:
A crer nos indicadores dos dois períodos presidenciais de Fernando Henrique, mas, sobretudo, a partir do mandato de Lula, o capitalismo brasileiro encontrou um caminho de expansão e de intensificação da sua experiência. Contudo, tem sido agora que se vê conduzido por um projeto
pluriclassista e com a definida intenção de favorecer uma reconciliação política com a história do país, contrariamente à administração anterior, mais homogênea em sua composição de interesses e decididamente refratária ao que entendia ser o legado patrimonial da nossa herança republicana.
Com efeito, estão aí, neste governo Lula, guindadas a Ministérios estratégicos, as lideranças das múltiplas frações da burguesia brasileira — a industrial, a comercial, a financeira, a agrária, inclusive os cúlaques que
começaram sua história na pequena e média propriedades, e que, com a cultura da soja, atingiram o reino do grande capital —, lado a lado com o sindicalismo das grandes centrais sindicais e com a representação dos intelectuais do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). De outra
parte, estão aí a revalorização da questão nacional, do Estado como agente indutor do desenvolvimento, o tema do planejamento na economia, a retomada do papel político da representação funcional, da qual é ícone institucional a criação do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES).
Se, antes, a ruptura com o passado fazia parte de um bordão comum ao PSDB e ao PT — o fim da Era Vargas —, sob o governo Lula, que converteu Celso Furtado em um dos seus principais ícones, e em que ressoam linguagens e temas do chamado período nacional-desenvolvimentista em
personagens destacados da sua administração, como José de Alencar, Dilma Rousseff e Luciano Coutinho, todos em posições-chave, menos que de ruptura o passado é mais objeto de negociação. Assim, o governo que, no
seu cerne, representa as forças expansivas no mercado, naturalmente avessas à primazia do público, em especial no que se refere à dimensão da economia — marca da tradição republicana brasileira —, adquire, com sua interpelação positiva do passado, uma certa autonomia quanto a elas, das quais não provém e não lhe asseguram escoras políticas e sociais confiáveis. Pois, para um governo originário da esquerda, a autonomia diante do núcleo duro das elites políticas e sociais que nele se acham
presentes, respaldadas pelas poderosas agências da sociedade civil a elas vinculadas, somente pode existir, se o Estado traz para si grupos de interesses com outra orientação.
Tudo isso lembra, até estruturalmente, os mecanismos governamentais do Estado Novo para contentar ao mesmo tempo industriais, fazendeiros e trabalhadores, excluídos os do campo. Com efeito, em seus dois mandatos, o presidente Lula conseguiu, de um lado, satisfazer plenamente os interesses materiais dos setores dominantes mais estratégicos na economia, e, de outro, satisfazer menos plenamente os interesses materiais também dos setores dominados mais estratégicos. De um lado, os trabalhadores organizados, se não viram seus direitos se ampliarem, como pretendiam, com a diminuição das horas de trabalho, viram em parte amortecida a campanha pela “flexibilização trabalhista” e, principalmente, viram seus salários substancialmente aumentados. Até mesmo aumentaram os salários dos trabalhadores não-organizados, pelos sucessivos aumentos reais do salário mínimo, e até os rendimentos daquelas camadas que a ciência social americana chamou de “subclasses”, por meio de programas como o Bolsa-Família.
A par disso, os setores financeiros, mineradores e grandes agricultores nunca puderam ganhar tantos lucros. Aqui paradoxalmente a Era Lula, simbolizada por um operário metalúrgico, se contrapôs à Era Vargas, simbolizada por um grande proprietário de terras. Enquanto Vargas usou as exportações de café para, criando taxas para seus rendimentos, fomentar a industrialização a partir de iniciativas estatais bancadas por essas taxas, Lula usou as exportações de ferro e de açúcar e soja para a partir delas extrair rendas que lhe permitissem fazer uma redistribuição dessas rendas em benefício das camadas menos favorecidas. Só ficou fora dessa verdadeira festa a massa dos sem-terra, só contemplada com slogans consoladores, tal como Vargas havia deixado fora da legislação trabalhista as massas rurais.
CONCLUSÃO
Ao contrário de Vargas, Lula não deixou o país mais industrializado do que o encontrou, mas, semelhantemente a ele, sofreu o ódio e o desprezo daqueles a quem mais beneficiara – no seu caso os setores dominantes dos financistas e dos exportadores de minérios e produtos agrícolas. O destino de Lula, no entanto, pode se tornar ainda mais parecido com o de Vargas. De fato, tendo o ex-ministro-chefe da Casa Civil do governo Lula, José Dirceu, sido condenado no chamado julgamento do mensalão sem provas documentais, apenas por ilação – tipo “ele era o chefe de todos e devia saber de tudo” – o mesmo raciocínio se pode voltar contra Lula. Aliás, já há manifestações do PSDB, do DEM e do PPS nesse sentido, e também editoriais da grande mídia.
BIBLIOGRAFIA
VIANNA, Luiz Jorge, “O estado novo do PT”, 2007, in http://www.centrovictormeyer.org.br/attachments/059_O%20estado%20novo%20do%20PT%20-%20Luis%20Werneck%20Vianna.pdf, acessado em outubro de 2012
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Um comentário:
Muito esclarecedor.
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