20 de janeiro de 2014

Problemas do comércio Rússia-Brasil

Peripécias da vodca russa ilustram as dificuldades do comércio Brasil-Rússia - Renato Pompeu - Colaboração para a Folha - Se as grandes empresas brasileiras, por exemplo, da soja, carne bovina e de açúcar não encontram dificuldades para comerciarem com a Rússia, as peripécias da vodca russa no Brasil ilustram os obstáculos que os pequenos e médios empreendedores encontram no comércio entre os dois países. As constatações são do consultor do comércio russo-brasileiro e ucraniano-brasileiro Sérgio Lessa, 25 anos, que trabalhou durante um ano na Rússia e que desde o começo de 2012 atua em São Paulo. Ele conta com uma equipe de contatos em várias cidades russas, que dão orientação, para cada produto, a respeito de impostos e exigências burocráticas. Confia em que ambos os lados têm a ganhar mercados de dezenas de milhões de consumidores, na medida em que forem sendo superadas as dificuldades. Segundo Lessa, as vodcas mais afamadas na Rússia e no comércio internacional não têm conseguido penetrar no Brasil, por falta de interesse dos distribuidores brasileiros e dos próprios produtores russos. As razões vão desde a exigência dos exportadores russos de importação mínima de dois contêineres, ou seja, 24 mil garrafas, até a falta de glamour das marcas russas de vodca no Brasil. Acontece que várias marcas de vodca com nome russo, e mesmo com caracteres cirílicos na embalagem, são na verdade produzidas no Brasil, a partir da cana de açúcar, sempre de acordo com Lessa. Assim, o que os consumidores brasileiros mais exigentes conhecem como vodca russa é de qualidade inferior às vodcas provindas da Polônia, da Finlândia e da Suécia, principalmente nos segmentos de luxo. Sérgio Lessa afirma que uma das poucas vodcas de nome russo encontradas no Brasil que são verdadeiramente importadas da Rússia, e lá gozam de boa fama, é a Stolichnaya, de prestígio firmado no País há décadas. Mas ele chama a atenção para o fato de que essa marca, na Rússia, na verdade faz parte das vodcas populares de boa qualidade e não pode competir com as marcas de luxo polonesas, finlandesas e suecas encontráveis no Brasil. A versão mais elaborada, a Stolichnaya Elit, não é fácil de achar nas prateleiras brasileiras. O consultor esclarece que, na própria Rússia, os consumidores preferem as vodcas de sabor mais forte, como as de luxo Tchistyi Kristall e a Treugolka, ou as superpremium Bieloe Zoloto e Medvejia Sila, mas para exportação uma das mais afamadas é a mais suave Russkii Standart Gold, também superpremium. Lessa teve um contato com o grupo Glazov, que há pouco tempo lançou a vodca Kalashnikov, de padrão médio de qualidade, para os padrões russos, ou seja, acima do padrão de qualidade das vodcas russas encontráveis no Brasil. Essa marca, que homenageia o projetista do famoso fuzil AK-47, conta com a assinatura do próprio projetista e ainda tem um formato original de garrafa, semelhante a um projétil desse fuzil, mas esses atrativos não foram suficientes para convencer distribuidores brasileiros. Dois foram os fatores desse desinteresse: a exigência do Glazov de só lidar com quantidades a partir de 24 mil garrafas e os receios dos distribuidores de prejudicar as marcas com as quais já lidam. Lessa agora busca interessar redes de supermercados, na sua opinião mais flexíveis do que os distribuidores. Lessa fez uma pesquisa entre consumidores russos familiarizados com coisas brasileiras sobre que produtos do País gostariam de ver nas prateleiras dos estabelecimentos na Rússia. De longe ganharam as frutas tropicais e o pão-de-queijo, mais os cosméticos naturais. Das frutas brasileiras apreciadas por esses consumidores russos, apenas o mamão gold e a manga gold são exportados para lá por produtores brasileiros em quantidades significativas. As demais provêm de outros países; por exemplo, a carambola vem da Malaísia e a banana vem da América Central. Entretanto, uma única jovem empresária russa está fazendo sucesso com a importação de açaí. Quanto aos cosméticos, segundo Lessa, um grande filão pode se abrir para exportadores brasileiros, pois na Rússia há uma grande procura por cosméticos naturais, que são extremamente difíceis de encontrar no mercado russo, tanto entre marcas internacionais como entre marcas russas. Desde que começou a trabalhar, há um ano, na Rússia, e este ano, no Brasil, Lessa já teve contatos com um empresário russo interessado em exportar iogurtes do tipo russo para o Brasil, uma empresa brasileira que queria importar turbinas hidrelétricas russas de pequeno porte, uma empresa ucraniana interessada em exportar para cá sistemas de antivírus para computador, uma cervejaria russa interessada em exportar para o Brasil (a cerveja russa é diferente do tipo de cerveja normalmente encontrado no Brasil, de origem alemã), uma empresa chilena interessada em introduzir no mercado brasileiro o sistema russo Glossnas de rastreamento de veículos. Com exceção do grupo Glazov, que o encarregou de toda a negociação que acabou não dando certo, Lessa foi procurado pelos demais clientes apenas para proporcionar assessoria inicial com informações sobre o mercado russo e brasileiro e com o estabelecimento de contatos entre as partes, mas não participou depois das negociações, de modo que não pode dizer em que pé estão. Lessa diz não conhecer outras consultorias brasileiras sobre o comércio Rússia-Brasil, mas informa que atuam no mercado brasileiro consultorias russas e também consultorias portuguesas que lidam com a Rússia. Ele também promove o que chama de turismo personalizado: por exemplo, programou os contatos para um intelectual brasileiro que queria se aprofundar no estudo da história da Segunda Guerra Mundial do ponto-de-vista russo. Nesse campo, tem tido muito mais negócios do que com importação e exportação. Para o turismo personalizado, seu serviço indica guias que falam português e, mais do que isso, um serviço de 24 horas de atendimento por telefone na Rússia em português para atendimento de situações imprevistas, como acidentes, emergências médicas e contatos com autoridades e pessoas em geral.

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