15 de março de 2010

Atendendo a pedidos, matéria sobre bipolar

Algumas pessoas solicitaram a matéria que fiz para o Diário de S. Paulo, em janeiro, sobre distúrbio bipolar, um depoimento do artista plástico Vado Mesquita. Só consegui localizar a segunda parte do depoimento:

O sumiço em Londres

Continua o depoimento de Vado Mesquita:
Tecnicamente eu tenho distúrbio bipolar depressivo hipomaníaco. Meus surtos são, predominantemente, depressivos. A forma como o lado maníaco se manifesta é bem diferente dos surtos radicais que meu pai sofria, quando saía vendendo tudo o que tinha e a comprar tudo que queria, agressivo, irritadiço e desagradável. Eu também saio por aí a adquirir objetos quando eufórico. A diferença é que tudo é canalizado para o meu trabalho. Nada se perde, tudo se transforma.
Períodos maníacos são muito similares a períodos de fervor criativo. Já nas depressões propriamente ditas, minha produção é nula, inexistente.
No ano passado, eu havia sido convidado pelos produtores do BAC para construir um arquivo vivo do festival de primavera, BURST, enquanto ele acontecesse. Era a despedida do meu tempo londrino com um projeto maravilhoso que fecharia meu tempo baseado naquela ilha fria e chuventa lindamente.
Eu iria abrir e fechar o prédio todos os dias durante o festival e construir um arquivo vivo do que rolaria no fest. Duas ou três semanas antes da data de abertura do BURST fui a Manchester colaborar com uma artista performática. Esqueci de levar minha medicação e fiquei sem tomá-la por uns 10 ou 12 dias. Obviamente comecei a tomar a medicação novamente assim que cheguei em Londres. Mas continuei a sentir os sintomas que já conhecia de uma depressão que se iniciava: um mal-estar comigo mesmo e, mais grave ainda, justamente com as pessoas que eu mais amava. Precisava me afastar delas. Não tinha nada a ver com a idéia de possível fracasso na exposição, mas esta influiu porque eu senti mal-estar só de pensar que, nela, eu ia ter contato com pessoas próximas a mim.
Desapareci na véspera e assim fiquei a me esconder por mais de 10 meses, a maioria do tempo num pardieiro em Paddington, local na cidade onde as possibilidades de encontrar alguém conhecido eram ínfimas. Vaguei pela cidade em desespero por alguns dias, dormindo em bancos, ônibus noturnos ou hoteizinhos baratos. Acabei, mais uma vez, por encontrar um certo conforto perverso dentro do cotidiano ínfimo que se criava em torno de mim. Tentava me anestesiar o tempo todo, com televisão ou quebra-cabeças nipônicos numéricos. Senão, uma constante urgência em me matar, acabar com o sofrimento. Anestesia ou suicídio, as únicas possibilidades que eu sentia possíveis. A culpa sentida pelo sofrimento imposto a todos os meus amados e amadas era poderosa, insuportável. Mas houve um momento, uma epifania artística, em que eu comecei a sair da depressão. Fazia três semanas que eu era um sem-teto, vagando pelas ruas de Londres, até que, sentado na calçada numa noite escura e chuvosa, vi um riachinho, um filete de água correndo pela calçada e pela rua. Senti que eu tinha de registrar aquela visão, escrever sobre ela. Para isso, eu tinha de voltar a trabalhar. Andei de volta para casa e comecei a reemergir. E, pelo fato de absolutamente todas as pessoas que conheço terem sabido do meu sumiço de uma forma ou de outra, a forma de melhorar seria me obrigar a enfrentar a condição de frente e tratar-me propriamente. Muitos que reencontrei diziam que também se sentiam mal às vezes e isso me ajudou muito, simplesmente ajudando as pessoas, ouvindo as suas queixas. Foi muito importante também o fato d’eu ter que explicar o que havia ocorrido desde para o garoto de 9 anos que frequentava o BAC com sua mãe até os 4 amigos libaneses do meu restaurante local predileto. Com cada pessoa era um exercício diferente em entender e descrever o episódio.
Na volta à minha casa em Londres e durante o processo de recuperação deste último surto e sumiço, novamente escrever, junto com ler, desempenhou importantíssimo papel. Como agora, de volta ao Brasil, me tratando e novamente produzindo, na minha velha casa na rua Campo Verde.

Um comentário:

Cristiane Larsen Rocha disse...

Em mulher, ou seja mae e filha, a mae atormenta a filha afim de ter companhia na loucura. Alem do componente genetico existe o componente ambiental.