18 de setembro de 2010

O destino do Vietnã antecipa o de Cuba?

Agora que se está falando das mudanças pró-cooperativas privadas e pró-empresas privadas em Cuba, talvez seja adequado lembrar a trajetória do Vietnã. Abaixo, artigo que me foi encomendado em abril pelo Diário de S. Paulo:

Aos 35 anos de sua reunificação, Vietnã busca novos caminhos
Renato Pompeu (especial para o Diário)

Exatamente 35 anos depois da vitória dos comunistas na Guerra do Vietnã, cujo aniversário transcorreu na sexta-feira última, 30 de abril, e da unificação dos Vietnãs do Norte e do Sul na atual República Socialista do Vietnã, o país parece paradoxalmente em vias de tornar-se, não o que planejavam os vitoriosos na guerra, sim o que planejavam os derrotados, os sulvietnamitas anticomunistas e os norteamericanos. Esses dois últimos queriam uma economia abertamente capitalista, sem maior referência a uma abertura na política – exatamente os dois fenômenos que estão ocorrendo no Vietnã -, enquanto os comunistas queriam uma economia estatal planificada que se demonstrou inviável.
Com 330 mil quilômetros quadrados – um tanto maior do que o Estado de São Paulo – o Vietnã tem cerca de 88 milhões de habitantes, sendo assim literalmente um formigueiro humano. Sua história como região cultural e política com identidade étnica própria data do século 2 a.C, com o nome de Nam Viet, que, como Vietnã, significa “Estado do Sul”, em referência ao “Império do Meio” que seria a China. Esta dominou o país até o século 10 d.C.; a região depois esteve variadamente dividida até 1802, quando foi unificada sob uma única dinastia. Em 1859, os franceses ocuparam Saigon, hoje Cidade Ho Chi Minh.
Os portugueses tinham chegado bem antes, em 1535; o poeta Camões quase se afogou com o manuscrito de “Os Lusíadas” no delta do rio Mekong, e consta que é dirigido a uma vietnamita o seu célebre soneto “Alma minha gentil que te partiste”, e que ela teria morrido nesse naufrágio de que ele se salvou. Mas os portugueses só instalaram feitorias, enquanto os franceses - que acabaram ocupando todo o Vietnã até 1940, quando durante a Segunda Guerra Mundial o país foi tomado pelos japoneses – colonizaram plenamente o país e mudaram seu alfabeto tradicional para o alfabeto romano, ainda hoje utilizado pelos vietnamitas.
Em 1945, as tropas japonesas em fuga aceitaram a declaração de independência do Vietnã, feita pelos guerrilheiros comunistas, que porém não foi aceita pelas tropas francesas retornadas. Iniciou-se uma guerra entre os comunistas e a França, apoiada pelos Estados Unidos, com a vitória dos comunistas em 1954. Os franceses foram expulsos.
Surgiram então, em 1956, o Vietnã do Norte, comunista, e o Vietnã do Sul, com a presença de tropas americanas. No Sul, guerrilheiros comunistas apoiados pelos norte-vietnamitas combatiam o governo pró-ocidental. Tropas americanas intervieram e nos anos 1960 aviões dos EUA bombardearam maciçamente o Vietnã do Norte, tendo sua capital, Hanói, sofrido muito mais bombas do que Berlim em toda a Segunda Guerra Mundial.
A indefinição do resultado da guerra, e a impossibilidade de os Estados Unidos a ganharem, para o que seria necessário invadir por terra o Vietnã do Norte – o que desencadearia uma imprevisível reação da China e da então União Soviética -, levaram a que o número de jovens americanos mortos em combate crescesse cada vez mais. Isso desencadeou uma reação da juventude, naqueles anos de recrutamento obrigatório e não de soldados profissionais como agora, e de outros setores da população dos EUA, reação que contribuiu de modo notável para o grande movimento de “paz e amor” de milhões de hippies nos lendários anos 1960.
Em 1973, houve um acordo de cessar-fogo e as tropas americanas começaram a se retirar. Em maio de 1975, finalmente, tropas regulares do Norte ocuparam Saigon, pondo fim ao regime sul-vietnamita pró-ocidental.
Antes mesmo da derrocada mundial do comunismo, em meados dos anos 1980, diante da inviabilidade do prosseguimento da instauração de uma economia estatal planejada, que não conseguiu se adaptar ao rápido desenvolvimento tecnológico em todo o planeta, ainda hoje longe de atingir a estabilidade necessária para o planejamento, o governo comunista vietnamita introduziu reformas profundas. O país foi aberto aos investimentos estrangeiros e mesmo à iniciativa privada local. Esses tinham sido exatamente os objetivos pelos quais tinham lutado os sul-vietnamitas e os americanos.
As relações diplomáticas com os Estados Unidos foram estabelecidas em 1995; os EUA assim perderam a guerra, mas ganharam a paz, com empresas como a Nike tendo suas maiores fábricas no Vietnã. O país caminha para se tornar mais um Tigre asiático.

4 comentários:

AF Sturt Silva disse...

O artigo é velho ,teria um atual sobre a situação economica-social e politica depois disso?

Renato Pompeu disse...

O artigo não é tâo "velho" assim, é de abril último e de lá para cá a situação no Vietnã praticamente não mudou. Mensagem enviada a 20 de setembro à lista de notícias americana Marxism pelo canadense Michael Leibowitz, < mlebowit@sfu.ca > informa que ele esteve no Vietnã em dezembro e janeiro últimos e que na ocasião pesquisadores vietnamistas disseram que seu país está "dez anos atrás da China" no que se refere à reação das autoridades perante problemas trabalhistas como as greves. Leibozitz descreveu suas impressões na revista online da Monthly Review, famosa revista esquerdista americana, em http://mrzine.monthlyreview.org/2010/lebowitz190210.html

AF Sturt Silva disse...

Então quer dizer que o capitalismo superou o socialismo até no quesito manifestão popular e defesa da classe trabalahadora?

Renato Pompeu disse...

O que entendi é que por enquanto, no Vietnã, não há o grau de relativa liberdade que os trabalhadores têm na China para lutar pelos seus interesses.