Em março último, a revista Caros Amigos publicou o seguinte artigo:
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Memórias de um jornalista não investigativo
Meio século de alegrias e frustrações
“Eu sou do tempo que se dizia que jornal servia para embrulhar peixe”
Renato Pompeu
Estou completando este mês 50 anos de jornalismo profissional, que iniciei entrando por concurso em 1960 na “Folha da Manhã”, hoje “Folha de S. Paulo”. Continuo enfrentando a profissão como a iniciei: alegre por prestar um serviço público e frustrado por não conseguir, por limites pessoais e externos, prestar plenamente esse serviço.
Aprendi muito nessas décadas todas. Em primeiro lugar, aprendi que um jornalista não precisa saber nada, precisa apenas saber quem sabe. O jornalista, ao contrário dos intelectuais, não tem de divulgar seus conhecimentos, e sim de divulgar o conhecimento de terceiros, sempre relatando que se baseia em fontes, embora possa não identificar essas fontes. Essas fontes podem ser testemunhas, especialistas ou pesquisas e outras documentações. O que o jornalista precisa saber é realmente como conseguir chegar às fontes em cada assunto específico, e distinguir entre as fontes boas e más.
Uma segunda constatação que fiz é que a especialização em alguma problemática, seja Esportes ou Polícia, ou seja qual for, pode ser mais prejudicial do que benéfica. Um jornalista sempre depende de suas fontes e, se insistir ficar anos a fio cobrindo o mesmo campo, pode ficar prisioneiro de suas fontes. Ele não pode correr o risco de desagradar cada uma de suas fontes, publicando uma informação importante que a fonte não quer ver divulgada, por exemplo, pois nesse caso a fonte deixará de prestar novas informações. Por isso, ao longo de minha carreira, sempre procurei passar sucessivamente de um campo de cobertura para outro. A tal ponto que, quando me perguntam, “Afinal, você é jornalista especializado em quê?”, sempre respondo: “Sou jornalista especializado em jornalismo”.
Outra coisa que aprendi foi que cada jornalista tem as fontes que merece. Se o jornalista for um ser intelectualizado que procura ser isento, ele terá como fontes seres intelectualizados que procuram ser isentos. Se o jornalista for conservador, terá conservadores como fontes. Se o jornalista for esquerdista porra louca, terá esquerdistas porras loucas como fontes. Dize-me quem são tuas fontes, e dir-te-ei quem és. Ou melhor, dize-me quem és e dir-te-ei quem são as tuas fontes.
Finalmente, aprendi que existe um outro jogo de espelhamentos como esse entre os jornalistas e suas fontes: é a identificação dos integrantes de uma redação bem sucedida com o seu público. A composição social, política e cultural de uma redação bem sucedida vai ao mesmo tempo criando um público de composição social, política e cultural semelhante, e vice-versa, as exigências do público vão alterando a composição da redação que serve àquele público. Disse Marx, referindo-se a livros, “Cada obra cria o seu próprio público”. Disse meu falecido irmão, jornalista Sérgio Pompeu: “O jornalista precisa ter um vínculo com seu público”, do contrário sua obra cairá no vazio, ou mesmo será recebida com hostilidade. Dize-me se você gosta de me ler e dir-te-ei que você é parecido-parecida comigo.
Um comentário:
Genial, como sempre.
abraços
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