21 de janeiro de 2014

Allen Ginsberg, o bom filho

Do Diário do Comércio de São Paulo - Poeta da rebelião, Allen Ginsberg era bom filho - Renato Pompeu - Dez anos depois de sua publicação original nos Estados Unidos, sai no Brasil, pela Peixoto Neto, um livro com parte da correspondência entre o famoso “poeta do urro”, o rebelde iconoclasta Allen Ginsberg (1926-1997), ícone da poesia americana e ícone da rebeldia dos anos 1960, e seu pai, o poeta lírico Louis Ginsberg (1895-1976), trocada entre eles de 1944 até a morte do pai – ou seja, entre os 18 e 50 anos do poeta, que só estrearia em 1956, aos 26 anos, com o famoso “Howl”, e entre os 49 anos do pai e sua morte aos 81. Trata-se da obra “Negócio de família – Cartas selecionadas de pai e filho – Allen e Louis Ginsberg – Editadas e prefaciadas por Michael Schumacher”. Não, o editor não é o famoso piloto alemão de Fórmula 1. E sim um seu homônimo, escritor americano, autor de biografias do músico inglês Eric Clapton e do cineasta também americano Francis Ford Coppola, além de uma biografia do próprio Allen Ginsberg. De um lado, o filho foi um grande herói, em poesia, dos famosos Beatniks, autores críticos do convencionalismo e das hipocrisias do chamado “modo de vida americano”, e um herói também da luta contra a guerra do Vietnã. De outro lado, seu pai, Louis, judeu de origem russa, era professor, socialista e poeta com livros publicados; sua mãe, Naomi, era comunista e sofria crises mentais que assombraram a infância de Allen – ela tentou o suicídio quando o menino tinha 11 anos e começava a escrever no jornalzinho escolar. Além do mais, o jovem logo descobriu sua própria homossexualidade, mas a ocultou dos colegas e dos pais até quando tinha mais de 20 anos. Enquanto o pai era um tranquilo e morigerado professor, Allen passou a vida adulta viajando sem parar, lendo suas poesias em voz bem alta para auditórios, em geral universitários, inflamados de jovens entusiásticos, tomando todo tipo de droga, tendo ruidosos e tumultuados casos amorosos com diferentes homens. Entretanto, nas cartas ao pai, se revela um filho afetivo e atencioso, sempre respeitando o pai, embora discutissem acaloradamente sobre temas políticos e literários, duas temáticas em que o filho tinha posturas radicais e o pai era bem mais moderado, e até sobre temas sexuais. O filho era um crítico feroz de qualquer tipo de repressão ou de qualquer forma de autoritarismo, fosse na sociedade americana, fosse na sociedade soviética. O pai procurava ser compreensivo e afetuoso. O pai costumava chamar o filho de “Querido Allen” nas cartas; o filho, sempre anticonvencional, chamava o pai de “Caro Louis”. Por exemplo, em agosto de 1947, quando Louis tinha 52 anos e Allen 21, os dois discutiram as teses dos psicanalistas austríacos radicados nos Estados Unidos como fugitivos do nazismo, Otto Rank, anatematizado por Freud, pelo fato de Rank ter defendido que o “trauma do nascimento” era mais importante do que o “complexo de Édipo”, e Wilhelm Reich, que se afastou de Freud por defender que a grande origem da neurose residia em dificuldades em obter o orgasmo. Reich também defendia que o capitalismo e o fascismo impunham a repressão sexual e que praticar a liberdade sexual era uma ação “revolucionária”. Desenvolveu a noção de “carapaça pélvica”, uma rigidez muscular do baixo ventre, típica, segundo Reich do moderno homem civilizado, equivalente à chamada “cintura dura”, conhecidíssima dos brasileiros, e que implicaria a autorrepressão sexual em troca do controle dos esfíncteres necessário, sempre segundo Reich, para o capitalismo (ou seja, para trabalhar horas seguidas, a pessoa tinha de se controlar para não ir ao banheiro, e esse controle prejudicava a sua sexualidade). Escreveu o pai: “Com relação ao seu uso um tanto vago da palavra ‘burguês’, no tocante à citação de Rank, digo-lhe que usei as palavras do próprio autor. Conhecer os limites e respeitar alguns deles é isso que Rank quer dizer. Você mutila o significado da afirmação com o seu estranho emprego da palavra ‘burguês’. “Chega de criticar. Agora sobre o Reich. Analisarei mais a fundo a sua tal couraça muscular (ou seja, a ‘carapaça pélvica’ – RP). Acho que tem muito disso. Pegarei, qualquer hora, ‘A Revolução Sexual’, de Reich, embora acredite que tenha visto essa tese de passagem em ‘A Função do Orgasmo’”, também de Reich. Em sua resposta, o filho, numa referência bastante velada à sua sexualidade, diz que sua “raiva” está relacionada a “uma psicologização explosiva” e a “afirmações sobre degenerações da psique, as quais (como numa carta de algum romance francês) eu já ‘insinuei’ e explicitei mais de uma vez a você. Digo-lhe seriamente, Louis, que se você quer ver em mim um filho completamente viril, respeitável, de bem, é melhor você perceber essa meia palavra para o bom entendedor & aceitar, se quiser”. Talvez valha a pena lembrar que, menos de uma década depois, Elvis Presley se tornou o primeiro branco, nos Estados Unidos, a romper a “carapaça pélvica” ou “couraça muscular”. E a ter “cintura” no sentido brasileiro do termo.

Um comentário:

Non je ne regrette rien: Ediney Santana disse...

Maravilha, ao ler a crônica sua visualizei o livro, tentarei comprar o livro,